• Nenhum resultado encontrado

A complexidade metodológica para medir a acessibilidade

PARTE I. MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL E ACESSIBILIDADE

2. Acessibilidade: Os transportes como fator de inclusão social

2.2 Equidade e acessibilidade aos serviços de saúde

2.2.2 A complexidade metodológica para medir a acessibilidade

Os sistemas de transportes podem ser medidos em termos da mobilidade ou da acessibilidade. Na primeira avalia-se a deslocação física enquanto na segunda centra-se na aferição da capacidade dos indivíduos alcançarem as oportunidades de que necessitam. Em planeamento tem-se privilegiado a avaliação da qualidade dos sistemas de transporte com base na mobilidade (Litman, 2007a). Porém, a acessibilidade é um termo mais vasto que permite colocar maior ênfase nas alternativas de transporte, tais como “andar a pé” ou de bicicleta, de transportes públicos, o teletrabalho, as compras online ou a avaliação da conectividade entre os diferentes meios de transporte e as variáveis do uso do solo (Litman, 2007b).

108

A questão que atualmente se coloca é ser acessível ou não ser acessível. Numa economia globalizada, possuir um acesso adequado às oportunidades, que se encontram temporalmente e espacialmente dispersas, parece ser uma componente vital quer para os indivíduos quer para as empresas (Straatemeier, 2008).

A acessibilidade depende da distância e da velocidade imposta pela rede de transportes e da dimensão temporal, mas, estes elementos são frequentemente ignorados. De facto, integrar as velocidades na avaliação de uma rede de transportes é uma tarefa complexa devido à variação consoante a localização, a hora do dia ou o sentido de tráfego (Miller, 1999). No entanto, é fundamental que qualquer medida de acessibilidade considere a variação das velocidades em função do tipo de via, dos elementos redutores de tráfego que condicionam a deslocação, das restrições à circulação automóvel em algumas vias e da variação temporal ao longo do dia, com especial atenção para os picos de tráfego (vulgo horas de ponta). Assim, tratar estes elementos como uma constante é um erro que enviesa qualquer resultado obtido na avaliação da acessibilidade. Pelo facto, no âmbito desta investigação, optámos por realizar um levantamento de dados no terreno, para obter a velocidade dos idosos a andar a pé que possibilite medir a acessibilidade, a “andar a pé”, aos transportes públicos.

A dimensão temporal assume-se como um dos principais desafios para o desenvolvimento de medidas de acessibilidade mais realistas, uma vez que as condições de acessibilidade variam ao longo do dia (Hodge, 1997; Schwanen e de Jong, 2008; Chen et al., 2011). Também importa frisar que o acesso espacial pode ser definido como uma característica do lugar (o grau de acessibilidade com que um lugar pode ser acedido a partir de outros lugares) ou individual (com que facilidade um indivíduo pode aceder às oportunidades) (Kwan et al., 2003). Ao nível da acessibilidade individual ela pode variar dentro do mesmo grupo familiar pelo que o investigador, mesmo quando ultrapassa o problema do zonamento, deve acautelar as suas conclusões quando inferir sobre o grau de acessibilidade (Kwan, 1998). Também seria interessante considerar os lugares que os indivíduos conseguem alcançar atendendo às suas limitações (inequidade da acessibilidade) (Hodge, 1997; Wenglenski e Orfeuil, 2004; Wenglenski, 2006).

As medidas convencionais de acessibilidade baseiam-se na proximidade e possuem três características comuns. Em primeiro lugar, assumem que o ponto de referência é habitualmente a residência do indivíduo ou uma urbanização quando a medida utilizada é geralmente em termos de

109

parcelas do espaço. Em segundo lugar, considera-se que as oportunidades de destino (trabalho, escola, centro comercial) podem ser ponderadas em função da sua importância. Por último, a acessibilidade resulta do grau de separação física entre um ponto de origem e outro de destino. Habitualmente, utiliza-se uma função e a penalização (impedância) para representar o efeito da distância (distance-decay) na atratividade das oportunidades (Kwan, 1999; Luo e Qi, 2009; Gutiérrez et al., 2011). Contudo, as medidas convencionais têm ignorado a complexidade associada às escolhas dos indivíduos, que nem sempre recorrem ao modo mais económico e eficiente nem ao caminho mais curto. Também se ignora, frequentemente, que cada indivíduo possui uma “janela” horária (time budget) para execução da sua jornada quotidiana. De igual modo, raramente se atende às caracteristicas de mobilidade da população idosa.

Considerando estas lacunas o poder explicativo das medidas gravitacionais tem declinado ao invés das medidas espaço-temporais que têm vindo a emergir (Kwan, 1998; Lee et al., 2009; Shaw e Yu, 2009). Esta área de investigação procura avaliar a acessibilidade como o resultado das restrições espaço-temporais que limitam a escolha das atividades a que os indivíduos podem aceder e baseia-se na estrutura espaço-temporal proposta por Hägerstrand (1970) e mais tarde atualizada na construção do prisma espaço-temporal (time-space prism) proposto por Lenntorp (1976). As propostas destes autores evoluíram muito recentemente. Multiplicaram-se os estudos que têm sido implementados para avaliar a relação espaço-temporal das deslocações dos indivíduos, ao longo do dia (Hägerstrand, 1970; Lenntorp, 1976; Kwan, 1999; Knowles, 2006; Neutens et al., 2008; Lee et al., 2009; Shaw e Yu, 2009; Lee et al., 2010; Páez et al., 2010; Neutens et al., 2011).

Todavia, apesar do crescente número de estudos dedicados a esta temática, a modelação ainda é complexa, sendo necessário, na generalidade dos casos, recorrer à programação de aplicações para integrar nos softwares de S.I.G.. A informação necessária para a sua implementação também se revela um entrave à utilização destas metodologias. A informação poderá ser recolhida através de diários das deslocações detalhadas e da disponibilidade temporal de cada indivíduo, do horário de abertura e de encerramento das instituições, dos estabelecimentos e das empresas, de inquéritos à mobilidade, entre outros (Kwan et al., 2003; Schwanen e de Jong, 2008; Ben-Akiva, 2009; Lee et al., 2009; Yoon e Goulias, 2010).

Esta reorientação das medidas de acessibilidade retrata a complexidade do padrão das deslocações dos indivíduos, que variam de acordo com a localização das oportunidades e ao longo do dia. Este é

110

um indicador que reforça a necessidade de também se reorientar as abordagens utilizadas em planeamento de transportes. Conforme já foi mencionado, uma visão puramente centrada em modelos preditivos é desfasada da realidade atual, pugnando-se, por isso, pela necessidade de incorporar abordagens mais dinâmicas. Deste modo, reorientar o planeamento para incorporar a avaliação da acessibilidade às oportunidades pode ser mais adequado.

As medidas de acessibilidade podem ser categorizadas de várias formas consoante a perspetiva adotada que gera diferentes definições e formas de a medir. Estas medidas podem ser baseadas na avaliação das infraestruturas, da localização geográfica, dos benefícios e dos indivíduos (Geurs e Wee, 2004a).

Normalmente recorre-se às medidas de acessibilidade baseadas nas infraestruturas quando se procura avaliar o desempenho do serviço de transporte, nomeadamente através da avaliação do nível de congestionamento ou das velocidades (médias). Estas medidas são utilizadas com alguma frequência devido à simplicidade para calcular e interpretar a acessibilidade, apesar de, não serem adequadas para medir os impactos das políticas de uso do solo e dos transportes.

As medidas de acessibilidade baseadas na localização procuram avaliar a acessibilidade às oportunidades identificando, por exemplo, a quantidade de empregos disponíveis numa determinada distância-tempo de uma dada localização. As medidas de acessibilidade baseadas na utilidade/benefício estão geralmente presentes nas teorias económico-espaciais. Estas medidas permitem avaliar o benefício que o indivíduo obtém pelas opções tomadas a partir de um leque de opções possíveis. Ambas as medidas, de localização e de benefício, são consideradas as mais adequadas para avaliar as condições económicas e sociais da população.

Conforme mencionado anteriormente, as medidas baseadas no indivíduo fundamentam-se na geografia espaço-temporal de Hägerstrand (1970) e consideram a disponibilidade temporal dos indivíduos para identificar as actividades em que pode participar ou usar. Apesar das vantagens destas medidas, para identificar os indivíduos excluídos socialmente por questões temporais, a sua modelação é complexa. Estas medidas requerem dados muito específicos, detalhados e individualizados, pelo que habitualmente os estudos que recorrem a estas medidas centram-se em pequenas áreas amostra e orientam-se para avaliar sub-grupos da população (Geurs e Ritsema, 2003; Geurs e Wee, 2004a).

111

Outra proposta de categorização das medidas de acessibilidade foi apresentada por Miller (1999) conforme é exemplificado na Figura 12.

Figura 12 – Tipo de abordagens às medidas de acessibilidade

Fonte: Elaboração própria com base na perspetiva de Miller (1999) e de Liu e Zhu (2004).

Este autor reconhece que nenhuma das abordagens, per se, permite a integração simultânea dos vários fatores que influenciam a acessibilidade. Assim, na abordagem orientada para as limitações, as oportunidades são tratadas como se fossem todas iguais, não distinguindo os custos de viagem, nem os diferentes graus de atratividade. Contrariamente, na abordagem orientada para a atratividade e na medida dos benefícios, a dimensão temporal é ignorada (Miller, 1999; Liu e Zhu, 2004; Gutiérrez et al., 2010).

Para desenvolver um estudo de acessibilidade existem vários indicadores que podem ser adotados consoante os objetivos do estudo (Gutiérrez et al., 1996; Puebla e Gómez, 1999; Puebla et al., 2000). Porém, medir a acessibilidade implica avaliar o grau de conectividade de uma rede ou em termos geográficos ou em termos potenciais. Considerando que nem todos os lugares têm a

112

mesma importância avaliar a acessibilidade potencial implica ponderar a distância pelos atributos do lugar (Rodrigue et al., 2006). Vários investigadores recorrem às medidas do potencial económico cujo conceito está próximo do modelo gravitacional. Nestes casos a acessibilidade de um nó de uma rede é proporcional à interação espacial com os outros nós da rede. Assim, a interação espacial entre o nó de origem i e o nó de destino j é proporcional ao tamanho do nó de destino e inversamente proporcional a uma força da distância a esse destino (distance decay) (Gutiérrez et al., 1996; Geurs e Ritsema, 2003; Gutiérrez et al., 2010).

As medidas de acessibilidade mais eficientes devem integrar a componente do uso do solo, dos sistemas de transportes, temporal e a do indivíduo (Geurs e Wee, 2004a). Na componente do uso do solo integra-se a distribuição espacial das atividades e a componente da procura. No que concerne à componente do sistema de transportes é fundamental avaliar o tempo de espera nas paragens, a duração da viagem e os custos associados à realização da viagem. Relativamente à componente temporal não se deve olvidar o horário que as oportunidades estão disponíveis (abertura e encerramento) nem a disponibilidade temporal dos indivíduos. Por último, a componente do indivíduo deve integrar a necessidade e a capacidade de acesso aos transportes públicos. As medidas mais complexas, como a de localização e a do indivíduo deverão ser expressas em valores monetários para facilitar a interpretação e o diálogo com os planeadores (Geurs e Wee, 2004a).

O desenvolvimento das ferramentas de S.I.G. promoveram o aumento dos estudos que procuram integrar as várias dimensões da acessibilidade (Yeh e Chow, 1996; Miller, 1999; O'Sullivan et al., 2000; Weber e Kwan, 2002; Liu e Zhu, 2004; Gutiérrez et al., 2007; Puebla e Garcia-Palomares, 2007; Puebla e García-Palomares, 2007; Yigitcanlar et al., 2007; Gutiérrez et al., 2010). Miller (1999) recorreu ao ambiente S.I.G. para desenvolver uma medida de acessibilidade mais exequível integrando as limitações espaço-temporais, medindo os benefícios e a estrutura da rede.

Os S.I.G. permitem a construção de bases de dados conducentes a uma análise do território e das relação que nele se estabelecem mais realísta, complexa e desagregada. Todavia, é fundamental que esta complexidade para medir a acessibilidade se traduza em simplicidade de interpretação quer para planeadores quer para investigadores. Considerando a importância das perspetivas da localização e do indivíduo é fundamental que ambas sejam avaliadas e integradas no mesmo modelo, ou em modelos separados desde que avaliados complementarmente (Geurs e Wee,

113

2004a). Pelo exposto, é evidente a dificuldade em estruturar uma medida de acessibilidade mais realista e adequada aos padrões de localização que caracterizam os vários territórios. Porém é esta dificuldade que incentiva a utilização dos Sistemas de Informação Geográfica para simplificar a complexa realidade espacial.

Nesta investigação, recorreremos à análise de redes onde se pretende incluir algumas características que habitualmente têm sido ignoradas na simulação: o declive das vias e a velocidade diferenciada a “andar a pé” da população idosa. A localização, dos equipamentos de saúde e da população, assume nesta investigação um papel central, onde se avaliam os tempos de deslocação a “andar a pé” aos serviços de saúde, nomeadamente os que prestam cuidados de saúde primários e as farmácias. Também nos focaremos na compreensão e na modelação dos tempos de deslocação percebidos pelos indivíduos.