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A arbitragem e a legislação codificada

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 43-51)

CAPÍTULO I – A NATUREZA JURISDICIONAL DA ARBITRAGEM E A

I.3 A arbitragem no direito brasileiro

I.3.3 A arbitragem e a legislação codificada

I.3.3.1 A regulação da arbitragem no Código de Processo Civil

O CPC/2015 3.º I ressalva da apreciação judicial os litígios arbitrais, a significar que não pode ocorrer de uma mesma demanda ser simultaneamente analisada em arbitragem e em processo judicial.42

Antes de discutir o mérito, deve o réu alegar a existência de convenção de arbitragem, que desloca a competência para o processamento e o julgamento da causa à arbitragem (CPC/1973 301 IX e CPC/2015 337 X).

Não haverá resolução de mérito quando o juiz acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência (CPC/1973 267 VII e CPC/2015 485 VII).

42 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, coment. 20 CPC/2015 3, p. 192.

Sobre o tema, saliente-se que na contestação, o réu só pode suscitar a preliminar de convenção de arbitragem objetivando a extinção do processo. Caso pretenda ver instituída a arbitragem, à qual resiste o autor, poderá o réu ajuizar a ação de que trata o LArb 7.º, devendo fazê-lo por meio de reconvenção.43 Havendo notícia de que o tribunal arbitral fixou sua própria

competência, o processo judicial tem que ser extinto sem julgamento do mérito. Trata-se da regra Kompetenz-Kompetenz, segundo a qual cabe ao árbitro ou ao tribunal arbitral fixar sua própria competência.44

A sentença arbitral tem eficácia de título executivo judicial, nos termos do CPC/1973 475-N IV e do CPC/2015 515 VII.

Isso significa que a execução da sentença arbitral condenatória transitada em julgado, que tenham os atributos da certeza (an

debeatur) e da liquidez (quantum debeatur) é realizada por meio da ação de

execução da referida sentença. Essa execução é de competência do juízo cível e se faz pelo instituto do cumprimento da sentença (CPC/2015 513). 45

O CPC/2015 960 estabelece que “a homologação de decisão

estrangeira será requerida por ação de homologação de decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado” e seu parágrafo 3.º prevê

que “a homologação de decisão arbitral estrangeira obedecerá ao disposto em tratado e

em lei, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições deste Capítulo”, acrescendo

disposição específica sobre a sentença arbitral estrangeira no CPC/2015, inexistente no diploma processual anterior.

A norma faz referência ao Tratado de Montevideu, que dispõe sobre o tema. O Decreto Legislativo 93/95 aprovou e o Decreto 2411/97 promulgou

43 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, coment. 15 CPC/2015 337, p. 927.

44 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, coment. 18 CPC/2015 485, p. 1114.

45 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, coment. 19 CPC/2015 515, p. 1270.

o texto da Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, concluída em Montevideu em 8 de maio de 1979, tendo passado a vigorar no Brasil em 27 de dezembro de 1995.

A sentença arbitral estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, igualmente tem eficácia de título executivo judicial, nos termos do CPC/1973 475-N VI e do CPC/2015 515 VIII.

De rigor salientar, contudo, que o CPC/2015 ainda não entrou em vigor. Consoante o CPC/2015 1045, optou-se pelo critério da base da data da publicação para a fixação da cláusula de vigência da lei. Assim, o novo diploma processual entra em vigor um ano46 após a data da publicação da lei no Diário Oficial da União, o que se deu em 17 de março de 2015. A contagem desse prazo de um ano faz-se de acordo com a LC 95/98 8 §§1.º e 2.º: incluem-se o dia da publicação (17.3.2015) e o dia da consumação do prazo (17.3.2016), entrando em vigor no dia seguinte dessa consumação. Assim, o CPC/2015 entra em vigor em 18 de março de 2016.47

Observe-se, neste ponto, que a lei nova tem de respeitar todos os efeitos jurídicos produzidos sob a égide da lei anterior, mas se aplica imediatamente48 a situações por ela (lei nova) reguladas, a partir de sua entrada em vigor. 49

Nesse particular, ressalte-se que o nosso sistema proíbe a retroatividade da lei, ou seja, a aplicação da lei nova para fatos ocorridos no

46A Lei 810/49, em seu artigo 1.º, define o ano civil: “Considera-se ano o período de doze meses

contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”.

47 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Comentários ao Código de Processo Civil

- novo CPC – lei 13.105/2015, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, coment. 2 CPC 1045, p.

2233.

48 Para designar a expressão “efeito imediato”, fala-se também em exclusividade (Ausschliesslichkeit), como assevera Friedrich AFFOLTER (In: System des deutschen bürgerlichen

Übergangsrechts, Leipzig: Veit, 1903, § 9.º, p. 34).

49 Paul ROUBIER, Le droit transitoire – conflit des lois dans le temps, 2.ª ed., Paris: Dalloz, 1960, n. 3, p. 11. No mesmo sentido: Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Comentários ao Código de Processo Civil - novo CPC – lei 13.105/2015, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015,

passado. Os fatos pendentes (facta pendentia) são, na verdade, os fatos presentes, regulados pela eficácia imediata da lei nova, vale dizer, que se aplica dentro do presente. A lei nova atinge, portanto, as relações continuativas, isto é, aquelas que se encontram em execução, ainda que tenham sido geradas na vigência da lei antiga. 50

Portanto, a lei processual tem vigência imediata e se aplica aos processos pendentes, mas rege sempre para o futuro,51 sendo certo que os atos processuais já praticados sob a égide da lei antiga caracterizam-se como atos

jurídicos processuais perfeitos, estando protegidos pela garantia constitucional da

CF 5.º XXXVI, não podendo ser atingidos pela lei nova. 52

I.3.3.2 A regulação da arbitragem no Código de Defesa do Consumidor

O inciso VII do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor estabelece ser abusiva a cláusula contratual que determine a utilização compulsória da arbitragem. A maior preocupação do legislador se refere às disposições insertas em contratos de adesão.

A definição de contrato de adesão está expressa no CDC 54

caput. Nos termos desse dispositivo legal, contrato de adesão é aquele “cujas

cláusulas tenham sido estabelecidas pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo

50 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Comentários ao Código de Processo Civil

- novo CPC – lei 13.105/2015, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, coment. 3 e 4 CPC 1046, p.

2234.

51 Giuseppe CHIOVENDA. Istituzioni di diritto processuale civile, vol. I, 2.ª ed., Napoli: Jovene, 1935, n. 27, p. 78; Adolf WACH. Handbuch des Deutschen Zivilprozessrechts, v. I Leipzig: Duncker &

Humblot, 1885, § 17, II, p. 213.

52 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Comentários ao Código de Processo Civil

- novo CPC – lei 13.105/2015, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, coment. 6 CPC 1046, p.

Por contrato de adesão entende-se aquele que, antecedido de formulário do qual constem cláusulas contratuais gerais, estipuladas unilateralmente pelo fornecedor ou aprovadas pela autoridade competente, é celebrado pelo fornecedor e pelo consumidor, sem que este aderente, contudo, tenha tido oportunidade de discutir seu conteúdo.53

Os contratos de adesão são, portanto, aqueles que não resultam do livre debate entre as partes, mas provêm do fato de uma delas aceitar tacitamente cláusulas e condições previamente estabelecidas pela outra.54

O traço característico do contrato de adesão reside verdadeiramente na possibilidade de predeterminação do conteúdo da relação negocial pelo sujeito de direito que faz a oferta ao público. Distingue-se por três traços característicos: a) a uniformidade; b) a predeterminação e c) a rigidez.55

Entretanto, é preciso atentar para o fato de que a rigidez de cláusulas contratuais não implica a completa exclusão da autonomia contratual.

A contratação, mesmo sob a forma de adesão, continua sob o crivo da liberdade de contratar do consumidor. Nada obstante, não se pode deixar de reconhecer que em negócios em grande número, em massa, a padronização das condições contratuais acaba por ser uma necessidade, sem a qual, muitas das vezes, estaria inviabilizada a própria atividade empresarial.

Nada há, também, de irregular ou ilegal no fato de os ajustes contratuais que se estabelecem entre empreendedoras e consumidores se realizarem por intermédio de contratos de adesão.

53 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Leis Civis Comentadas, 3.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, coment. 1 CDC 54, p. 330.

54 Caio Mário da Silva PEREIRA. Instituições de Direito Civil – contratos, v. III, 17.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013, n. 197, pp. 64/65.

Na arbitragem, contudo, há regras específicas para a escolha dessa forma alternativa de solução de conflitos nas hipóteses de celebração por contrato de adesão.

Com efeito, o legislador identificou dois problemas nos contratos de adesão quanto à instituição de arbitragem56:

a) o fato de haver simples adesão de uma das partes às condições contratuais estabelecidas pela outra parte;

b) o fato de, amiúde, o oferecimento de condições decorrer de um desnível econômico ou técnico entre as partes, o que torna necessário esclarecimento expresso da parte aderente acerca das condições contratuais.

Por essa razão, a LArb 4.º § 2.º estabelece que “Nos contratos

de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”.

Há, portanto, um requisito legal para a eficácia da cláusula compromissória inserta em contratos de adesão: a comprovação de sua plena ciência pela parte aderente. Para tanto, deverá a cláusula compromissória ser destacada em negrito ou em documento anexo, com a assinatura da parte aderente, manifestando sua vontade de realizar arbitragem.

As circunstâncias especiais contidas na lei de arbitragem são exigíveis para dar-se validade e eficácia à cláusula compromissória constante de todo e qualquer contrato de adesão, seja ou não de consumo. O objetivo da norma é propiciar maior proteção ao aderente, de modo a dar eficácia à cláusula quando

56 Luis Fernando GUERRERO. Convenção de Arbitragem e Processo Arbitral, São Paulo: Atlas, 2009, n. 1.3.1, p. 16.

não restar nenhuma dúvida de que o aderente a queria realmente e que tinha pleno conhecimento do conteúdo e das consequências da cláusula.57

Na LArb, portanto, há previsão legal que determina a necessidade de anuência expressa do aderente na hipótese de convenção de arbitragem, para o fim de demonstrar sua inequívoca manifestação de vontade e evitar situação de prevalência econômica do solicitante em relação ao aderente.

A lei espanhola de arbitragem também contém previsão especial para a validade em contratos de adesão, estabelecendo que sua validade e interpretação deverão ser conforme “lo dispuesto en las normas aplicables a esse tipo de contrato” (artigo 9.2 da Lei de Arbitragem Espanhola, n. 60/2003)

Assim, se a cláusula compromissória foi aceita dentro de um contrato de adesão, a validade desse pacto e sua interpretação dependerão da observância dos requisitos legais para esse tipo de contratação.58

A mesma preocupação teve o legislador alemão, que determinou a obrigatoriedade da assinatura de próprio punho das partes em convenção de arbitragem na qual um consumidor for uma delas (ZPO § 1031, 5).

Analisando hipótese de inserção de convenção de arbitragem em contrato de adesão, o STJ já se pronunciou, negando a homologação de sentença estrangeira, invocando a LArb 4.º, ante a ausência de assinatura na cláusula arbitral e a não comprovação da inequívoca manifestação de vontade de ambas as partes. Veja-se, a seguir, o julgado ora mencionado:

“SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. HOMOLOGAÇÃO. CLÁUSULA

COMPROMISSÓRIA. AUSÊNCIA DE ASSINATURA. OFENSA À ORDEM

57 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Leis Civis Comentadas, 3.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, coment. 3 CDC 54, p. 330.

58 Rafael GONZÁLEZ DÍAZ. La Nueva Ley de Arbitraje em España. Madrid como Sede Internacional, in: Wagner MENEZES (coord.). Estudos de Direito Internacional, v. VIII, Curitiba: Juruá, 2006, pp.

PÚBLICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1. ‘A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende a ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem.’ (SEC n. 967-GB, rel. Min. José Delgado, in DJU 20.3.2006).

2. A falta de assinatura na cláusula de eleição do juízo arbitral contida no contrato de compra e venda, no seu termo aditivo e na indicação de árbitro em nome da requerida exclui a pretensão homologatória, enquanto ofende o art. 4.º, § 2.º, da Lei n. 9307/96, o princípio da autonomia da vontade e a ordem pública brasileira.

3. Pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira indeferido”.59

Caso a cláusula compromissória inserta em contrato de adesão não contenha todos os requisitos formais mencionados pela LArb 4.º § 2.º, isto é, se não houver o destaque de que fala a lei, ou se não houver visto da parte aderente manifestando sua ciência acerca da escolha da jurisdição arbitral, a cláusula será ineficaz, exceto se as partes entenderem por bem repactuar a arbitragem ou assinar documento posteriormente, observando todos os requisitos legais.

Nesse caso, fica a cláusula arbitral sujeita à condição suspensiva, isto é, só surtirá efeitos diante da manifestação de vontade posterior do aderente, aceitando a instância arbitral.60

Por outro lado, caso a cláusula compromissória contenha todos os elementos mencionados pela LArb 4.º § 2.º, isto é, se houver o destaque de que fala a lei e se houver o visto da parte aderente manifestando sua ciência

59 Superior Tribunal de Justiça, Corte Especial, Sentença Estrangeira 978-GB, relator Ministro Hamilton Carvalhido, julgado em 17.12.2008, publicado no Diário Oficial da União em 5.3.2009. 60 Pedro B. MARTINS, Selma F. LEMES e Carlos A. CARMONA. Aspectos Fundamentais da Lei de

acerca da escolha da arbitragem como forma de solução de conflitos, a cláusula compromissória terá eficácia plena.61

Muito embora o CDC 51 VII considere abusiva, portanto, nula, a cláusula de contrato de consumo que imponha arbitragem compulsoriamente, é de rigor frisar que nem sempre o contrato de consumo é de adesão.

Nesse passo, o dispositivo supra citado não é incompatível com a LArb 4.º § 2.º; ambas as cláusulas sobrevivem vigentes e se completam, harmônicas e compatíveis entre si. Basta lembrar que o dispositivo citado do CDC se aplica apenas aos contratos de consumo, enquanto o artigo da LArb se aplica a todo e qualquer contrato de adesão: civil, comercial ou de consumo.62

I.4 Construção conceitual da arbitragem e notas determinantes decorrentes

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 43-51)