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A amplitude do conceito de emoção no art 133º

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 134-136)

Parte II: Abordagem jurídica

1. Abordagem jurídica aos crimes passionais

1.4. A amplitude do conceito de emoção no art 133º

I. O legislador no art. 133º não faz qualquer tipo de distinção entre as emoções asténicas (medo, desespero, etc.) e as esténicas (ira, cólera, irritação), uma vez que há situações de fronteira e, também, porque à emoção esténica pode suceder a emoção asténica e vice-versa. Deste modo, considera-se que o art. 133º abarca os dois tipos de emoção, sem fazer qualquer tipo de distinção entre elas.

Tal distinção, contudo, é essencial, por exemplo, no art. 33º n.º 2 em relação ao excesso de legitima defesa. Todavia, no art. 133º, considera-se que tanto as emoções esténicas como as asténicas podem surgir com uma tal violência e intensidade que sejam capazes de dominar o agente e arrastá- lo ao crime. O que interessa é que a emoção seja de tal forma intensa a ponto de dominar o agente, independentemente da sua origem esténica ou asténica.

II. AMADEU FERREIRA rejeita o argumento de que as emoções esténicas estão contidas na primeira parte do artigo (no seguimento da doutrina da pro vocação à ira) e que as asténicas estão reservadas para a segunda parte na medida em que aí se referem o desespero e a compaixão. Este autor entende que na segunda parte é valorado não apenas a emoção mas também o motivo e que as situações a que se refere a segunda parte do artigo podem caber ainda na primeira parte se forem violentas ao ponto de dominar o agente, não sendo necessário considerar os motivos mas apenas a compreensibilidade da emoção305.

Ora, se por um lado é verdade que não é feita nenhuma distinção entre emoções esténicas e asténicas no art. 133º, também não é menos verdade que a emoção violenta tem de ser compreensível, ao passe que tal compreensibilidade não é exigida nas situações de desespero ou compaixão. O medo, por exemplo, pode despoletar no agente uma fúria incontrolável que o leva à pratica do facto criminoso, de maneira a eliminar o perigo que o ameaça e atormenta. No entanto, esse mesmo medo pode tomar de tal

304 Cf. AMADEU FERREIRA, “Homicídio Privilegiado” (1991), pp. 99-100. 305 Cf. AMADEU FERREIRA, “Homicídio Privilegiado” (1991), pp. 100-101.

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forma conta do estado psicológico do agente que este não vê outra solução para o seu problema que não seja a morte da pessoa que o agride constantemente e torna a sua vida num verdadeiro inferno.

Em ambos os casos a emoção asténica original – medo – levou à prática de um homicídio privilegiado. No primeiro caso, as agressões e provocações que inicialmente causavam medo e pavor ao agente forçaram-no, de certa forma, a cometer o crime; surge uma emoção violenta que é compreensível porque qualquer homem fiel ao direito, colocado na posição do agente, nas mesmas condições de tempo e lugar, dificilmente se conseguiria libertar da emoção violenta que dele se apoderou. Naquela situação concreta, seria menos exigível ao agente que, sob aquelas circunstâncias, tivesse um comportamento não tradutor de um facto ilícito-tipico.

Na segunda situação o medo apodera-se de tal forma do agente que este não vê outra saída para a situação que está a viver senão a morte daquela determinada pessoa. O requisito adicional “que diminuam sensivelmente a sua culpa”, comum às quatro situações típicas referidas no artigo 133º, é analisado de maneira diferente quer numa quer noutra situação. Conforme já foi referido, o fundamento de atenuação é a diminuição da culpa do agente, assim, a conduta do agente diminui sensivelmente a sua culpa se a emoção que o domina for de tal forma intensa ao ponto de lhe provocar uma perturbação da consciência que consequentemente, não permite que o agente, no momento de praticar o facto, possua, plenamente, a faculdade de apreciar o carácter ilícito do seu acto ou de se determinar de acordo com essa apreciação. No primeiro caso é necessário que a emoção violenta para além de compreensível diminua sensivelmente a culpa; no segundo caso, o fundamento de atenuação especial são as limitações da capacidade psicológica do agente que vive esse estado emocional, tendo por isso que se aferir a posição e o entendimento que o agente tinha naquela situação em concreto.

Deste modo, a mesma emoção asténica pode criar no agente uma nova emoção esténica que o domina e o leva a praticar o crime, como pode, por sua vez, domina- lo, priva- lo do seu normal discernimento e indicar- lhe a morte daquele determinada pessoa como a única solução possível para a sua situação. Assim, contrariamente ao que afirma AMADEU FERREIRA, as situações de desespero não podem ser incluídas na primeira parte do art. 133º, uma vez que não existe, verdadeiramente, nenhuma emoção violenta. No primeiro exemplo que referi à pouco, a conduta do agente foi integrada na primeira para do art. 133º não porque este agente vivia uma situação desesperante mas porque

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surgiu nele uma fúria incontrolável que o arrastou para o crime. Apesar de ser a situação desesperante que a sua vida se tinha tornado o motivo que levou ao surgimento da emoção esténica e que ajuda a “compreender” que o agente se tenha deixado arrastar por ela, a verdade é que a sua conduta só poderá ser objecto de atenuação por se tratar de uma compreensível emoção violenta. Já no segundo caso, o agente devido aos constantes maus tratos a que é sujeito, encontra-se num estado psicológico que não lhe permita avaliar friamente o seu acto; não existe nenhuma emoção violenta, o que existe apenas, na mente do agente, é uma solução rápida e eficaz para acabar com o seu sofrimento e mal-estar (matar o responsável por aquela situação insustentável que se tornou a sua vida).

Por conseguinte, não é possível concordar com a integração do desespero na primeira parte do artigo 133º uma vez que o momento psicológico do agente é diferente numa situação e noutra, e porque o fundamento da atenuação da culpa também é diferente. As situações de desespero que relevam como emoção violenta deverão ser analisadas com base na compreensibilidade da emoção violenta que domina o agente, já as situações em que o desespero é a causa que leva à prática do facto ilícito típico, só poderão relevar dado o menor grau da emoção, devido ao motivo e à pressão exercida sobre o agente.

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 134-136)