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A complexidade dos fluxos e a acessibilidade

PARTE I. MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL E ACESSIBILIDADE

2. Acessibilidade: Os transportes como fator de inclusão social

2.2 Equidade e acessibilidade aos serviços de saúde

2.2.1 A complexidade dos fluxos e a acessibilidade

Desde a década de 50 do século XX, que o conceito de acessibilidade foi desenvolvido em termos de transportes quando foi definida como a facilidade em alcançar os destinos pretendidos (Hansen, 1959; Iacono et al., 2010). De facto a literatura disponibiliza-nos vários exemplos de medidas de acessibilidade, em áreas urbanas, embora, geralmente, sustentadas na utilização dos modos motorizados e muitos deles centrados na acessibilidade ao emprego. A grandes escalas, a análise centrada na utilização dos modos suaves e nos transportes públicos também se revela cada vez mais necessária para promover uma prática mais inclusiva de planeamento.

Vários estudos têm procurado identificar a influência das características funcionais e do desenho das áreas residenciais no comportamento e escolhas dos modos de transportes para as deslocações das famílias (Ewing et al., 1994; Friedman et al., 1994; Cervero e Radisch, 1996; Handy, 1996a, 1996b; Kitamura et al., 1997; Schwanen e Mokhtarian, 2005). No essencial, estes estudos procuram identificar as opções modais de deslocação dos indivíduos em áreas residenciais desenhadas segundo políticas orientadas para os transportes públicos ou para o automóvel. Constata-se que no primeiro tipo de política, a utilização dos transportes públicos é consideravelmente maior, enquanto no segundo tipo de política predominam as deslocações em transporte privado (Snellen, 2002).

A ausência de transportes públicos nalgumas áreas limita os indivíduos não motorizados de tirarem proveito das oportunidades existentes (Bavoux et al., 2005). Considerando a importância que este modo de transporte tem no contexto da mobilidade urbana urge compreender o grau da acessibilidade pedonal aos transportes públicos (paragens). Este é um fator preponderante na eleição do meio de transporte que os indivíduos efetuam para realizar as suas deslocações diárias e para avaliar a procura deste modo de transporte (Wu e Murray, 2005). Certamente que os indivíduos que possuem uma paragem próxima da residência estarão mais recetivos a utilizar os transportes públicos do que os que possuem paragens mais afastadas (Puebla et al., 2000). Também se constatou que a relação entre a procura dos transportes públicos e a distância pedonal a estes apresenta uma função exponencial negativa em função da distância (distance decay) (Kimpel et al., 2006).

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Numa cidade, como numa casa, temos espaços dedicados ao movimento e dedicados ao convívio. Quando se solicita a um arquiteto para desenhar o projeto da nossa casa certamente que não pretendemos que ela possua corredores enormes e salas pequenas, pelo que frequentemente o arquiteto opta por combinar os dois espaços num só, de forma a possibilitar que os corredores também se tornem num espaço de convívio. É com base nesta analogia que Engwicht (1999) coloca a importância da humanização da rua e da redução do tráfego automóvel. O autor defende que recorrer a intervenções para a redução de tráfego apenas abranda a velocidade do tráfego sendo necessário apostar no que apelida de medidas de “reclamação da rua” (street reclaiming), cujo enfoque é desenvolver atividades, criar condições de sociabilização das ruas. Pelo exposto, o que o autor pretende demonstrar é a necessidade de abandonar a visão que a rua é um mero corredor de passagem de veículos. Ao planear, tendo a acessibilidade sustentável como objetivo, a rua assume um papel de vivência e de identificação pessoal. Desta forma, os elementos naturais e construídos que a compõem promovem a deslocação em modos suaves e em transportes públicos. Engwicht (1999) defende ainda que a perceção de que as ruas são perigosas levam a que os pais desincentivem os seus filhos de utilizar a rua como local de convívio, o que conduz ao aumento da velocidade de tráfego. Em contrapartida, considera que, se se permitirem desenvolver atividades nas ruas, os automobilistas passarão a jogar com a incerteza, o que fará reduzir a velocidade de tráfego. Individualmente, as repercussões são mínimas, mas coletivamente influenciam decisores e automobilistas.

Ao recentrarmos a prática de planeamento na acessibilidade é fundamental encontrar ferramentas que nos permitam obter um retrato realista do território e das relações que nele se estabelecem. Neste sentido, os Sistemas de Informação Geográfica são uma ferramenta de análise espacial que muito pode contribuir para melhorar o processo de planeamento. Nas últimas décadas estas ferramentas evoluíram da mesma forma que também aumentaram os estudos para avaliar a acessibilidade aos transportes públicos (Kwan et al., 2003). Porém, apesar das enormes capacidades destas ferramentas para efetuar análise sobre redes, conjugando informação demográfica, económica e de ocupação do solo, a verdade é que frequentemente se recorre à análises de proximidade através de buffers (Biba et al., 2010). Um buffer pode ser descrito como uma área, num mapa, em torno de uma entidade geográfica (ponto, linha ou polígono) medida em unidades de distância euclidianas ou tempo. De facto, esta metodologia está bem presente em

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estudos de procura recorrendo-se tradicionalmente a uma distância de 400 metros das paragens/estações (O'Sullivan et al., 2000; Ryan e Getz, 2005; Dodson et al., 2007; Oh e Jeong, 2007; Potoglou e Kanaroglou, 2008).

A análise de redes com recurso às áreas de serviço (service area) produz melhores resultados do que o método anterior baseado nas distâncias euclidianas (Puebla e Garcia-Palomares, 2007). Kimpel, Dueker e El-Geneidy (2006) avaliaram o efeito da sobreposição de áreas de serviço pedonais na procura de transportes públicos (Larsen e Gilliland, 2008). Para tal recorreram aos parâmetros de distance-decay da função de acessibilidade que foram calculados através de modelos de regressão dos mínimos-quadrados. A função de distance-decay foi utilizada para melhorar a estimação dos valores de procura de transportes públicos ao nível da paragem reconhecendo, no entanto, que os parâmetros de distance decay podem não ser constantes podendo variar segundo o objetivo da viagem e do modo de transporte utilizado (Kimpel et al., 2006).

Este tipo de análise também foi aplicado num estudo, numa cidade Canadiana, para mapear a evolução dos food desert, através da acessibilidade aos supermercados e integrando população por bloco censitário e rede de autocarros (Apparicio et al., 2007). Recentemente, Biba, Curtin e Manca (2010) apresentaram um método para determinar a população com melhor acesso pedonal às paragens de autocarro, na região norte de Dallas, nos E.U.A.. Neste método recorreram aos S.I.G. para modelar a base de dados que possuía informação cadastral, que confere maior precisão aos dados, conjuntamente com as funcionalidades da rede (Biba et al., 2010).