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Acessibilidade aos serviços de saúde no contexto do planeamento

PARTE I. MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL E ACESSIBILIDADE

2. Acessibilidade: Os transportes como fator de inclusão social

2.2 Equidade e acessibilidade aos serviços de saúde

2.2.3 Acessibilidade aos serviços de saúde no contexto do planeamento

Os cuidados de saúde primários são reconhecidos como o meio universal para a promoção da saúde (Guagliardo, 2004; Zenk et al., 2005; Luo e Qi, 2009). Contudo, o acesso geográfico aos serviços de saúde ainda se configura com uma das principais barreiras para alcançar uma “saúde para todos”. Um dos desafios em saúde é disponibilizar uma rede de serviços de saúde que possa ser alcançada num tempo razoável de deslocação, através de um meio de transporte que seja equitativo. Deste modo, a distância entre a localização dos indivíduos e dos equipamentos de saúde tem sido reconhecida como uma das premissas mais importantes a ter em contra em planeamento de serviços de saúde (Guagliardo et al., 2004). Uma grande parte dos estudos sobre esta temática recorre às distâncias euclidianas, às distâncias-tempo ou distâncias física (em quilómetros) da rede de acesso.

Também é reconhecido que grande parte da população atua segundo as distâncias percebidas em vez das distâncias reais (Perry e Gesler, 2000). No entanto, permanece pouco explorada a investigação relacionada com os tempos de deslocação percebidos, que abordaremos no capítulo 6 desta tese. Nas áreas urbanas, para além da acessibilidade aos serviços de saúde é fundamental integrar a componente da oferta, ou seja, a disponibilidade de serviços de saúde. Nestes espaços a maior concentração de serviços permite à população que aí reside a opção de escolha, geralmente

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inexistente nos espaços de cariz mais rural (Guagliardo, 2004; Guagliardo et al., 2004). Atualmente não existem ainda estudos à escala local, quer internacionais quer nacionais, aplicados em meio urbano, onde se considere a influência do declive na componente da acessibilidade dos territórios em análise de redes. Não obstante o contributo dos S.I.G. permite obter resultados mais fiéis da realidade e desenvolver simulações mais complexas.

A população mais pobre é a que apresenta maiores níveis de doença em consequência, muitas vezes, de possuirem um tipo de acesso aos serviços de saúde mais desfavorável (Santana, 1993). Assim, a proximidade e a disponibilidade de transportes públicos e a oferta de serviços são aspetos chave quando avaliamos a acessibilidade (Phillips et al., 1987). Alguns autores distinguem entre a acessibilidade potencial e a acessibilidade revelada. A primeira centra-se nos padrões espaciais, nos fatores sócioeconómicos e na oferta agregada dos serviços de saúde. Por sua vez, a segunda foca- se na utilização atual dos serviços sendo medida pela frequência de atendimento (Joseph e Phillips, 1984; Thouez et al., 1988; Santana, 1993; Luo, 2004). Segundo esta perspetiva o acesso geográfico aos serviços de saúde é influenciado pelos fatores espaciais (localização e distância) e pelos fatores não espaciais (e.g., género, idade e condição económica dos indivíduos) (Luo, 2004). A componente territorial desempenha um papel relevante na acessibilidade aos cuidados de saúde (Remoaldo, 2002b). Santana (1993) considerou, para os municipios de Coimbra e de Góis, que a acessibilidade geográfica dos serviços de saúde consiste na distância-tempo ao serviço de saúde mais próximo da residência, corrigida por fatores de frequência dos transportes públicos. A autora utilizou um limiar de deslocação de 30 minutos a partir do qual o tempo de deslocação foi corrigido com um fator de ponderação. Assumiu, no seu estudo, que uma distância de dois quilómetros correspondia a 30 minutos a “andar a pé”.

Num estudo sobre a acessibilidade aos cuidados primários de saúde, em Washington nos E.U.A., com recursos aos S.I.G., Guagliardo (2004) considera que conhecemos relativamente bem as taxas de utilização e a disponibilidade dos serviços de saúde, mas sabemos muito pouco sobre as barreiras que criam desigualdades no acesso geográfico da população. O autor considera que a generalidade dos estudos se baseiam na análise da distância ao serviço mais próximo, no nível da distribuição do serviço através de rácios serviço/população, cujos métodos são de pouca utilidade nas áreas densamente povoadas. As medidas baseadas nas distâncias e nos tempos de viagens só

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fazem sentido em áreas mais extensas, uma vez que, nas áreas urbanas se ignora frequentemente o potencial dos serviços que estão ligeiramente mais distantes (Guagliardo, 2004).

Recentemente alguns investigadores portugueses avaliaram vários indicadores de saúde. Nalguns casos destaca-se a acessibilidade aos equipamentos dos serviços de saúde, embora na generalidade dos casos seja avaliada à escala supramunicipal. O indicador “distância mínima concelhia a um hospital central ou distrital” é disso um exemplo. Também se recorre às distâncias euclidianas que foram calculadas assumindo-se que nos municípios onde se localiza um hospital, a distância é zero. Também se assume que quanto maior for a distância ao hospital pior será o acesso para os residentes em cada concelho (Nicolau et al., 2010).

Outro exemplo da abordagem da acessibilidade aos serviços de saúde é o conjunto de textos sobre os cuidados de saúde em Portugal publicado em 2011 pela Entidade Reguladora de Saúde (E.R.S.). Nestes avaliam-se, entre outros aspetos, o acesso geográfico a determinados estabelecimentos que prestam cuidados de saúde. Para avaliar a acessibilidade aos serviços de saúde teve-se em consideração quer a localização da oferta quer a localização dos utentes. Para tal considerou-se o limiar de distância-tempo de trinta minutos, por estrada, a cada ponto da rede, nomeadamente da população idosa. Concluiu-se que a cobertura populacional da Região de Referência para Avaliação em Saúde de Braga (que inclui os municípios de Amares, Barcelos, Braga, Esposende, Terras de Bouro e Vila Verde) é de 99% para a população total e de 98% para a população idosa.

Relativamente ao acesso dos utentes a consultas de medicina geral e familiar a E.R.S. considera que “o direito ao acesso aos cuidados de saúde só será garantido em pleno se não se verificarem desigualdades significativas, no acesso”, pelo que “a oferta de serviços deverá adequar-se às necessidades concretas de cada região, assegurando um grau de acesso uniforme para todas as populações” (Entidade Reguladora da Saúde, 2011). Para avaliar a proximidade à rede de centros de saúde a E.R.S. estimou a população residente que se encontra para além dos trinta minutos de distância (tempo de viagem em estrada) de cada ponto da rede. Com base nestes critérios afirma que praticamente toda a população de Portugal continental (mais de 99%) está a menos de trinta minutos, por estrada, e por isso próxima de um centro de saúde (Entidade Reguladora da Saúde, 2011). A opção pelos trinta minutos é sustentada com o padrão de distância - tempo recomendado pelo GMENAC (Graduate Medical Education National Advisory Committee) para os cuidados de saúde primários.

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Porém, em Portugal, é deficitário o conhecimento sobre os padrões de mobilidade dos indivíduos. Tal aplica-se nas deslocações realizadas nos modos motorizados, mas mais acentuadamente no caso dos modos não motorizados. É recorrente na literatura apontar-se a necessidade de analisar o comportamento dos indivíduos, para elaborar uma medida de acessibilidade efetivamente robusta. É, por isso, fundamental conhecer, por exemplo, quais os serviços que os indivíduos acedem com maior frequência, qual a origem dos clientes, dos funcionários e dos fornecedores, como se deslocam ou qual a distância percorrida (Iacono et al., 2010; Delafontaine et al., 2011).

Para mitigar a falta desta informação recomenda-se, frequentemente, a utilidade de recorrer a diários de viagens dos indivíduos (Cervero e Duncan, 2006; Kenyon e Lyons, 2007; Kwan e Weber, 2008; Cao et al., 2010). A informação deve ser recolhida em vários períodos ao longo do ano, para colmatar a influência meteorológica e climática no comportamento dos indivíduos, em relação às deslocações que realizam. Tal assume maior importância no caso dos modos suaves de deslocação dos indivíduos face à maior influência das condições meteorológicas na eleição destes meios para efetuar a jornada quotidiana.

Na sequência do exposto realizámos um inquérito à mobilidade e exclusão social centrado na acessibilidade aos serviços de saúde, que são tidos como bens de primeira necessidade (Guagliardo, 2004; Zenk et al., 2005; Luo e Qi, 2009). Recorremos às farmácias para realizar o inquérito pelo que no capítulo três apresentaremos os pressupostos metodológicos adotados e os respetivos resultados no capítulo seis.

As redes de transportes oferecem um importante contributo para os vários atores (indivíduos, empresas, instituições) terem um nível suficiente de acessibilidade às várias oportunidades. Porém em planeamento de transportes a habitual visão “predizer para providenciar” (predict-to-provide) provou ser ineficiente. Deste modo, é fundamental atender à acessibilidade que as infra-estruturas de transportes possuem, ao invés de se focar estritamente na eficiência do sistema de transportes (Banister, 2002; Straatemeier, 2008). O planeamento em transportes deve, então, focar-se menos em modelos preditivos, nomeadamente para a previsão de congestionamentos de tráfego.

Os padrões de mobilidade dos indivíduos, e das mercadorias, são cada vez mais complexos. Também a localização das empresas e da residência dos indivíduos é cada vez mais dinâmica e por isso incerta, o que torna estes modelos preditivos inadequados (Banister, 2002; Straatemeier,

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2008). O planeamento dos transportes deverá ser (re)orientado para uma componente social mais rica, compreendendo o que as pessoas fazem no seu dia-a-dia e como se organiza a logística das empresas e das instituições (Straatemeier, 2008). A primazia deverá ser a conectividade dos lugares, a qualidade de vida dos indivíduos e a promoção da inclusão social.