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Capítulo III – A INTERACÇÃO COMO FACTOR DE PROMOÇÃO DA APRENDIZAGEM 41

3.2.   As principais teorias da aprendizagem 47

3.2.3.   A aprendizagem como actividade situada 54

Brown et al. (1988) defendem que o conhecimento (e não apenas a aprendizagem) é inevitavelmente situado no contexto físico e social onde é adquirido e utilizado, não podendo ser separado destes sem ser transformado60. Para estes autores, o conhecimento encontra-se parcialmente embebido no mundo físico e social, uma situação que permite aos indivíduos a partilha do trabalho da resolução de problemas de uma forma eficiente.

Também Choi e Hannafin (1995, apud Altalib, 2002) explicam que a cognição situada não pode ser separada do contexto no qual acontece e enfatizam a importância da aprendizagem em situações quotidianas. A transferência de conhecimento ocorrerá, assim, quando o ambiente natural de aprendizagem que é criado envolve o aprendente na resolução de tarefas autênticas, complexas e não rotineiras, normalmente apenas passíveis de ser encontradas no trabalho (Win, 1993, apud Altalib, 2002). Estar contextualizado implica que o aprendente interaja com os valores, normas e com a verdadeira cultura de uma comunidade ou organização específica. Driscoll (2000, apud Altalib, 2002) reforça a importância da aprendizagem contextualizada dando ênfase ao facto de os aprendentes que estejam a aprender em contextos familiares serem mais capazes de relacionar a nova informação do que seriam num contexto não familiar. Brown et al (2003), ao apresentarem a distinção entre aprendizagem baseada na transmissão de informação de peritos para aprendentes - fora do contexto de actividade (assembly-line instruction) - e uma

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Brown et al. (1998) apresentam a aprendizagem e o conhecimento da linguagem como exemplo da inseparabilidade do conceito do contexto onde este se insere. A aprendizagem de vocabulário através de definições e frases abstraídas do contexto normal de comunicação, a forma como normalmente o vocabulário é ensinado, é lenta e sem sucesso. Para estes autores todo o conhecimento é como a linguagem. As suas partes constituintes indexam o mundo e por isso são um produto inseparável da actividade e das situações nas quais é produzido e utilizado: “Like an indexical preposition, knowledge “indexes” the situation that produces it, without it is, in the end, unintelligible” (Brown et al., 1988: 15).

aprendizagem fundamentada na participação interessada - intent participation, não separada do contexto - realçam o papel da observação e do envolvimento dos aprendentes nos trabalhos e actividades da comunidade. Os mesmos autores (2003: 179) reforçam a importância da observação interessada61 na aprendizagem, referindo que “In many communities, observation skills are emphasized and honed as people attend closely to ongoing events in order to learn the practices of their community”. A observação interessada assume um papel fundamental no desenvolvimento de novas competências e na integração e envolvimento colaborativo nos trabalhos da comunidade. Tomando como exemplo o comportamento das crianças pertencentes a comunidades indígenas americanas, Brown et al. (2003) defendem que, ao serem integradas em várias actividades e em diferentes cenários da comunidade, as crianças são capazes de observar e escutar o que acontece nas suas comunidades como participantes legítimos periféricos (Lave e Wenger, 1991, apud Brown et al., 2003).

Desta forma, a actividade autêntica, vivida no contexto em que ocorre, torna-se importante para os aprendentes na medida em que lhes concede a oportunidade de terem acesso à perspectiva dos peritos dentro da comunidade, fornecendo-lhes a capacidade de agirem com significado e com propósito dentro da prática (Brown et al., 1999, apud Altalib, 2002).

Numa comunidade de aprendentes os indivíduos assistem-se mutuamente na aprendizagem, tomando decisões e trabalhando na resolução de problemas numa estratégia que, ao mesmo tempo que vai ao encontro das suas necessidades individuais, se coordena com as necessidades dos outros e com o funcionamento do grupo (Rogoff et al., 1996).

Na sua teoria da aprendizagem situada, Lave e Wenger (1991, apud Hanks, 1991) situam a aprendizagem em certas formas de co-participação social, colocando o seu enfoque no espaço que medeia a aprendizagem e as situações sociais em que esta ocorre. O locus da aprendizagem é também apresentado numa perspectiva distinta da teoria clássica, surgindo como um processo que ocorre num ambiente de participação e não nas estruturas mentais do indivíduo. A aprendizagem é vista como uma actividade situada que tem a sua característica central num processo chamado participação periférica legítima (Lave & Wenger, 1991). Este conceito diz respeito ao processo pelo qual os recém-chegados se integram como parte da comunidade de prática e que, ao contrário da aprendizagem como internalização, considera a aprendizagem como participação crescente em comunidades de prática abarcando o todo da pessoa actuando no mundo.

A participação periférica legítima, concebida como mais do que uma simples estrutura de participação onde o aprendente ocupa um papel específico no extremo de um processo mais vasto, é um processo interactivo, uma forma de actuar no mundo. Neste processo o aprendente

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O conceito de “keen observation”, apresentado por Rogoff et al. (2003) compreende a observação interessada e orientada, identificada em crianças pertencentes a comunidades indígenas americanas onde a aprendizagem é feita pelo envolvimento e pelo acompanhamento dos mais novos nos processos, trabalhos e actividades dos mais velhos.

A interacção como factor de promoção da aprendizagem

envolve-se pela interpretação simultânea de múltiplos papéis, cada um deles implicando um tipo diferente de responsabilidade, um diferente conjunto de relações e um diferente envolvimento interactivo (Hanks, 1991). A aprendizagem surge como uma forma de estar no mundo, não uma forma de o conhecer. Os aprendentes encontram-se envolvidos tanto no contexto da sua aprendizagem como no mais amplo mundo social, dentro do qual estes contextos são produzidos (Hanks, 1991), dado que, desde muito cedo e ao longo das suas vidas, os aprendentes adoptam - consciente ou inconscientemente - o comportamento e sistemas de crenças de novos grupos sociais (Brown et al., 1988). A participação periférica legítima não será, por si só, uma forma educacional ou uma estratégia pedagógica ou técnica de aprendizagem mas antes um ponto de vista analítico da aprendizagem, uma forma de entender a aprendizagem (Lave e Wenger, 1991).

Lave e Wenger (1991) defendem ainda que todas as teorias da aprendizagem se baseiam em pressupostos fundamentais sobre a pessoa, o mundo e as suas relações, sendo que as explicações convencionais apresentam a aprendizagem como um processo pelo qual um aprendente internaliza o conhecimento - quer seja descoberto, transmitido por outros ou experimentado na interacção com o outro. Esta perspectiva da internalização, que segundo os autores deixa por explorar a natureza do aprendente, do mundo e das suas relações, e que é central em alguns trabalhos que abordam o carácter social da aprendizagem - como é o caso de Vygotsky -, apenas reflecte assunções afastadas relativamente a estes assuntos (Lave e Wenger, 1991).

A perspectiva de ZDP defendida por Engeström (1987, apud Lave e Wenger, 1991) referida anteriormente partilha o interesse de Lave e Wenger em expandir o estudo da aprendizagem para além do contexto da estruturação pedagógica, incluindo a análise da estrutura do mundo social e tendo em conta, de modo central, a natureza conflituosa da prática social. No trabalho desenvolvido pelos autores a aprendizagem assume uma dimensão de prática social, onde o conceito de participação periférica legítima fornece um esquema desenhado para reunir teorias de actividade situada e teorias sobre a produção e reprodução da ordem social.

3.2.3.1. A aprendizagem situada e a participação na prática social

Considerando a aprendizagem como parte da prática social, Lave e Wenger (1991) focam a sua atenção na estrutura-base da prática social. A aprendizagem entendida como participação periférica legítima não é necessária ou directamente dependente de objectivos pedagógicos ou agendas oficiais, mesmo em situações em que estes objectivos pareçam ser um factor central. Pelo contrário, os autores defendem que a aprendizagem deve ser entendida como integrante da prática social como um todo, com a sua multiplicidade de relações – tanto com a comunidade como com o mundo em geral:

“Shared participation is the stage on which the old and the new, the known and the unknown, the established and the hopeful, act out their differences and discover their commonalities, manifest their fear of one another, and come to terms with their need for one another” (Lave e Wenger, 1991: 116).

A teoria de prática social, apresentada pelos autores, enfatiza a interdependência relacional do agente e do mundo, actividade, significado, cognição, aprendizagem e conhecimento. Nesta teoria de prática, cognição e comunicação no e com o mundo social estão situadas no desenvolvimento histórico das actividades quotidianas.

Rogoff et al. (2003) reforçam a perspectiva colaborativa e a importância da envolvência dos interessados no processo de aprendizagem ao referirem que, pela participação interessada (intent participation), os aprendentes tomam a iniciativa no aprender e contribuir para o atingir de objectivos comuns.

3.2.3.2. A pessoa e a identidade no processo de aprendizagem e a participação em comunidades de prática

O conceito de aprendizagem é substancialmente alargado na perspectiva da aprendizagem situada. Como um aspecto da prática social, a aprendizagem envolve a pessoa no seu todo, implicando:

“(…) not only a relation to specific activities, but a relation to social communities – it implies becoming a full participant, a member, a kind of person. In this view, learning only partly – and often incidentally – implies becoming able to be involved in new activities, to perform new tasks and functions, to master new understandings” (Lave e Wenger, 1991: 53).

Entender a aprendizagem como participação periférica legítima significa que a aprendizagem não é apenas uma condição para se tornar membro mas é, ela própria, uma forma envolvente de ser membro do grupo, uma espécie de ponte conceptual (ib, 1991).

A participação legítima periférica vê a aprendizagem como uma actividade situada, através da qual os aprendentes, em algum ponto, se tornam participantes das comunidades de prática e vão subindo na comunidade começando por uma nova entrada ou recém-chegado até chegar à mestria que é, na sua essência, a participação total (Lave e Wenger, 1991, apud Altalib, 2002: 6): “Through this journey within the community newcomers learn skills, acquire knowledge, and understand the artifacts and identities of the community, eventually becoming what are known as old timers”.

A passagem da noção de aprendizagem individual para o conceito de participação periférica legítima poderá, assim, traduzir-se na descentralização da análise da aprendizagem. A adopção de uma perspectiva descentralizada das relações mestre-aprendiz conduz a uma compreensão de que a mestria reside não no mestre mas na organização da comunidade de prática da qual o mestre faz parte. O mestre como locus de autoridade (em vários sentidos) será, no fim de contas,

A interacção como factor de promoção da aprendizagem

tanto um produto da teoria central e convencional da aprendizagem como o aprendente individual (ib, 1991).

O que realmente foi apreendido apoia a aprendizagem num domínio permitindo aos aprendentes a aquisição, desenvolvimento e utilização de ferramentas conceptuais numa actividade de domínio autêntica onde, através deste processo, os aprendentes entram na cultura de prática. Os aprendentes deverão, por isso, reconhecer e resolver os problemas de natureza holístico-integrativa que surgem da actividade autêntica, por oposição aos exercícios bem definidos que, tradicionalmente, lhes são entregues nos livros ou em exames durante os primeiros tempos de escola (Brown et al., 1988). As relações sociais dos aprendentes dentro de uma comunidade transformam-se pelo seu envolvimento directo em actividades, ocorrendo, nesse processo, o desenvolvimento da compreensão e das competências de aquisição de conhecimento dos aprendizes (Lave e Wenger, 1991).

Dentro da comunidade62, o currículo de aprendizagem é essencialmente situado e característico da comunidade, não sendo algo que possa ser considerado em isolado, manipulado em termos didacticamente arbitrários ou analisado longe das relações sociais que moldam a participação periférica legítima. Assume-se que os membros da comunidade têm interesses diferentes, fazem diversas contribuições para a actividade e possuem diversos pontos de vista (Lave e Wenger, 1991), sendo que uma comunidade de prática é uma perspectiva de que a aprendizagem ocorre, na sua essência, como um acto de ser membro (Altalib, 2002). A existência da comunidade não implica presença, um grupo bem definido e identificável, nem tem fronteiras sociais visíveis. Implica, isso sim, que os membros participem num sistema de actividade sobre a qual todos os participantes partilhem a compreensão e conhecimento, considerando o que estão a fazer e o significado dessas acções para as suas vidas e as suas comunidades (ib, 2002).

“A community of practice is an intrinsic condition for the existence of knowledge, not least because it provides the interpretative support necessary for making sense of its heritage. Thus, participation in the cultural practice in which any knowledge exists is an epistemological principle of learning” (Lave e Wenger, 1991: 98).

Mais do que aprender pela replicação das acções dos outros ou pela aquisição de conhecimento transmitido pela instrução, Lave e Wenger (1991) sugerem que a aprendizagem ocorre pelo “movimento em direcção ao centro” da participação no currículo de aprendizagem do ambiente da comunidade:

“Moving toward full participation in practice involves not just greater commitment of time, intensified effort, more and broader responsibilities within the community, and more difficult and risky tasks, but, more significantly, an increasing sense of identity as a master practitioner” (Lave e Wenger, 1991: 111)

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“Comunidade”, no contexto de aprendizagem situada defendida por Lave e Wenger (1991), implica a participação num sistema de actividades onde os membros vivem num modelo comunitário relativamente ao seu desempenho e actividades, e o significado dessas acções para as suas vidas e comunidades.

A aprendizagem situada transforma-se gradualmente em participação periférica legítima nas comunidades de prática, motivada pelo crescente valor da participação e pelo desejo dos recém- chegados de se tornarem plenos participantes. Brown et al. (1989, apud Altalib, 2002) discutem que a participação legítima periférica é importante para esses indivíduos ou aprendentes, que não participam plena e directamente numa actividade específica, mas que, mesmo assim, aprendem pela sua participação na periferia.

Neste contexto, o grupo assume particular importância uma vez que é condição sine qua non para a interacção social e o diálogo (Brown et al, 1988). A aprendizagem no grupo desenvolve-se assim quando os membros do grupo aprendem uns com os outros à medida que desenvolvem um trabalho conjunto e uma finalidade comum, incluindo um pensamento comum relativamente à forma como o trabalho é executado e o que é necessário para o fazer (Wenger 1998; Wenger e Snyder, 2000, apud Borthick et al., 2003).