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Capítulo III – A INTERACÇÃO COMO FACTOR DE PROMOÇÃO DA APRENDIZAGEM 41

3.2.   As principais teorias da aprendizagem 47

3.2.1.   A construção do conhecimento como processo de interacção 48

O conceito de aprendizagem tem sido objecto de uma reconceptualização, evoluindo de um processo aditivo caracterizado por uma aquisição individual de conhecimento para um conceito de aprendizagem como um processo de comportamento social. Neste processo, os aprendentes reorganizam estruturas de conhecimento pré-existentes e, pela interacção com o outro, criam novas representações de uma forma contínua e articulada em comunidade. Nesta nova perspectiva, a aprendizagem é concebida não como uma aquisição individual de conhecimento ou competências mas antes como uma construção, pelos aprendentes, das suas próprias estruturas mentais pela colaboração com o outro (Borthick et al., 2003).

Contrariamente à abordagem tradicional do professor como transmissor de conhecimento e do aluno como elemento passivo e receptor do processo de aprendizagem, a abordagem construtivista apresenta o professor como um facilitador e mediador de um modelo de aprendizagem onde o aluno constrói o conhecimento através da resolução de problemas - ou pelo desenvolvimento de um projecto contextualizado pelo qual se interessa -, num trabalho partilhado e colaborativo (Morelatti, s/d).

Entre as teorias que estão na base da aprendizagem colaborativa poder-se-á encontrar o sócio-construtivismo de Vygotsky, onde se defende o papel fundamental da interacção no desenvolvimento cognitivo e cujo conceito de “zona de desenvolvimento proximal” (ZDP) se

debruça sobre os níveis de desenvolvimento que uma criança poderá atingir através da interacção social com os seus pares.

Ao afastar a unidade de análise do indivíduo per se para o indivíduo em relação com o ambiente e em interacção com o outro (Harasim, 2003), Vygostky (1962, apud Warschauer, 1997) apresenta a aprendizagem colaborativa – quer aquela que se articula entre aprendentes quer a que ocorre entre aprendentes e professores – como sendo essencial ao apoio ao aprendente no avanço pela sua ZDP.

Esta área potencial de desenvolvimento cognitivo, definida pelo mesmo autor como sendo “(...) the distance between the actual developmental level as determined by independent problem solving and the level of potential development as determined through problem solving under adult guidance or in collaboration with more capable peers” (Vygotsky, 1978: 86, apud Fino, 2001:5), é determinada conjuntamente pelo grau de desenvolvimento do aprendente e pela forma de instrução desenvolvida (Wertsch, 1985). De acordo com o autor, a instrução na ZDP apela à vida na criança, desperta e põe em movimento uma série de processos interiores de desenvolvimento só possíveis na esfera de interacção com aqueles que a rodeiam e em colaboração com os seus companheiros, acabando, eventualmente, no decorrer do desenvolvimento da criança, por ser propriedade “interna” da mesma.

Segundo Lipponen (2002), existem duas interpretações do pensamento de Vygotsky: a primeira, e mais tradicional, assume que ao envolverem-se em actividades de carácter colaborativo, os indivíduos conseguem dominar áreas que não conseguiriam antes da colaboração, facilitadora do desenvolvimento cognitivo individual. A outra interpretação enfatiza o papel do compromisso mútuo e da co-construção do conhecimento. De acordo com esta perspectiva, a aprendizagem será mais uma questão de participação num processo social de construção do conhecimento do que o resultado de um empenho individual. O conhecimento emerge através da rede de interacções do aprendente e é distribuído e mediado entre os aprendentes que nela interagem (pessoas e ferramentas) (Cole e Wertsch, 1996, apud Lipponen, 2002).

Para Borthick et al. (2003), um dos aspectos mais interessantes da teoria de Vygotsky (1978, 1986, ib 2003) é o facto de admitir um suporte mútuo entre os processos sociais e cognitivos. Independentemente da fonte ou forma do “apoio”, o objectivo desse suporte está relacionado com o auto-desenvolvimento, pelos aprendentes, de capacidades que tenham experienciado previamente em situações colaborativas ou “assistidas” (Bereiter e Scardamalia, 1985, apud Borthick et al., 2003). Neste sentido, a aprendizagem acontece quando “(…) processes first performed with others on a social plane are successfully executed by a learner in an independent learning activity” (Bonk and Cunningham, 1998: 38, apud Borthick et al., 2003).

Segundo Lave e Wenger (1991) existem diferentes interpretações do conceito de ZDP – a tradicional (traduzida no conceito de andaimização ou scaffolding); a cultural (a distância entre o

A interacção como factor de promoção da aprendizagem

conhecimento cultural providenciado pelo contexto sócio-histórico e a experiência do dia-a-dia do indivíduo), onde o carácter social da aprendizagem fornece inputs para o processo de internalização; e uma terceira interpretação, apresentada por Engeström (1987: 174, apud Lave & Wenger, 1991: 49), que define a ZDP como sendo “(...) the distance between the everyday actions of individuals and the historically new form of the societal activity that can be collectively generated as a solution to the double bind potentially embedded in… everyday actions”.

Brown (1994) renova o conceito de ZDP aplicando-o à sala de aula, apresentada como uma aculturação de múltiplas zonas de desenvolvimento proximal. Dentro destas várias zonas sobrepostas que favorecem o crescimento através da apropriação e negociação de significado mútuas (Brown et al, 1993), os aprendentes navegam por diferentes caminhos e a diferentes velocidades, num impulso direccionado para níveis de competência superiores (e não inferiores) que mudam constantemente à medida que os participantes se tornam mais independentes, em níveis sucessivamente mais avançados. Para Brown et al. (1993), a ZDP personifica um conceito de prontidão para aprender que enfatiza os níveis superiores de competência. Estas fronteiras não são vistas como imutáveis mas como fronteiras em constante mudança, pelo aumento da independência do aprendente a níveis mais complexos de conhecimento. Neste ambiente, a cooperação do grupo assegura a maturação do desempenho mesmo que, individualmente, os membros do grupo não sejam capazes de plena participação.

Borthick et al (2003) referem que o mais importante na sobreposição de diferentes zonas de desenvolvimento proximal de diferentes indivíduos é a sobreposição da zona de desenvolvimento de um indivíduo com o núcleo (aquilo que o indivíduo é capaz de fazer sem ajuda) de outro, exemplificadas na figura 6.

Figura 6 – Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky (Borthick 2003:110)

“Making use of each other’s expertise depends, however, on the learners recognizing expertise asymmetries and being willing to collaborate to benefit from the expertise distributed among them (…)..” (Hansen et al, 1999: 186, apud Borthick et al, 2003: 111). Um dos papéis associados ao docente será, assim, o de guiar o processo de descoberta do aluno em direcção a formas de questionamento disciplinado, não possíveis de atingir sem a sua orientação, impelindo o aluno para fronteiras superiores (Brown, 1994).

Numa concepção construtivista do pensamento de Vygostky, Hatano (1993, apud Fino, 2004b) apresenta os aprendentes como sujeitos activos (não passivos, à espera das orientações do professor ou de outro adulto com maiores capacidades) e com capacidade de iniciativa, construtores de um conhecimento assente na própria compreensão que poderá ultrapassar a informação disponibilizada pelo professor e facilitado pelas interacções horizontais e verticais. Este autor defende ainda o princípio de que a disponibilidade de diversas fontes de informação potenciam a construção do conhecimento.

A abordagem construccionista, que partilha a conotação construtivista de aprendizagem como construção de estruturas de conhecimento, adiciona a ideia de que esta construção ocorre com maior facilidade num contexto em que o aprendente está envolvido, de forma consciente, na construção de algo concreto (Papert e Harel, 1991).

“We understand ‘constructionism’ as including, but going beyond, what Piaget would call ‘constructivism’. The word with the v expresses the theory that knowledge is built by the learner, not supplied by the teacher. The word with the n expresses the further idea that this happens especially felicitously when the learner is engaged in the construction of something external or at least shareable ... a sand castle, a machine, a

A interacção como factor de promoção da aprendizagem

computer program, a book. This leads us to a model using a cycle of internalization of what is outside, then externalization of what is inside and so on” (Papert, 1990: 3, citado por Fino, 2004a: 8).

O conceito central do construtivismo poder-se-á traduzir assim na defesa da aprendizagem pela realização e pela experimentação criativa, sendo a teorização sem aplicação prática relativamente desvalorizada58. Nesta abordagem, os aprendentes são vistos como exploradores e criadores, num processo através do qual alcançam um nível de compreensão mais profundo relativamente ao que possivelmente atingiriam pela instrução. A tecnologia – seja o computador ou outro tipo de equipamento – surge como uma forma de envolver activamente os indivíduos na aprendizagem, deixando estes de ser apenas consumidores ou observadores passivos 59.