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Entendimento jurisprudencial sobre a cláusula de compreensível emoção violenta

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 112-116)

Parte II: Abordagem jurídica

1. Abordagem jurídica aos crimes passionais

1.1. Homicídio privilegiado

1.1.4. Compreensível emoção violenta

1.1.4.3. Entendimento jurisprudencial sobre a cláusula de compreensível emoção violenta

entre a emoção violenta e a prática do crime exista nexo de ca usalidade, isto é, a emoção há-de ser a causa determinante do crime”225. Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 1991 se lê: “Deve existir, para que seja possível o enquadramento da conduta no homicídio privilegiado, nexo de causalidade entre a emoção violenta, a compaixão e qualquer outro motivo de relevante valor social ou moral e a prática do crime”226

.

Nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2006, e de 29 de Março de 2006 considera-se que se estabelece e exige uma relação de causalidade entre o crime e a emoção, a que Eduardo Correia, na Comissão Revisora do CP, a propósito da redacção dada ao artigo 139.º do Anteprojecto chamou de conexão entre a emoção e o crime227.

1.1.4.3. Entendimento jurisprudencial sobre a cláusula de compreensível emoção violenta

I. A doutrina tem entendido que o artigo 133.º, pondo o acento no estado emocional do agente, representou um corte com a solução tradicional do direito português, consagrada nos artigos 370.º e seguintes do Código Penal de 1886, de associar o tratamento privilegiado do homicídio a um comportamento prévio da vítima que em grande medida chamasse a si a responsabilidade pelo facto. Por seu turno, a jurisprudência procurou desde o início da vigência do Código Penal de 1982 interpretar a nova lei à luz do disposto no direito anterior, entendendo que o privilegiamento do homicídio continua a ter como pressuposto essencial a provocação da vítima.

225

Cit. Ac. do STJ de 20-4-1988 in “Colectânea de Jurisprudência” (1998), tomo 2, p. 28

226 Cit. Ac. do STJ de 23-5-1991 in BMJ n.º 407, p. 341.

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Efectivamente no domínio do Código Penal de 1886, para a verificação da atenuante especial da provocação prevista no artigo 370.º, sempre se considerou indispensável que houvesse proporcionalidade entre o facto injusto e a reacção do provocado, isto é, o crime praticado. São exemplos de tais decisões os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Julho de 1954, de 30 de Abril de 1969, de 7 de Janeiro de 1981, de 7 de Março de 1983228.

II. Segundo a posição largamente dominante à época que se seguiu à entrada em vigor do Código Penal de 1982 e que se prolongou ao longo de vários anos, o requisito da adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto, a acção do provocador que desencadeia a emoção e a reacção do agente provocado, foi exigido como índice de compreensibilidade da emoção violenta.

Todavia, em sentido diverso, afastando o modelo de provocação injusta e sem exigir proporcionalidade para que se verificasse o requisito da compreensibilidade, temos como exemplo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03 de Outubro de 1984 que afastou o enquadramento da conduta do arguido, quer no artigo 370.º, n.º 1, do Código de 1886, quer no artigo 133.º do Código de 1982, não obstante ocorrer no caso então em reapreciação todo um conjunto de actos provocatórios antes praticados pelas vítimas contra o autor do homicídio. Exp licitava o acórdão que “no artigo 133º não se prevê nem regula especificamente a «provocação» como circunstância com influência bastante para a qualificação da conduta do agente como integradora do crime aí definido, sem prejuízo, no entanto, de a provocação poder ser, ela mesma, em determinadas circunstâncias, determinante do estado de «emoção violenta» aí exigido – esse sim o elemento típico – para a verificação de tal crime. Com o que se quer significar que, sendo este o elemento típico do aludido crime – logo, o elemento que fundamenta e determina a medida da pena aí estabelecida -, tal estado emocional tanto pode resultar ou ser causado por provocação como por qualquer outro facto”229

.

Para além deste, podem citar-se ainda no mesmo sentido, os acórdãos de 21 de Julho de 1983, 30 de Novembro de 1983, 30 de Maio de 1984, de 03 de Outubro de 1984, e de 19 de Dezembro de 1984 que entenderam, de uma maneira geral, que para o enquadramento de uma conduta no artigo 133.º exige-se não apenas um estado de

228

Cf. Acs. do STJ de 28-07-1954, BMJ n.º 44, p. 145; 30-04-1969, BMJ n.º 186, p. 134; 07-01-1981, BMJ n.º 303, p. 127;e 07-03-1983, BMJ n.º 325, p. 390.

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emoção violenta, como ainda, e mais, que o agente, ao matar outrém, o faça dominado por tal estado e que este seja compreensível230.

III. No sentido da posição dominante, isto é, de ser necessário verificar-se proporcionalidade entre a acção provocadora e a reacção, pronunciaram-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Janeiro de 1985: “Havendo desproporção entre o facto injusto e a reacção do agente, a emoção violenta causada por aquele facto nunca pode ser compreensível. A emoção violenta só é compreensível, isto é, natural ou aceitável, desde que exista uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto provocador e o facto ilícito do provocado”231; de 13 de Março de 1985: “É

necessário que se verifique proporção entre o facto injusto e o crime cometido; a emoção só é compreensível desde que exista uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o facto ilícito do provocado”232

; de 05-02-1986: “A verificação do estado de compreensível emoção violenta, necessár io para que a conduta do agente integre o crime privilegiado do artigo 133.º do Código Penal, implica a existência de uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o facto ilícito do provocado”233

; de 18-06-1986: “A reacção tem de ser proporcionada pelo facto injusto; no caso de grave desproporção deixa de haver nexo causal”234

; de 06-01-1988: “A emoção violenta de que fala o artigo 133.º do Código Penal só existe quando obscurece a inteligência, arrebata a vontade ou enfraquece a livre determinação. Tal emoção só é compreensível, isto é, natural, aceitável, quando existe uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto do ofendido e o facto criminoso do réu”235

; de 28-09-1994: “Para que a emoção violenta seja fundamento de crime de homicídio privilegiado, é necessário que se verifique uma relação de proporcionalidade entre o facto injusto causador da emoção violenta e o facto ilícito provocado”236

; de 27-11-1996: “Este estado de espírito por parte do agente é compreensível se o comportamento alheio injusto que o pressiona é especialmente grave, 230 Cf. Acs. do STJ de 21-07-1983, BMJ n.º 329, p. 416; 30-11-1983, BMJ n.º 331, p. 356; 30-05-1984, BMJ n.º 337, p. 235; 03-10-1984, processo n.º 37432, in BMJ n.º 340, p. 207;19-12-1984, BMJ n.º 342, p. 237. 231 Cit. Ac. do STJ de 16-1-1985, BMJ n.º 343, p. 189. 232 Cit. Ac. do STJ de 13-3-1985, BMJ n.º 345, p. 239. 233 Cit. Ac. do STJ de 05-02-1986, BMJ n.º 354, p. 285 234 Cit. Ac. do STJ de 18-06-1986, BMJ n.º 358, p. 248. 235 Cit. Ac. do STJ de 06-01-1988, BMJ n.º 373, p. 264

236 Cit. Ac. do STJ de 28-09-1994, “Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça”,

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alterando as normais condições de determinação do agente, e desde que gere por parte deste uma reacção proporcional àquele comportamento. A proporcionalidade exigida para se estar perante um crime de homicídio privilegiado não pode ter o mesmo grau que é de exigir para a verificação dos pressupostos da legítima defesa, nos termos dos artigos 32.º e 33.º; basta aqui uma certa proporção entre a conduta do agente e o factor determinante da emoção deste, traduzida na razoabilidade humana do seu descontrolo face à violência sobre ele exercida”237

.

Também neste sentido se pronunciaram vários outros acórdãos entres os quais os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-1985, de 26-11-1986, de 25-02-1987, de 23-04-1987, de 04-10-1989, de 04-10-1989, de 10-11-1989, de 16-01-1990, de 16- 01-1990, de 07-02-1990, de 14-02-1990, de 17-10-1990, de 31-10-1990, de 06-02-1991, de 20-06-1991, de 11-12-1991, de 13-01-1992, de 01-04-1993, de 23-06-1993, de 21- 10-1993, e de 11-06-1997238.

Mais recentemente, continuam a seguir esta posição o Acórdão do STJ de 2 de Junho de 2004 no qual é referido que a emoção violenta, pressuposto do homicídio privilegiado, implica um enfraquecimento da inteligência, da vontade e da livre determinação e que se verifique uma relação de proporcionalidade entre o facto injusto e o facto ilícito provocador239; o acórdão de 20-10-2004 onde se lê: “Não basta a mera emoção violenta, é preciso que esta à luz das circunstâncias do caso concreto, se mostre aceitável, naturalmente justificada, pela subsistência de uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto do provocador e o facto ilícito do provocado, exigência que se, no art. 370º, do CP de 1886, se justificava já na configuração da provocação dos crimes de homicídio e de ofensas corporais, e era defendida pela jurisprudência, ainda actualmente dessa adequação se não deve abstrair” e mais adiante:

237 Cit. Ac. do STJ de 27-11-1996, BMJ n.º 461, p. 226.

238 Cf. Acs. do STJ de 18-12-1985, BMJ n.º 352, p. 220; de 26-11-1986, BMJ n.º 361, p. 283; de 25-02-

1987, Tribuna de Justiça, n.º 27, p. 27; de 23-04-1987, BMJ n.º 366, p. 305; de 08-03-1989, BMJ n.º 385, p. 312; de 04-10-1989, BMJ n.º 390, p. 113; de 04-10-1989, processo n.º 40164; de 10-11-1989, BMJ n.º 391, p. 224; de 16-01-1990, processo n.º 38690-3.ª, in Actualidade Jurídica (AJ), n.º 5, CJ 1990, tomo 1, p. 11 e BMJ n.º 393, p. 212; de 16-01-1990, processo n.º 40599, AJ, n.º 5 e BMJ n.º 393, p. 278; de 07- 02-1990, processo n.º 40603, AJ, n.º 6; de 14-02-1990, processo n.º 40308, Actualidade Jurídica, n.º 6; de 17-10-1990, processo n.º 41100, AJ, n.º 12; de 31-10-1990, in Colectânea de Jurisprudência, ano 1990, tomo 5, p. 5, Actualidade Jurídica n.º 12 e BMJ n.º 400, p. 366; de 06-02-1991, processo n.º 41384, AJ n.º s 15/16, p. 6; de 20-06-1991, processo n.º 41564, AJ, n.º 20; de 11-12-1991, CJ, ano 1991, tomo 5, p. 19; de 13-01-1992, BMJ n.º 413, p. 283; de 01-04-1993, BMJ n.º 426, p. 165; de 23-06-1993, BMJ n.º 428, p. 304; de 21-10-1993, processo n.º 42887 – 3.ª; de 11-12-1996, BMJ n.º 462, p. 207; de 11-06-1997, CJSTJ 1997, tomo 2, p. 228.

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“Acentua-se ao nível da jurisprudência, com afirmação uniforme, que aquela emoção, aquele abalo psíquico, para serem compreensíveis, hão-de diminuir sensivelmente a culpa, numa avaliação conjunta e global da situação, em que é relevante, não podendo afastar-se, o factor - índice da proporcionalidade entre o facto que provoca tal emoção e o facto provocado”240

; e também o Acórdão de 17-04-2008 que invoca o supra citado acórdão de 16-01-1985.

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