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Homicídio a pedido da vítima

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 187-189)

Parte II: Abordagem jurídica

4. Homicídio a pedido da vítima

I. O homicídio a pedido da vítima constitui uma forma privilegiada de homicídio, que se fundamenta numa diminuição do ilícito resultante do pedido dirigido pela vítima ao agente e numa culpa acentuadamente diminuída do agente. O pedido da vítima não constitui apenas uma forma qualificada de consentimento. Ele representa mesmo uma instigação do agente pela vítima. Por outro lado, quando o agente responde positivamente ao pedido da vítima, dele deixa-se convencer pelas razões existenciais da vítima para buscar a morte. É nesta partilha do destino da vítima, que reside o motivo político-criminal para a autorização do crime e para a redução da moldura pena em relação ao homicídio privilegiado.

O pedido deve ser sério, instante, expresso, conformador e determinante da conduta do agente. A aferição destas características do pedido é feita de acordo com o critério de um homem fiel ao direito colocado na posição do agente, mas munido dos conhecimentos especiais do agente. Os requisitos do pedido sério, instante e expresso vão para além dos pressupostos gerais do consentimento, sem prejuízo de valerem os pressupostos gerais do consentimento447.

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Op. Cit. p. 407.

446 Cf. TERESA SERRA, “Homicídio qualificado, Tipo de Culpa e medida da pena ” (1990) pp. 66 e ss. 447 Cf. PINTO DE ALBUQUERQUE “Comentário do Código Penal” (2010), p. 412.

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II. O pedido sério não é fruto de precipitação da vítima nem de ascendentes psicológico de terceiro, mas de uma decisão existencial reflectida de pôr termo à vida. Desde logo, nos termos gerais do art. 38º, n.º 3. Além disso, o pedido sério não é compatível com uma vontade inquinada por qualquer vício, causado ou aproveitado pelo agente. Caso o vício da vontade da vítima tenha sido causado ou seja aproveitado pelo próprio agente, não há lugar ao privilegiamento do facto. Caso o vício da vontade da vítima tenha sido causado pela vítima ou por terceiro, mas seja desconhecido do agente, o desconhecimento do vício pelo agente é irrelevante e não prejudica o privilegiamento do facto. No caso de pedido feito por pessoa que não tem capacidade para consentir (por exemplo, menor de 16 anos), o homicídio pode ainda subsumir-se ao tipo de homicídio privilegiado.

O pedido instante é aquele que é repetido, insistente, em que se revela uma firmeza da vontade de morrer. Por ser escrito, oral ou por sinais, formulado por uma asserção positiva ou em sentido interrogativo448.

O pedido é conformador da conduta do agente, na medida em que ele é prévio à conduta, mantém-se durante a execução do facto e pode ser revogado a todo o tempo. Portanto, o pedido deve ser mantido até ao momento da perda de consciência da vítima. Por outro lado, o pedido pode estabelecer o modo e o tempo em que a conduta do agente deve ter lugar. Por fim, o pedido da vítima é dirigido directamente à pessoa que a vai matar, não sendo relevante o pedido feito por interposta pessoa.

O pedido é determinante da conduta do agente, no sentido de que o pedido cria no agente uma vontade que ele não tinha anteriormente. Nesta medida, o pedido consubstancia uma instigação do agente pela vítima. Ficam, pois, excluídas as acções do agente já predeterminado a matar a vítima ou do agente que provoca (dolosa ou negligentemente) na vítima a vontade de morrer. Por outro lado, o homicídio a pedido de vítima com animus malus do agente (por exemplo, agindo por cobiça) não se subsume ao tipo do art. 134º, porque o agente não é determinado pelo pedido de outra pessoa, mas por interesses egoístas pessoais, revelando uma culpa que nada tem de diminuta449.

448 Cf. FERNANDO SILVA, “Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas” (2008), pp. 123-124. 449 Cf. SILVA DIAS, “Crimes contra a vida e a integridade física” (2007), p. 51.

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III. O crime não pode ser cometido na forma omissiva, mesmo que o titular do dever de garante seja médico, como no caso Wittig, em que a vítima tentou suicidar-se com medicamentos e foi encontrada já inconsciente com um escrito na mão pedindo ao seu médico que não a salvasse. A razão é esta: o dever de garante cessa se a vítima se opuser à acção salvadora do titular do dever de garante450.

O tipo subjectivo admite qualquer forma de dolo. Quando o agente não conhece a existência do pedido, comete um crime de homicídio simples, mesmo que exista esse pedido. Quando o agente pensa existir um pedido com as características exigidas pela lei, mas ele não existe, o erro não modifica a sua culpa (diminuída) e é, por isso, irrelevante, devendo o agente ser punido pelo crime de homicídio a pedido da vítima451.

A tentativa é punível nos termos gerais. Desistindo o agente do seu propósito de satisfazer o pedido, ele deve ser punido pelas ofensas à integridade física entretanto consumadas, não se encontrando estas ofensas justificadas pelo consentimento, já que elas visavam a provocação da morte.

A comparticipação rege-se pela regra geral do art. 28º n.º 1, parte final, isto é, o grau de ilicitude do facto depende de uma relação especial entre o agente e a vitima, mas a intenção da norma incriminadora exclui a comunicação da relação. A consequência prática é a de que só podem beneficiar da imputação do crime privilegiado os comparticipantes que tiverem sido directamente determinados pelo pedido452.

O crime de homicídio a pedido da vítima está numa relação de concurso aparente (especialidade) com o crime de homicídio s imples e numa relação de exclusão com o crime de homicídio qualificado. O crime de homicídio privilegiado é subsidiário do crime de homicídio a pedido da vítima453.

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 187-189)