• Nenhum resultado encontrado

Formas de cometimento do crime

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 184-187)

Parte II: Abordagem jurídica

3. Homicídio qualificado

3.3. Formas de cometimento do crime

183

vira a ela empunhando uma faca, tal como relata o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2000435; no caso relatado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2004436 no qual o agente apanha a vítima desprevenida, exibe a arma e dispara sem lhe dar tempo de reacção.

3.2.10. Alínea j)

A premeditação revela a atitude de elaboração mental e refle xão no propósito criminoso do agente, que merece uma censurabilidade acrescida da conduta. São indícios dessa atitude a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e a persistência na intenção de matar por mais de 24 horas437.

A frieza de ânimo, contudo, não consiste na mera afirmação pelo agente, quatro minutos antes de atingir a vítima, de que ela ainda se sairia mal e que a trazia debaixo de olho. Mas consiste antes em encomendar um homicídio, por exemplo, em Novembro de 2004 e na sua execução em 4 de Dezembro desse ano, tal como demonstrou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 2007438.

3.2.11. Alínea l)

A especial censurabilidade no cometimento de homicídio contra autoridades públicas ou privadas, como o docente de uma escola privada, no exercício das suas funções ou por causa delas, reside na atitude de desprezo do agente para com a função da vítima.

3.2.12. Alínea m)

O cometimento do crime por funcionário no exercício das suas funções ou por causa delas é um abuso grave da autoridade, o que justifica a qualificação.

3.3. Formas de cometimento do crime

435

Cf. Ac. do STJ de 27-9-2000.

436

Cf. Ac. do STJ de 20-5-2004.

437 Cf. PINTO DE ALBUQUERQUE “Comentário do Código Penal” (2010), p. 405. 438 Cf. Ac. do STJ de 14-11-2007.

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TÉCNOLOGIAS FACULDADE DE DIREITO

184

I. No entender de PINTO DE ALBUQUERQUE, SÁ PEREIRA e ALEXANDRE LAFAYETTE439, o homicídio qualificado pode ser cometido em qualquer forma de dolo, sendo admissível o seu cometimento na forma de dolo eventual, salvo nos casos de emprego de tortura ou crueldade, persistência na intenção de matar por mais de 24 horas, reflexão sobre os meios utilizados, avidez e prazer de matar ou causar sofrimento. TERESA QUINTELA DE BRITO440 vai mais longe e inclui também neste leque o homicídio contra pessoa particularmente indefesa.

Todavia, tal como refere MARGARIDA SILVA PEREIRA441, é incompatível com o menor desvalor e a menor censurabilidade do dolo eventual a admissão de homicídio, uma vez que, apesar de o agente representar a circunstancia agravadora e se conformar com ela, o resultado típico surge como uma consequência possível da sua conduta. Deste modo, há que concordar com a posição desta autora, porque o agente que mata com dolo eventual, embora utilize certos métodos e admita que a vítima sofra mais, não revela uma crueldade tão intensa como nos casos em que o agente concretiza a morte da vítima e actua com o fim imediato de realizar o facto ilícito típico. Por conseguinte, nos casos de dolo eventual, não é possível afirmar que a conduta do agente revela uma culpa especialmente censurável, tal como é exigida para efeitos de qualificação de homicídio do art. 132º.

II. O erro do agente sobre as circunstâncias respeitantes a uma situação de facto (alíneas a), b), c), d), h), i), l) e m), é irrelevante, porque a maior censurabilidade da sua atitude interna não depende da correspondência entre a representação mental da circunstância e à realidade, mas antes da decisão com base na represe ntação mental da circunstância. No que respeita às circunstâncias da vontade do agente [alíneas e), f), g) e j)], o agente tem de agir com os referidos propósitos442.

A punição da tentativa de homicídio qualificado depende da prática de actos de execução que revelem especial censurabilidade do agente. Tal significa que a tentativa de homicídio deve ser punida com referência à moldura penal do art. 132º sempre que o

439

Cf. PINTO DE ALBUQUERQUE “Comentário do Código Penal” (2010), p. 405; SÁ PEREIRA e ALEXANDRE LAFAYETTE “Código Penal Anotado e Comentado” (2008), p. 347.

440

Cf. QUINTELA DE BRITO “ Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudos e Casos” (2007), p. 209.

441 Cf. SILVA PEREIRA, “Direito Penal II. Os homicídios” (2008), p. 90.

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TÉCNOLOGIAS FACULDADE DE DIREITO

185

agente tenha revelado, nos actos de execução realizados, uma especial censurabilidade. Todavia, esta censurabilidade pode resultar da suposição errónea pelo agente da verificação de uma circunstância qualificativa inexistente, razão pela qual também a tentativa impossível de homicídio qualificado pode ser punível, verificadas as condições do art. 23º n.º 3443.

III. Face à natureza do tipo de culpa do homicídio qualificado, cada comparticipante é punido de acordo com as circunstâncias qualificativas que se verifiquem em relação a ele, nos termos do art. 29º. Assim, o estranho que, por exemplo, instiga um pai a matar o seu filho é apenas punido por instigação a homicídio simples, embora o pai seja punido por homicídio qualificado. O inverso também pode suceder, isto é, o pai que paga a um terceiro para lhe matar o filho é instigador de um crime de homicídio qualificado, mas o terceiro que executa o crime comete apenas o crime de homicídio simples. Há, contudo, uma restrição a fazer a este princípio: as circunstâncias qualificativas que consubstanciem modos de execução do crime especialmente censuráveis (previstas nas alíneas d), h) e i) têm um efeito delimitador da responsabilidade do autor mediato, do instigador e do cúmplice, na medida em que os comparticipantes só podem ser punidos nos limites da execução do autor imediato.

Deste modo, se, por exemplo, o instigador tiver incitado o agente a utilizar veneno, mas ele tiver utilizado as próprias mãos para matar um inimigo, incorre o agente no crime de homicídio simples e o instigador no crime de instigação ao homicídio simples444.

IV. O concurso entre um homicídio qualificado que é cometido para facilitar, preparar, executar ou encobrir outro crime e esse outro crime facilitado, preparado, executado ou encoberto é um concurso efectivo de crimes. Por exemplo, verifica-se concurso efectivo entre o crime de violação e o crime de homicídio qualificado cometido para o encobrir.

443 Op. Cit. p. 43, anotação 36.

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TÉCNOLOGIAS FACULDADE DE DIREITO

186

O crime de terrorismo previsto no art. 4º n.º 1, da Lei n.º 53/2003, de 22 de Agosto, consome o crime de homicídio ou homicídio qualificado, determinado por ódio politico ou religioso445.

O concurso de circunstâncias, por um lado, deve ser ponderado na determinação da medida concreta da pena: qualificada a conduta com a mais grave circunstância, as outras circunstâncias devem ser tidas em conta na determinação da pena concreta. Por outro lado, as circunstâncias atenuantes gerais, como o bom comportamento anterior e a confissão espontânea, não funcionam como contraprova do efeito qualificativo das circunstâncias do art. 132º, n.º 2446.

A especial censurabilidade da conduta do agente é intrins ecamente incompatível com a atenuação especial da pena com base no art. 72º.

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 184-187)