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Capítulo IV – METODOLOGIA 63

4.3   Contextualização e definição do estudo 68

4.3.4   Análise quantitativa e qualitativa das participações 70

No presente estudo, a intenção subjacente à análise das interacções – traduzida em termos objectivos na participação dos elementos da turma – ultrapassava a dimensão quantitativa. Pretendia-se aferir, através de uma análise qualitativa desenvolvida a partir de modelos de colaboração referidos na literatura, a adopção ou não de um modelo de trabalho colaborativo conducente, ou pelo menos potenciador, da construção de comunidades de aprendizagem.

Assim, a análise das participações e interacções articulou-se em dois processos complementares: a análise quantitativa das intervenções, contabilizadas e registadas diariamente, e a análise qualitativa das participações – análise de conteúdo –, recolhidas diariamente e classificadas segundo o seu contributo para a criação da comunidade.

4.3.4.1 Modelos de Análise das interacções – análise de conteúdo

Considerada a necessidade de determinar categorias de participação e indicadores passíveis de serem utilizados na análise das intervenções, procedeu-se à revisão da literatura referente a modelos de colaboração e construção de comunidades formais.

Dos diferentes modelos analisados destacam-se, pela sua potencial adequação aos objectivos propostos63, os seguintes:

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Outros modelos analisados – como o modelo de análise das interacções de Henri (1992) e Moore (1999) – não foram considerados pertinentes uma vez que colocam o enfoque de análise na tipologia das interacções, não avaliando a interacção como processo de construção de conhecimento. Os modelos analisados neste ponto são apresentados por ordem cronológica e não de importância relativamente ao estudo.

- modelo de Gunawardena et al. (1997), que sugere que a construção activa do conhecimento progride através de cinco fases ou estádios, consistindo o conhecimento no resultado de um processo de negociação assente na interacção;

- modelo de Salmon (2000), modelo de e-moderação que realça a importância e o papel do e- moderador nas comunidades de aprendizagem on-line;

- modelo de Rourke (2001), que classifica as interacções como sendo interactivas, coesivas e afectivas, destacando a presença social como elemento de suporte da comunidade;

- modelo de Phillips (2003), onde a participação é classificada em cinco níveis, de acordo com a sua qualidade e importância relativamente à discussão;

- modelo de Murphy (2004), onde se analisa a tipologia das intervenções online do ponto de vista evolutivo, desde a interacção social até à colaboração.

4.3.4.1.1 Modelo de Gunawardena et al. (1997)

Gunawardena et al. (1997) abordam o conhecimento como sendo o resultado de um processo que ocorre em comunidade. Segundo os autores (1997), a construção do conhecimento – quando ocorrendo num ambiente construtivista – será semelhante à elaboração de uma manta de retalhos64:

“A quilt block is built up by the application, one after another, of small pieces of cloth, which when assembled form a bright and colorful pattern. The pieces, according to this analogy, are the contributions of individual participants. Each participant contributes to the whole his or her own texture and color of thought, just as every scrap of fabric forms a distinctive element in the overall pattern. (…) The process by which the contributions are fitted together is interaction, broadly understood, and the pattern which emerges at the end, when the entire gestalt of accumulated interaction is viewed, is the newly-created knowledge or meaning. Interaction is the essential process of putting together the pieces in the co-creation of knowledge.” (Gunawardena et al, 1997: 455).

Realçando o papel da negociação na co-construção do conhecimento, os autores (1997) apresentam um modelo que reflecte o processo de negociação e que se articula em cinco fases: a partilha e comparação de informação; a descoberta de dissonâncias; a negociação e a co- construção de conhecimento; o teste das tentativas construídas; e a afirmação e aplicação do conhecimento recentemente construído. As diferentes fases desdobram-se em subconjuntos de categorias, dando origem a um leque de vinte e um pontos de análise que se desenrolam desde a publicação de uma afirmação, opinião ou observação até à elaboração de argumentos metacognitivos reveladores da transformação do conhecimento.

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Metodologia

4.3.4.1.2 Modelo de Salmon (2000)

O modelo de Salmon (2000) diferencia-se do anterior ao colocar o enfoque não tanto na tipologia das interacções mas antes no papel do moderador na aprendizagem online. Partindo do princípio que o acesso e a familiaridade dos participantes em relação aos ambientes online constituem pré-requisitos essenciais para a participação online, a autora apresenta um modelo que evolui ao longo de cinco níveis. No primeiro, em que os participantes acedem ao sistema online, o moderador assume-se como agente motivador da participação; no segundo nível, assente na definição de um patamar de socialização, os participantes reconhecem a necessidade de identificação e apresentação. No terceiro patamar ocorrerá já a troca de informações, centrando-se a interacção na partilha de conteúdo ou informação entre os participantes. O quarto nível define-se pela ocorrência de construção de conhecimento, num nível em que os participantes começam a interagir uns com os outros de uma forma participativa, respondendo a mensagens publicadas por outros e envolvendo-se na aprendizagem activa. No último nível, caracterizado pelo desenvolvimento, os participantes tornam-se responsáveis pela própria aprendizagem e necessitam de pouco apoio adicional; participantes e moderador adoptam, nesta fase, uma abordagem construtivista em relação à aprendizagem.

4.3.4.1.3 Modelo de Rourke (2001)

O modelo apresentado por Rourke (2001) poderá ser caracterizado essencialmente pela classificação da unidade de análise considerando o grau de envolvimento na comunidade on-line (Hew e Cheung, 2003). Segundo Rourke (2001), a presença social é definida como a capacidade dos aprendentes se auto-projectarem social e afectivamente numa comunidade.

Classificando as interacções como podendo ser interactivas, coesivas ou afectivas, Rourke et al. (1999, apud Hew e Cheung, 2003) defendem que a importância da presença social reside na sua capacidade de suportar os objectivos cognitivos e afectivos da aprendizagem, incentivando e sustentando o pensamento crítico na comunidade. Ao tornar as interacções sociais mais apelativas, envolventes e, por isso, mais recompensadoras, conduzir-se-á a uma melhoria em termos de integração académica, social e institucional que poderá resultar no aumento da persistência e da finalização dos objectivos curriculares propostos (Hew e Cheung, 2003).

Entre os indicadores definidos por Rourke (2001) como reveladores de presença social encontram-se a utilização do humor e emoções (respostas afectivas); a referência explícita ao conteúdo publicado por outros e a utilização da opção reply para publicar mensagens (respostas interactivas); e a utilização de saudações e de vocativos (respostas coesivas).

4.3.4.1.4 Modelo de Philips (2003)

Phillips (2003) apresenta uma reflexão sobre a avaliação e classificação da participação online, categorizando as mensagens de acordo com a sua qualidade do ponto de vista da evolução da discussão.

Numa metodologia pedagógica em que o objectivo assente na construção de comunidades de aprendizagem, a avaliação das mensagens não se deverá resumir àquelas que demonstram aquisição de conteúdos mas também às que reforçam as relações entre os participantes (Santos, 2006). Neste sentido, Phillips (2003) apresenta uma escala dividida em cinco níveis e classificada de “E” (participação irrelevante) a “A” (participação caracterizada pela excelente compreensão).

Analisando e classificando a relevância e qualidade das participações relativamente à discussão, Phillips (2003) aborda a participação do ponto de vista do envolvimento na discussão e na forma como essa interacção conduz à compreensão e apresentação de novas ideias para debate.

4.3.4.1.5 Modelo de Murphy (2004)

Num estudo que envolvia a identificação e avaliação da ocorrência de colaboração numa discussão assíncrona on-line, Murphy (2004) apresenta um modelo que aborda a colaboração como um processo contínuo que se move a partir da presença social em direcção à construção de artefactos.

O modelo de colaboração de Murphy, articulado em seis níveis, assenta no conceito de que a colaboração começa na interacção, surgindo a presença social como potenciadora da coesão do grupo e enriquecedora das interacções. Partindo dessa interacção, os elementos do grupo partilham perspectivas individuais, evoluindo posteriormente para a reflexão das perspectivas do outro em direcção à construção de significados partilhados: “When individuals reach a stage at which they share goals, a sense of common purpose emerges. It is at this point that individuals work together and begin to move in unison towards a common direction.” (Murphy, 2004: 423).

A colaboração é apresentada como um processo contínuo – que parte da interacção para a colaboração – ao longo do qual se podem identificar seis estádios: presença social, articulação de perspectivas individuais, acomodação ou reflexão da perspectiva do outro, co-construção de perspectivas ou significados partilhados, definição de objectivos partilhados e produção de artefactos partilhados (Murphy, 2004).

Metodologia

4.3.4.2 Selecção do modelo de análise

Consideradas as diferentes propostas avançadas pelos autores referidos anteriormente e recolhidos os principais indicadores que caracterizam cada um dos modelos, procedeu-se à reflexão e posterior selecção do modelo a adoptar na análise das participações. Para além da adequação aos objectivos propostos – pertinência dos indicadores, foco da análise, pertinência das categorias de observação – considerou-se que o modelo a adoptar deveria contemplar a análise da mensagem como um todo e não incidir a observação em unidades sintácticas ou na contabilização/existência de expressões particulares.

Assim, e de acordo com as finalidades do estudo e os critérios definidos, foram afastados os modelos de Phillips (2003), Rourke (2001) e Salmon (2000). Apesar de contemplarem duas componentes importantes do processo de colaboração e da construção da comunidade – a coesão e a presença social e o contributo das participações para a construção de um conhecimento partilhado – os modelos apresentados por Rourke (2001) e Phillips (2003) foram considerados demasiado limitadores na sua observação.

Rourke (2001) analisa a importância da dimensão afectiva na construção da comunidade, não considerando a interacção do ponto de vista da construção de conhecimento. Mesmo reconhecendo que possa ser um dos factores que incentiva a coesão do grupo e o enriquecimento da interacção (Murphy, 2004), a presença social – no contexto da aferição da existência de comunidades de aprendizagem – deverá ser encarada como uma base para o processo de interacção não reflectindo per si a existência de um modelo de trabalho colaborativo. Para além disso, o facto de considerar como unidade de análise a combinação de unidades temáticas e sintácticas, não contemplando a mensagem como um todo, foi considerado limitativo no presente contexto.

Phillips (2003), ao propor a classificação das participações de acordo com a sua pertinência para a disciplina, apresenta uma reflexão mais centrada na avaliação e menos no processo de construção do conhecimento. No Mestrado em Multimédia em Educação, mais concretamente na disciplina de TCEd, a aferição da qualidade dos comentários publicados foi efectuada pelo docente da disciplina e traduzida quantitativamente na atribuição das classificações finais. Tendo em consideração que a escala apresentada por Pillhips (2003) não apresenta indicadores objectivos para a classificação das participações, cabendo ao docente/aplicador da escala a definição dos objectivos e a consequente classificação das participações, considerou-se o modelo pouco adequado para os objectivos propostos para o estudo.

Quanto ao modelo de Salmon (2000) – e embora contemple a vertente da interacção e considere a integração do participante na comunidade – torna-se limitativo ao incidir a análise no papel do e-moderador e na componente da e-moderação. Apesar de no presente estudo não se ter descurado o papel do docente na construção da comunidade e no incentivo à produção

colaborativa do conhecimento, a colocação do enfoque nos alunos torna o modelo, de certa forma, inadequado.

Numa segunda fase de selecção, analisaram-se em profundidade os modelos de Gunawardena et al. (1997) e de Murphy (2004).

Gunawardena et al. (1997) centram o seu estudo na aferição da existência de novo conhecimento, construído através de um processo de negociação que não contempla, de certa forma, a importância da presença social para a construção da comunidade. Considerando como unidade de análise a mensagem no seu todo e não apenas determinadas unidades sintácticas, procuram avaliar a satisfação dos aprendentes relativamente às experiências de aprendizagem em ambientes online, a existência ou não de aprendizagem, e a ocorrência, ou não, de construção de conhecimento (Gunawardena et al, 2000).

Murphy (2004), por outro lado, analisa o processo de interacção do ponto de vista da colaboração, afastando o enfoque da existência objectiva de novo conhecimento e avançando para uma análise que se desenrola desde a interacção até ao processo de negociação e à produção de artefactos. Para a autora (2004), a colaboração inicia-se com a interacção onde os participantes reconhecem a presença do outro e se começam a relacionar como grupo: “Social presence creates group cohesion, wich enriches interaction” (Murphy, 2004: 422).

Num modelo mais abrangente do que os anteriores, Murphy (2004) contempla a presença social, a manifestação da presença individual e da opinião de cada elemento e a articulação e coordenação de perspectivas. Ao dividir as cinco categorias de análise em sub-categorias (num total de vinte e duas), Murphy (2004) propõe um modelo que, embora complexo, contempla grande parte das dimensões do processo de interacção e negociação do conhecimento, permitindo uma análise exaustiva que se desenvolve desde a manifestação da presença social até à proposta de trabalho conjunto e a produção de artefactos pela comunidade.

Considerando que o presente estudo não incide na aferição da existência da construção de conhecimento (Gunawardena et al, 1999; Phillips, 2003) nem na análise do papel do moderador na integração dos elementos na comunidade (Salmon, 2000) ou no reconhecimento da presença social (Rourke, 1999), mas antes na tipologia das interacções entre os membros do grupo e na emergência de comunidades de aprendizagem, adoptou-se o modelo de Murphy (2004) para a análise qualitativa das participações por se considerar ser o mais abrangente no que concerne à observação do trabalho colaborativo em comunidade.