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Arbitragem no Direito do Consumidor

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 152-157)

CAPÍTULO I – A NATUREZA JURISDICIONAL DA ARBITRAGEM E A

II.5 Arbitragem de matérias sensíveis

II.5.5 Arbitragem no Direito do Consumidor

As relações de consumo, não obstante sujeitas a normas de ordem pública, ostentam natureza patrimonial e disponível, sendo certo que a incidência de normas de ordem pública não consubstancia óbice à utilização da arbitragem, desde que o árbitro as observe na condução do caso.334

Já é posicionamento firme da doutrina brasileira a arbitrabilidade dos litígios individuais de consumo,335 reforçada pela aplicabilidade

do LArb 4.º § 2º que, conforme já exposto alhures, estabelece as regras para a inserção de cláusula comprimissória em contrato de adesão.

333 Heleno Taveira TORRES. Arbitragem e Transação em matéria tributária, in: Eduardo JOBIM; Rafael MACHADO (coord.) Arbitragem no Brasil - aspectos jurídicos relevantes, São Paulo: Quartier Latin,

2008, pp. 175-197.

334 André Luís MONTEIRO, José Antonio FICHTNER. Temas de Arbitragem – primeira série, Rio de Janeiro: Renovar, 2010, n. 1, pp. 1-36. No mesmo sentido: Rodrigo Garcia da FONSECA. Arbitragem e Direito do Consumidor. Em busca de Convergência, in: Eduardo JOBIM e Rafael MACHADO (coord) Arbitragem no Brasil – aspectos jurídicos relevantes, São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 437-466.

335 Nesse sentido: Nelson NERY JUNIOR et allii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor

comentado pelos autores do anteprojeto, vol. I, 10.ª Ed, Rio de Janeiro: Forense, 2011, coment,. 14

CPC 51, pp 590/591; Tarcísio KROETZ. Arbitragem: conceito e pressupostos de validade de acordo com a lei 9307/96, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pp. 93-95; Selma Ferreira LEMES. A arbitragem nas relações de consumo no direito brasileiro e comparado, in: Pedro Batista MARTINS,

Selma LEMES, Carlos Alberto CARMONA (coord) Aspectos fundamentais da lei de arbitragem, Rio de

Janeiro: Forense, 1999, pp. 113-141; Gustavo Pereira LeiteRIBEIRO. A arbitragem nas relações de consumo, Curitiba: Juruá, 2006, n. II.4, p. 133.

A esse respeito, afirma NELSON NERY que o juízo arbitral é

importante fator de composição dos litígios de consumo, razão pela qual o CDC não quis proibir sua constituição pelas partes do contrato de consumo. A interpretação a contrario sensu do CDC 51 indica que, não sendo determinada compulsoriamente, é possível instituir-se arbitragem em controvérsias envolvendo direito consumerista.336

A arbitragem não implica constrangimento ou obstáculo ao exercício e à defesa dos direitos do consumidor, donde se extrai ser injustificada a sua vedação.337

São arbitráveis as questões relativas ao direito do consumidor, sendo, portanto, plenamente possível e absolutamente legal a escolha da arbitragem como meio de solução de controvérsia de questões envolvendo relações de consumo, desde que baseadas em direito patrimonial disponível e cumpridos os requisitos previstos na LArb, em consonância com as disposições do CDC, especialmente com a ciência inequívoca dos consumidores por meio da concordância expressa no momento da celebração do contrato bem como antes de se iniciar a arbitragem.338

Surgindo um conflito relacionado a direito do consumidor, as partes poderão, sempre, de comum acordo, instituir a arbitragem, mediante a pactuação de compromisso arbitral.

336 Nelson NERY JUNIOR et allii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores

do anteprojeto, vol. I, 10.ª Ed, Rio de Janeiro: Forense, 2011, coment. 14 CDC 51, pp. 590/591;

337 Rodrigo Garcia da FONSECA. Arbitragem e Direito do Consumidor. Em busca de Convergência, in: Eduardo JOBIM e Rafael MACHADO (coord) Arbitragem no Brasil – aspectos jurídicos relevantes,

São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 437-466.

338 Fabio Pedro ALEM, Fernando MÉDICI JUNIOR. Novas tendências para a solução de conflitos nas relações de consumo – arbitragem, in: Haroldo VERÇOSA (org) Aspectos da Arbitragem institucional – 12 anos da Lei 93017/1996, São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 281-298.

Por outro lado, havendo cláusula compromissória prévia, há de se perquirir se houve efetiva manifestação de vontade do consumidor nesse sentido, em observância aos requisitos legais previstos na LArb.339

Alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros expressamente estabelecem a arbitragem de consumo.

É o caso da Espanha, cujo Decreto Real 231/2008 instituiu o Sistema de Arbitragem de Consumo, definido pelo artigo primeiro da lei como a arbitragem institucional de resolução extrajudicial, de caráter vinculante e executivo para ambas partes, dos conflictos surgidos entre os consumidores e os usuários e as empresas ou profissionais em relação aos direitos legal ou contratualmente reconhecidos ao consumidor.

Do ponto de vista subjetivo, é necessário que as partes em conflito sejam um consumidor e uma empresa ou profissional (fornecedor), de modo que a arbitragem de consumo só pode conhecer os conflitos cuja origem seja um ato de consumo. A delimitação objetiva é no sentido de que são suscetíveis de arbitragem as controvérsias que versem sobre livre disposição de vontade das partes, notadamente os danos oriundos de relações contratuais.340-341

339 Rodrigo Garcia da FONSECA. Arbitragem e Direito do Consumidor. Em busca de Convergência, in: Eduardo JOBIM e Rafael MACHADO (coord) Arbitragem no Brasil – aspectos jurídicos relevantes,

São Paulo: Quartier Latin, 2008, pp. 437-466.

340 Manuel Jesús MARÍN LÓPEZ. Análisis del Real Decreto 231/2008, de 15 de febrero, que regula el Sistema Arbitral de Consumo, disponível em:

https://www.uclm.es/centro/cesco/pdf/trabajos/19/2008/19-2008-1.pdf, acesso em 22.7.2015, à 1h04min.

341 Jesús Santiago DELGADO CRUCES. La intervención judicial en el erbitaje de consumo por los juzgados de primera instancia, in: Manuel RICHARD GONZÁLEZ, Iñaki RIAÑO BRUN, José Maria RIFÁ

SOLER (coord) Estudios sobre Arbitraje de Consumo, Pamplona: Thomson Reuters, 2011, n. VI, pp.

Consoante prevê o LAE 4.º, o sistema arbitral de consumo espanhol se organiza por meio de quatro figuras: a) as Juntas Arbitrais de Consumo (que são órgãos administrativos de gestão de arbitragem institucional de consumo e prestam serviços de caráter técnico e administrativo tanto às partes como aos árbitros); b) os órgãos arbitrais que podem ser unipessoais ou colegiados; c) a Comissão das Juntas Arbitrais de Consumo, que têm como objetivo estabelecer critérios homogêneos para o sistema arbitral de consumo, e d) o Conselho Geral do Sistema Arbitral de Consumo, cuja função primordial é o aprimoramento do sistema arbitral de consumo, elaborando diretrizes gerais sobre o tema.

O procedimento arbitral se inicia com um requerimento do consumidor para submeter seu litígio à arbitragem à Junta Arbitral, que remete o pedido à verificação da competência do tribunal para processar e julgar a lide e ao exame da validade da convenção de arbitragem. Posteriormente, o presidente da Junta intimará as partes para que possam celebrar um acordo por meio de mediação prévia, e, caso não resolvam o conflito, apresentem em quinze dias suas alegações.

Depois disso, os árbitros são escolhidos, é formado o painel arbitral e agendada audiência. Por fim, em até seis meses depois da audiência, é prolatada a sentença arbitral por equidade – a menos que as partes escolham arbitragem de direito.

A arbitragem de consumo no direito espanhol se define como sistema essencialmente voluntário, e se manifesta não apenas com o consentimento expresso das partes do processo – consumidor e fornecedor – como também pela formalização por escrito da convenção de arbitragem.342

Na Argentina, a LADC 59 instituiu tribunais arbitrais de consumo. Com efeito, prevê o aludido dispositivo legal que:

342 Ramón GARCÍA GOMEZ. El convenio arbitral de consumo. Arbitraje de consumo y justicia material, in: Eugenio LLAMAS POMBO (coord) Estudios de Derecho de Obligaciones – homenaje al professor Mariano Alonso Pérez, t. I, Madrid: La Ley, 2006, pp. 777-800.

Tribunais de arbitragem. A autoridade de aplicação irá facilitar a organização dos tribunais, atuando como conciliadores ou árbitros, conforme a jurisprudência, para resolver litígios que possam surgir em virtude das disposições da presente lei. Pode ser convidada para integrar estes tribunais, nas condições estabelecidas pelo regulamento, as pessoas que tenham em conta as competências, a propor as associações de consumidores e câmaras empresariais. Ele rege os procedimentos do lugar onde o tribunal arbitral atua”.343

Influenciada pela legislação espanhola, a lei argentina não inova em relação àquela, tampouco apresenta alterações substanciais. Os tribunais arbitrais instauram arbitragem apenas em lides envolvendo relações de consumo, sendo voluntária a participação de consumidores e fornecedores, que, contudo, deve ser expressa.

Depois de formalizado o compromisso arbitral, as partes designam árbitros para a formação do painel arbitral. Escolhidos os árbitros, designa-se audiência e, em seguida, é proferida a sentença arbitral. Devem os árbitros julgar com fundamento na equidade, podendo ser a arbitragem de direito, caso assim prefiram as partes. 344

Igualmente no direito do consumidor, depreende-se a possibilidade de submeter à arbitragem conflitos envolvendo essa categoria de direitos tanto no Brasil como em outros ordenamentos jurídicos positivos.

343 No original: “Tribunales Arbitrales. La autoridad de aplicación propiciará la organización de

tribunales arbitrales, que actuarán como amigables componedores o árbitros de derecho según el caso, para resolver las controversias que se susciten con motivo de lo previsto en esta ley. Podrá invitar para que integren estos tribunales arbitrales, en las condiciones que establezca la reglamentación, a las personas que teniendo en cuenta las competencias, propongan las asociaciones de consumidores y cámaras empresarias. Regirá el procedimiento del lugar en que actúa el tribunal arbitral.”

344 Gustavo Pereira LeiteRIBEIRO. A arbitragem nas relações de consumo, Curitiba: Juruá, 2006, n. III.3, p. 181/185.

Outra é a realidade norte-americana – principalmente posteriormente ao julgamento de paradigmáticas class arbitration 345– em que há

projeto de lei em tramitação no Congresso (o denominado Arbitration Fairness Act) cuja finalidade é impor severas restrições à arbitragem em matéria de direito do consumidor e de relações trabalhistas, 346 o que dificultaria sobremaneira a

arbitrabilidade dessas categorias de direitos.

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 152-157)