• Nenhum resultado encontrado

Princípio da legalidade

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 171-174)

Parte II: Abordagem jurídica

3. Homicídio qualificado

3.1. Princípio da legalidade

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TÉCNOLOGIAS FACULDADE DE DIREITO

171

I. O que está em causa no art. 132º é o maior grau de culpa, e não de ilicitude, porque nem todas as condutas do n.º 2 envolvem uma maior ilicitude. A ilicitude tem que estar definida e não estar em aberto, como resulta da expressão “é susceptível de revelar a especial censurabilidade (…), entre outras,”. Por esse motivo, a técnica legislativa utilizada pelo legislador nacional é incompatível com a ilicitude, uma vez que a atitude interna do agente tem a ver com a individualidade (culpa).

Deste modo, o fundamento de qualificação é a culpa agravada devido à especial censurabilidade ou perversidade porque o ilícito é o mesmo do 131º; o n.º 2 tem apenas carácter exemplificativo. O n.º 1 do 132º tipifica e qualifica o homicídio e o n.º 2 orienta quanto ao fundamento para qualificar o crime, ou seja é no n.º 1 do art. 132º que se encontra o critério para qualificar. Deste modo, a qualificação assenta na culpa, sendo o critério para qualificar a “especial censurabilidade ou perversidade” do agente que actuou com uma exigibilidade acrescida390.

II. Para FERNANDA PALMA391 a culpa agravada é um critério para a qualificação, mas não é o único fundamento. No entender da autora, integra também uma ilicitude acrescida, isto é há um misto de ilicitude e culpa. Na alínea a) o comportamento do agente revela um maior desvalor da acção: trata-se de um grau mais grave de ilícito, pelo que se fosse só a culpa não era necessário descrever as situações porque a culpa é um juízo de censura. Na regra de determinação da moldura penal não se pode ter um tipo de crime que assenta só na culpa (art. 71.º n.º 2), tem de existir também um fundamento de ilicitude.

III. Na posição defendida por FERNANDO SILVA392, o art. 132º trata-se exclusivamente de um tipo de culpa. A alínea a) envolve um maior desvalor da acção, mas nem todas as alíneas o envolvem, pelo que o preenchimento do n.º 2 não implica a qualificação, tem que estar presente o critério qualificador. O legislador deu-nos exemplos padrão para nos orientar no n.º 2. O art. 71.º CP funciona no âmbito da

390

Em sentido contrário, FERNANDA PA LMA, “ Dire ito Penal, parte especial. Crimes contra as pessoas”, Lisboa, AAFDL, 1983, pp. 33 e ss., e também, TERESA BELEZA, “Ilicitamente comparticipando – o âmbito de aplicação do art. 28.º do Código Penal” in Estudos em homenagem ao Prof. Eduardo Correia, III, n.º especial do BFDUC, 1988.

391

Cf. FERNANDA PALMA, “Direito Penal, parte especial. Crimes contra as pessoas”, Lisboa, AAFDL, 1983, pp. 40 e ss.

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TÉCNOLOGIAS FACULDADE DE DIREITO

172

determinação concreta da pena, e ao integrar o agente no 132.º a determinação concreta da medida da pena é abstracta (de 12 a 25 anos) e só depois na determinação concreta da pena é que se chama à colação o art. 71.º.

IV. Também no sentido da posição de FERNANDO SILVA, PINTO DE ALBUQUERQUE refere que foi essa a vontade expressa do legislador na comissão de revisão do CP de 1966. O acréscimo de novas circunstâncias legais pelo Decreto-Lei n.º 101-A/88 de 26 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, e pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro e, de novo, pela recente Lei n.º 59/2007, revela o propósito do legislador de evitar a insegurança da aplicação analógica das circunstâncias já existentes. Em síntese, dada a aplicabilidade do princípio da legalidade ao tipo de culpa, a constitucionalidade da norma está dependente de dois caminhos, que têm sido seguidos completarmente: por um lado, o referido caminho da concretização dos tipos de culpa, preferido pelo legislador, e por outro, o caminho da interpretação literal dos tipos de culpa, dirigida à descoberta do significado social das palavras ao tempo em que a norma foi criada, preferido pelos tribunais393. No entender deste autor, não se viola o princípio constitucional da legalidade uma vez que está no âmbito da culpa jurídico-penal, pelo que as circunstâncias do n.º 2 não funcionam automaticamente, e têm um carácter meramente exemplificativo394.

V. Seguindo a posição de SOUSA E BRITO, no seu ensino oral, entendo que o direito penal, no Estado de Direito, tem de edificar-se sobre o homem como ser pessoal e livre – do homem que, sendo responsável pelos seus actos, é capaz de se decidir pelo Direito ou contra o Direito. Há-de ser, por isso, um direito penal ancorado na dignidade da pessoa humana, que tenha a culpa como funda mento e limite da pena, pois não é admissível pena sem culpa, nem em medida tal que exceda a da culpa. Isto é, trata-se de um direito penal, que tem a culpa como fundamento no limite ou legitimidade das penas, sem descuidar os seus fins de prevenção geral e especial, o seu carácter acessório, fragmentário. Deste modo, a necessidade da pena – que tem de ser uma pena de culpa – limita, pois, o âmbito de intervenção do direito penal, sendo mesmo o critério decisivo dessa intervenção.

393

Cf. PINTO DE ALBUQUERQUE, “Comentário do Código Penal” (2010), p. 400.

394 Cf. FIGUEIREDO DIAS, “Comentário Conimbricense ao Código Penal” (1999), p. 29; também neste

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TÉCNOLOGIAS FACULDADE DE DIREITO

173

Por conseguinte, o princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de um Estado de Direito, proíbe que se aplique uma pena sem culpa e, bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa. Como tal, um direito penal da culpa não é compatível com a existência de penas fixas já que, é em função dela que, em cada caso, se há-de graduar a medida concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de comportamento.

É precisamente neste sentido que o n.º 2 do art. 132º autoriza a inclusão de factos para além do sentido possível da letra da lei. Embora o princípio da legalidade se aplique a todos os elementos do crime que fazem parte do tipo e, pela razão de ser do próprio principio, não seja admitida a analogia in malem partem, a verdade é que o principio da legalidade é limitado pelo principio da culpa e é através do relacionamento entre os dois princípios que se autoriza uma variação da pena entre o máximo e o mínimo, tendo como fundamento a culpa do agente.

Se, por exemplo, não existisse o crime de homicídio qualificado e existe apenas o homicídio simples mas com uma moldura penal de 8 a 25 anos de prisão, seria deixado ao livre arbítrio do juiz a medida da pena, mas tal decisão estaria de acordo com o princípio da legalidade, por força da sua limitação e relacionamento directo com o princípio da culpa. Ora, se seria constitucional a existência de uma norma com uma moldura penal desta natureza que deixasse ao livre arbítrio do juiz a escolha entre o limite máximo e mínimo da pena, mais depressa se aceita que o n.º 2 do art. 132º, ao limitar o livre arbítrio do juiz, esteja de acordo com a Constituição, no sentido de proteger os direitos dos cidadãos. Assim, os exemplos padrão não são inconstitucionais porque só permitem a qualificação de situações reveladoras de uma especial censurabilidade ou perversidade, semelhantes às referidas no n.º 2 do art. 132º. O princípio da legalidade não se aplica de todo a circunstâncias especialmente qualificativas, porque a especificação dessas circunstâncias só é possível de efectuar mediante o grau de culpa do agente revelado na prática do facto. Na prática a técnica dos exemplos padrão acaba por proteger os próprios fins do princípio da legalidade por respeitar a compatibilização que a lei faz entre este princípio e o da culpa.

No documento Os Estados Passionais nos Homicídios (páginas 171-174)