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A Geografia dos transportes e a exclusão social

PARTE I. MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL E ACESSIBILIDADE

1. Abordagens à mobilidade urbana sustentável no contexto do

1.4 O planeamento dos transportes como fator de exclusão social

1.4.2 A Geografia dos transportes e a exclusão social

Ao entendermos a Geografia como o estudo das inter-relações entre as atividades humanas e o meio, no contexto espacial, a Geografia dos Transportes pode ser definida como o estudo dos sistemas de transporte e os impactos espaciais resultantes (Hoyle e Knowles, 2000). Os transportes constituem a base da organização regional, sendo o espaço e o movimento os dois conceitos básicos em transportes (Pons e Reynés, 2003). A Geografia dos Transportes corresponde ao estudo dos aspetos espaciais dos transportes que se desenvolvem devido à necessidade das pessoas alcançarem determinados lugares para obterem os bens e serviços que necessitam. Os sistemas de

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transportes são o elo de ligação entre a oferta e a procura desses serviços/oportunidades (Knowles et al., 2008).

A exclusão social é um fenómeno onde as políticas de transporte desempenham um papel importante (Hine, 2000). A relação entre a pobreza e transportes inicia-se com a acessibilidade, uma vez que a exclusão social não deriva da falta de oportunidades mas sim da limitação no acesso, onde a distância assume um papel relevante quando os custos e o tempo são um fator determinante (Preston e Raje, 2007). Este tipo de abordagem conduziu à reformulação do conceito de acessibilidade, considerando Farrington (2005) que os lugares não são mais ou menos acessíveis, mas os indivíduos é que experienciam maior ou menor acesso aos lugares (Cebollada, 2008).

A acessibilidade a diversos serviços, nos ambientes rurais e urbanos, tornou-se problemática, sendo em alguns casos impossível para indivíduos sem acesso ao automóvel (Kenyon et al., 2002). Assim, do ponto de vista dos transportes, a exclusão social resulta da falta de capacidade das pessoas/famílias acederem ao transporte reduzindo ou impossibilitando-as de alcançarem diversos serviços, tais como os de saúde, de emprego ou de lazer (Knowles et al., 2008). Não importa apenas disponibilizar o uso do sistema de transporte aos cidadãos mas é, também, importante promover a sua participação na gestão e manutenção do referido sistema (Hodgson e Turner, 2003).

No que concerne à relação entre transportes e exclusão social, podemos analisar esta problemática insistindo numa abordagem por “categorias” ou numa abordagem “espacial”. A primeira insiste nas questões dos padrões das viagens, nas atitudes e nas necessidades particulares dos indivíduos e dos grupos sociais, enquanto a segunda centra a sua análise nos problemas da acessibilidade (Church et al., 2000). Considerando a abordagem espacial da exclusão social, estes autores agruparam os fatores que limitam a mobilidade dos indivíduos excluídos em sete categorias: exclusão física, geográfica, das oportunidades, económica, temporal, do medo e espacial. Porém e considerando esta categorização proposta por Church et al. (2000), parece-nos mais adequado sintetizar estes fatores em cinco categorias. Para tal agrupou-se a exclusão espacial e das oportunidades na exclusão geográfica, conforme exemplificado na Figura 7.

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A exclusão económica deriva do facto dos padrões de vida atuais resultarem de uma sociedade de consumo, onde a posse de determinados bens, como o telemóvel, o computador, o automóvel e a casa serem tidos como essenciais. O recurso ao crédito tem sido uma das formas mais recorrentes que os cidadãos têm utilizado para a sua aquisição, implicando uma gestão do orçamento familiar baseada no rendimento disponível e na incerteza. Esta incerteza é função da evolução das taxas de juro, mas também, das flutuações inerentes à manutenção dos padrões atuais de mobilidade, designadamente, o preço dos combustíveis, a manutenção de veículos e a mobilidade do emprego. O aumento dos custos económicos e sociais pode limitar o acesso a determinadas oportunidades, como o emprego, os serviços e as redes sociais (Church et al., 2000).

Figura 7 - Categorias dos fatores que podem contribuir para o aumento das áreas de exclusão social

Fonte: Elaboração própria com base em Church et al. (2000).

Por seu turno, a exclusão geográfica está relacionada com uma privação da deslocação devido às limitações no transporte e/ou devido à falta de alternativas. O problema dos cidadãos não motorizados é a ausência de um modo de transporte, enquanto a inexistência de alternativas eficientes ao automóvel privado é um problema que afetará todo o conjunto da população. As características do “novo” modelo de desenvolvimento urbano, que se caracteriza pela dispersão e fragmentação das atividades e da população no espaço são um fator determinante no crescimento das áreas de exclusão social devido a fatores de ordem geográfica.

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O medo pode influenciar a utilização dos espaços e dos transportes públicos por parte dos indivíduos e grupos. Também importa referir que determinados espaços apresentam níveis elevados de criminalidade, o que compele os próprios residentes a evitar sair de casa em determinados períodos do dia. Estes espaços transformam-se em espaços indesejáveis para os restantes indivíduos, originando a exclusão baseada no medo.

Relativamente à exclusão baseada no tempo, ela é ocasionada pelo facto de atualmente a natureza dos fluxos ser complexa e poder limitar a organização da agenda dos indivíduos devido a constrangimentos temporais. Atente-se, por exemplo, no caso de um indivíduo que inicia o trabalho às 8.00 horas, mas primeiro tem de levar o filho à creche, cujo horário de abertura é precisamente às 8.00 horas. Outro exemplo é o de um indivíduo que depende dos transportes públicos e nas mesmas condições horárias anteriores, apenas dispõe do primeiro autocarro, com chegada à creche às 7.45 horas, mas a ligação para o local de trabalho só se realiza às 8.00 horas. Estas condições colocam estes indivíduos numa situação de exclusão social em resultado das limitações temporais.

Por último, a exclusão física é um tipo de exclusão que resulta do ambiente construído da cidade que inibe a circulação de indivíduos com mobilidade reduzida, como é o caso das grávidas, dos idosos, das crianças, dos indivíduos em cadeira de rodas e dos invisuais.

No entanto, normalmente estes fatores não ocorrem isoladamente e o grau de exclusão social tende a ser maior quando alguns destes fatores ocorrem em simultâneo. A localização surge assim como um elemento importante na geração de áreas de exclusão social, que resulta da falta de acesso dos indivíduos ao conjunto de oportunidades disponíveis na sociedade. Os fluxos são gerados entre os espaços onde se localizam a residência dos indivíduos e os espaços onde se localizam as várias oportunidades sociais. Os planeadores do território têm procurado proporcionar à população e às atividades níveis elevados de acessibilidade, especialmente, através do aumento do número de infraestruturas rodoviárias, o que tem resultado na geração de novos fluxos assentes na distância, na dispersão e na fragmentação. No contexto das dimensões da exclusão social, é relevante analisar as condições de acessibilidade dos indivíduos às oportunidades que necessitam no seu dia-a-dia, particularmente as de primeira necessidade (Farber et al., 2010; Páez et al., 2010).

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Todavia, o aumento nos níveis de acessibilidade não são sinónimos da inexistência do fenómeno de exclusão social, uma vez que podemos ter espaços que dispõem de uma via rápida de acesso a um conjunto de oportunidades e, no entanto, se nesse lugar residirem indivíduos que não podem recorrer ao automóvel estes são afetados pelo processo de exclusão social. Porém, mesmo no grupo dos indivíduos motorizados podemos ter a manifestação do fenómeno se as variáveis que condicionam o rendimento disponível dos agregados familiares se alterar, tais como, o aumento dos combustíveis, das portagens ou das taxas de juro ou de desemprego. Neste contexto, a mobilidade é outro elemento fundamental a considerar no diagnóstico da exclusão social, onde os transportes públicos podem ser utilizados como um fator de inclusão social (Tyler, 2002).

Recentemente várias agências governamentais, organizações não governamentais (O.N.G.) e organizações internacionais têm salientado a relação entre os transportes e a saúde, nomeadamente, para alcançar alguns dos “Oito Objectivos do Milénio” que estão relacionados com a saúde (Murawski e Church, 2008). A suscetibilidade de vivenciar um processo de exclusão social devido a desvantagens no acesso ao transporte varia consoante os grupos funcionais.