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O erro sobre os pressupostos do estado de necessidade desculpante

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 166-169)

Parte II: Abordagem jurídica

2. As emoções e as situações de exclusão da culpa ou de desculpa

2.3. Estado de necessidade desculpante

2.3.6. O erro sobre os pressupostos do estado de necessidade desculpante

379

Cf. PINTO DE ALBUQUERQUE, “Comentário do Código Penal” (2010), p. 189, anotação 8.

380

Em especial SILVA DIAS, in “A Relevância Juridico-Penal das Decisões de Consciência” (1987), pp. 152-153.

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I. Nos termos do art. 16º n.º 2, última parte, o erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a culpa do agente, exclui o dolo, só permanecendo em aberto a eventualidade de punição do agente a título de negligência (art. 16º n.º 3). Todavia, as questões relacionas com o erro sobre um estado de coisas, surgem apenas, de um ponto de vista prático- normativo, nas situações de necessidade ou análogas, daí a sua abordagem em matéria de estado de necessidade desculpante.

O agente que erra sobre os pressupostos de um estado de necessidade desculpante (por exemplo, o naufrago de Carneades que empurra para longe o companheiro que quer agarrar-se à tábua, porque está erroneamente convencido que esta só suporta o peso de um), actua com dolo do tipo e, além disso, com consciência do ilícito, pelo que a grande questão que se coloca está relacionada com a cláusula de inexigibilidade, ou seja, se o seu efeito desculpante reside na situação de “conflito espiritual” que cria para o agente, ou se porventura importará que o perigo exista na realidade independentemente do quadro de circunstâncias que foram representadas pelo agente como verdadeiras. Surgem então duas teses para resolver o problema: a tese da inexigibilidade e a tese da analogia.

II. Segundo a tese da inexigibilidade, tendo em conta que o efeito desculpante reside desculpante reside na situação de “conflito espiritual” que cria para o agente, é indiferente a existência real do perigo, porque o mesmo “existe” no quadro de circunstâncias que foram representadas pelo agente, pelo que não é admissível negar a priori o efeito desculpante. Por conseguinte a resolução do problema passa por uma análise ao quadro das circunstâncias representadas pelo agente de maneira a saber se lhe era ou não exigível outro comportamento: se não, a culpa deve considerar-se excluída, nomeadamente quando o erro era inevitável; se sim, o agente deve ser punido a título de dolo.

III. Por seu turno, a tese da analogia, contrapondo-se à tese da inexigibilidade, entende que em caso de erro censurável, a solução não passa tanto pelo pensamento da inexigibilidade, mas antes pela espécie de erro em causa. Tendo em conta o tratamento de casos de erro sobre os pressupostos de um obstáculo à ilicitude, e uma vez que o erro exclui o dolo, esta tese defende que a mesma solução deve ser utilizada para o erro sobre os pressupostos de um obstáculo à culpa, nomeadamente do estado de necessidade

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desculpante. Assim, o erro exclui o dolo, mas o agente pode vir a ser punido, ser for caso disso, a título de negligência.

Também sobre esta questão ROXIN entendia que o que nestas hipóteses sucede é que “uma prima causa produzida por negligência origina uma violação dolosa de bens jurídicos que, como tal, é desculpável, mas não pode excluir o carácter imputável da primeira causa. De um ponto de vista construtivo trata-se aqui como que de uma variante, até hoje mal entrevista, da actio libera in causa”382.

IV. O art. 16º n.º 2, última p arte, parece decidir-se no sentido de colocar o problema da mesma forma que o coloca a tese da inexigibilidade, mas soluciona-o da mesma forma que a tese da analogia. Deste modo, se, apesar do erro em que o agente incorreu, lhe era exigível outro comportamento, então o erro é irrelevante e a punição deve ocorrer a título de dolo. O que está verdadeiramente aqui em causa não é a aceitação errónea dos pressupostos de uma causa de exclusão da culpa, mas a falsa suposição de que o direito liga às circunstâncias erroneamente aceites a consequência da exclusão da culpa. Aqui, por isso, só é pensável uma relevância do erro pela via de uma falta de consciência do ilícito (art. 17º) com que ele porventura se encontre conexionado383.

V. Todavia, se por virtude do erro em que o agente incorreu, se lhe torna inexigível outro comportamento, não é possível concluir logo pela ausência de culpa, porque esta só pode afirmar-se se o erro não for censurável. Se, porventura, o erro for censurável importa determinar que tipo de erro está em causa e qual a sua influência sobre a culpa do facto. Tal como refere FIGUEIREDO DIAS: “o erro, em si mesmo considerado, torna-se fundamento do facto e é a censurabilidade do erro que fundamenta a censurabilidade do facto; há-de ser por isso a forma de censura do erro que vai fundamentar a forma de censura do facto ”384. Deste modo, se nestes casos o erro se traduzir indiscutivelmente, segundo o tipo de censura que o atinge, numa falta de cuidado e atenção para com a situação em que a conduta se insere – ou seja, se o erro é um erro de conhecimento, um erro intelectual, ou um erro da consciência intencional –,

382

Cf. ROXIN, “Die Behandlung des Irrtums im Entwurf” (1962), p. 612; citado por FIGUEIREDO DIAS in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I (2004), p. 571.

383 Cf. FIGUEIREDO DIAS, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I (2004), p. 571. 384 Op. Cit. p. 572.

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então ele exclui o dolo e só deixa persistir a eventualidade de uma punição do agente a título de negligência.

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