• Nenhum resultado encontrado

Infanticídio

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 189-192)

Parte II: Abordagem jurídica

5. Infanticídio

I. O crime de infanticídio constitui uma forma privilegiada de homicídio, que se fundamenta numa culpa acentuadamente diminuída do agente. A influência perturbadora do parto é, com efeito, um elemento especial do tipo de culpa. Esta forma

450

Op. Cit. p. 60.

451

Cf. SILVA PEREIRA, “Direito Penal II. Os Homicídios” (2008), p. 152.

452 Cf. FERNANDO SILVA, “Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas” (2008), p. 130 453 Cf. PINTO DE ALBUQUERQUE “Comentário do Código Penal” (2010), p. 415.

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TÉCNOLOGIAS FACULDADE DE DIREITO

189

de cometimento do crime é apenas uma modalidade especialíssima do crime de homicídio privilegiado, constituindo o estado de perturbação da mãe uma modalidade da “emoção compreensível” do agente. Contudo, ao invés do homicídio privilegiado, o crime de infanticídio não pode ser cometido por qualquer pessoa, porquanto depende da existência de uma relação especial do agente com a vítima, a relação de maternidade. Trata-se, pois, de um crime específico impróprio a dois títulos: primeiro, porque a relação especial não fundamenta o ilícito e, segundo, porque a relação especial não agrava in casu o ilícito, antes o efeito agravante da relação especial é neutralizado pela consideração da culpa diminuída do agente.

O infanticídio também se pode verificar no caso da gravidez de “mãe de aluguer”, uma vez que a interpretação extensiva do tipo é em favor do ar guido, já que, de outro modo, aplicar-se-ia o tipo de homicídio simples454.

II. A acção típica de matar deve ter lugar durante ou logo após o parto, isto é, com o início das “contracções ritmadas, intensas e frequentes que previsivelmente conduzirão à expulsão do feto” ou com o início da cesariana e até aos momentos imediatamente subsequentes ao final do parto. Não basta a consideração do estado de influência puerperal, exigindo a lei, além desse estado de “influência perturbadora”, a proximidade temporal da acção de matar em relação ao próprio parto (“logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora”). Com efeito, o tipo da lei nacional não exige apenas a influência do estado puerperal, como os tipos homólogos do StGB suíço e do StGB austríaco, impondo-se um requisito cumulativo de proximidade temporal em relação ao parto, tal como sucede no tipo homólogo do StGB alemão. O tipo da lei nacional conjuga, pois, o critério emocional das leis suíça e austríaca com o critério temporal da lei alemã455.

A morte do feto pode ter lugar ainda dentro do organismo da mãe, desde que a acção de matar tenha tido lugar com o início do parto.

O crime pode ser cometido por omissão, uma vez que impede sobre a mãe um dever de garante. Se a mãe omitir a conduta adequada a salvar o filho que se encontra em perigo de morrer, podendo fazê-lo, comete o crime na forma omissiva. É o que acontece se a mãe não procura um médico quando o parto se afigura difícil e perigoso.

454 Op. Cit. p. 521.

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TÉCNOLOGIAS FACULDADE DE DIREITO

190

III. O estado de perturbação pode ser endógeno (por exemplo, resultante de uma crise depressiva da mulher) ou exógeno (por exemplo, causado por uma situação económica extremamente difícil da mãe). A revisão do CP de 1995 suprimiu a causa da “ocultação da desonra”, pois no estado actual da sociedade portuguesa a meternidade fora do casamento já não é objecto de censura social. Esta supressão não obsta, contudo, ao privilegiamento nos termos gerais do art. 133º, quando se verifiquem os respectivos pressupostos456.

Por exemplo, tal como foi decido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 1992, não integra o crime de infanticídio a conduta da mulher que passados 8 dias do parto que decorreu normalmente, tendo tido alta do hospital por ser considerada em estado físico normal, mata o filho com insecticida por ele ser de raça negra, quando ela e o homem com quem vivia eram de raça branca457.

A influência perturbadora do parto tem de verificar-se no momento da acção ou omissão típicas. Aliás, a letra do preceito dá uma indicação preciosa neste sentido: a mãe deve estar “ainda” sob a influência perturbadora do parto, o que quer dizer que essa perturbação não pode anteceder o momento do início do parto. Por isso, a acção sob influência perturbadora do parto não é compatível com a premeditação. A premeditação supõe precisamente o distanciamento emocional, o cálculo criminoso, a preparação psicológica do agente, que são estranhos à perturbação sentida em virtude do parto. Portanto, a mãe que congemina e prepara previamente (isto é, antes do início do parte) a morte do seu filho não age sob “influência perturbadora do parto”458

.

IV. A tentativa do crime de infanticídio é punível, desde que a mãe tenha realizado actos de execução, durante ou logo após o parto, adequados a produzir a morte do filho, mas não tenha sobrevindo a morte do filho por motivo estranho à vontade da mãe.

A mãe é a autora do crime, mas ela pode agir por intermédio de terceiro de boa fé, sendo então autora mediata. A mãe também pode realizar o crime em co-autoria com outrem ou instigando outrem ou ainda com a ajuda de outrem. Mas a punição da comparticipação entre agentes rege-se pela regra do art. 29º, tal como acontece no

456

Cf. FIGUEIREDO DIAS, “Comentário Conimbricense ao Código Penal” (1999), p. 102.

457 Cf. Ac. do STJ de 27-5-1992. 458 Cf. Ac. do STJ de 10-4-1984.

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TÉCNOLOGIAS FACULDADE DE DIREITO

191

homicídio privilegiado, uma vez que o privilegiamento se deve à culpa acentuadamente diminuída da mãe. Portanto, à autora mãe pode ser imputado um crime de infanticídio e ao comparticipante (co-autor, instigador ou cúmplice) da mãe um crime de homicídio simples ou mesmo qualificado, desde que tenha conhecimento de que a autora é mãe da vítima e esse conhecimento seja revelador de uma culpa especialmente censurável (art. 132º n.º 2 alínea a). Ao invés, a mãe cúmplice no homicídio do seu filho cometido por outrem logo após o parto pode ser punida por infanticídio e autor imediato pode ser punido por homicídio simples, qualificado, ou privilegiado, consoante as circunstâncias.

O crime de infanticídio está numa relação de concurso aparente (especialidade) com os crimes de homicídio simples e privilegiados e numa relação de consumação com o crime de exposição ou abandono459.

Tal como acontece com o homicídio privilegiado, o infanticídio é cumulável com a atenuação especial da pena nos termos do art. 72º se a circunstância que determina a atenuação não for a mesma situação de constrangimento que determina a subsunção ao infanticídio460.

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 189-192)