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Agente da convenção de arbitragem: arbitrabilidade subjetiva do litígio

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 87-92)

CAPÍTULO I – A NATUREZA JURISDICIONAL DA ARBITRAGEM E A

II.2 Agente da convenção de arbitragem: arbitrabilidade subjetiva do litígio

O primeiro elemento de existência do negócio jurídico é o agente que o celebrará, sendo o requisito de validade correspondente ao agente sua capacidade ou legitimidade para celebrar o negócio.157

O existir independe, completamente, de que o negócio jurídico seja válido ou eficaz, mas é a partir da existência que se pode falar em validade ou invalidade, em eficácia ou ineficácia do negócio.158

A validade do negócio exige a capacidade do agente, que é qualificação atribuída pelo direito às pessoas em geral, mas não se confunde com legitimação, apesar de ambos os institutos tratarem de aptidão subjetiva para a prática de atos jurídicos.

A legitimidade consiste em uma posição do sujeito em face do objeto, traduzida na titularidade do direito, posição que implica o poder de disposição e de aquisição.159

Arbitrabilidade subjetiva ou arbitrabilidade ratione personæ, se relaciona aos aspectos da capacidade para alguém poder submeter-se à arbitragem.

Todos os sujeitos jurídicos privados têm, em princípio, capacidade de gozo para ser parte em uma convenção e arbitragem.

157 Antonio JUNQUEIRA DE AZEVEDO. Negócio Jurídico - validade, existência e eficácia, 4.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 43.

158 Francisco Cavalcanti PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. IV, (atualização de Marcos BERNARDES DE MELLO e Marcos EHRHARDT JR.), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, § 357, p. 66.

159 Marcos BERNARDES DE MELLO. Teoria do Fato Jurídico – plano da validade, 9.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 32/37.

Considera-se condição elementar para a instauração da arbitragem a capacidade das partes que celebrarão a cláusula ou o compromisso arbitral.

Agente capaz configura, ao mesmo tempo, elemento de existência e requisito de validade para a celebração do negócio jurídico. Trataremos desse item com maior aprofundamento a seguir. Por ora, importante compreender o significado da capacidade do agente dentro do contexto da LArb 1.º, ou seja, da arbitrabilidade subjetiva do conflito.

Usualmente, utilizam a arbitragem como meio de solução de disputas as pessoas naturais e as pessoas jurídicas de direito privado regularmente instituídas.

A análise da arbitrabilidade subjetiva deve partir da verificação da capacidade de exercício de direitos pelas partes interessadas e pela verificação da existência de permissão ou vedação à realização da arbitragem para uma determinada parte.160

Por capacidade de exercício (Handlungsfähigkeit) deve-se entender a capacidade para praticar, por si, validamente, os atos da vida civil. Tem capacidade de exercício os maiores de 18 (dezoito) anos que não estejam sujeitos a nenhuma limitação em sua capacidade de reger sua pessoa e bens, e os menores que vivenciem alguma das situações enumeradas no CC/2002 5.º. Os absolutamente capazes podem exercer seus direitos pessoalmente, sem necessidade de representante ou assistente; os absolutamente incapazes exercem seus direitos por meio de representantes – pais, tutores, curadores; os relativamente capazes exercem seus direitos assistidos.161

160 José Maria ROSSANI GARCEZ. Arbitragem Nacional e Internacional – progressos recentes, Belo Horizonte: Del Rey, 2007, pp. 46/47.

161 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Código Civil Comentado, 11.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, coment. 6 CC 2.º, p. 293.

Por capacidade de direito (Rechtsfähigkeit) deve-se entender a capacidade inerente a qualquer sujeito de direitos, ou seja, da qualidade daquele que tem personalidade. O exercício desse direito, contudo, é que se efetiva por meio de representante ou assistente.162

A incapacidade civil absoluta, tratada pelo CC/2002 3.o,

marca-se pela impossibilidade plena de o sujeito de direitos, por si próprio, exercer direitos e contrair obrigações, quer em virtude de sua pouca idade (menos de 16 anos), quer em virtude de seu constante ou transitório estado pessoal de privação total de capacidade de desenvolvimento. 163

Nos casos de incapacidade absoluta, impõe-se dar ao absolutamente incapaz o privilégio da representação legal: a) pais quanto aos filhos (CC/2002 1690); b) tutores quanto aos pupilos (CC/2002 1747 I); c) curadores quanto aos curatelados (CC/2002 1781 combinado com 1747 I). Os atos praticados diretamente por pessoas absolutamente incapazes são nulos, à luz do CC/2002 166 I. Para ser válido, o incapaz deve ser representado por seus pais, tutor ou curador.

Já a incapacidade civil relativa, tratada pelo CC/2002 4.o, é

marcada pela pouca idade (mais de 16 anos e menos de 18), enfermidade ou debilidade mental, alcoolismo ou outra situação em que se faça vislumbrar não dispor o sujeito de direito de suficiente discernimento para o exercício pleno de sua capacidade de realizar determinados atos da vida civil. 164

Nos casos de incapacidade relativa, o mecanismo legal que resguarda o exercício de seus direitos é o instituto da assistência, exercida por

162 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Código Civil Comentado, 11.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, coment. 5 CC 2.º, p. 293.

163 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Código Civil Comentado, 11.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, coment. 2 CC 3.º, p. 298.

164 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Código Civil Comentado, 11.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, coment. 2 CC 4.º, p. 300.

quem detém o exercício do poder familiar, da tutela e da curatela (respectivamente CC/2002 1690, 1728 e 1767).

Assim é que, na hipótese de relativa incapacidade, o sujeito de direitos é assistido, e não representado, como o é em caso de incapacidade absoluta. Os atos realizados diretamente por pessoas relativamente incapazes, sem o consentimento do assistente, são anuláveis, consoante preveem os artigos CC/2002 171 I, e CPC/1973 7.o e 8.o.

A propósito do tema, impõe-se analisar o Estatuto do Deficiente, editado recentemente pela Lei 13.146 de 2015. Conforme disposição expressa de seu artigo 84, o aludido dipoma legal confere à pessoa com deficiência “o direito de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”. Muito embora ressalve, no parágrafo primeiro do mencionado dispositivo legal, que a pessoa com deficiência será submetida à curatela, a lei não distingue as diferentes formas de deficiência para fins de atribuição de igualdade de capacidade de de exercício de direitos.

Em verdade, em seu artigo 2.o, a lei define pessoa com

deficiência como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,

intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Ora, por certo que a deficiência física e sensorial não trazem ao sujeito de direitos limitações ao exercício dos atos da vida civil como a deficiência mental e intelectual trazem.

Dessa forma, data maxima venia, entendemos que a pessoa com deficiência deve exprimir sua vontade por meio de seu representante legal – seja por meio da representação, seja por meio da assistência – à luz do que dispõe

os CC/2002 3.o, incisos II e III e 4.o, incisos II e III, sendo certo que a vontade

expressada pelo representante legal é a sua própria.165

Antes do advento da Lei 13.129/2015, uma das indagações mais comuns era a respeito da possibilidade de Estados ou entidades públicas submeterem seus conflitos à arbitragem, e a doutrina já se manifestava pela capacidade de celebração da convenção de arbitragem pela administração pública.166

Em alguns sistemas legais, entidades públicas remanescem proibidas de escolher a arbitragem como forma alternativa de solução de controvérsias (ao menos os conflitos domésticos – às vezes, podem levar para a arbitragem conflitos internacionais).

O CC Francês 2060, prevê, por exemplo, que disputas envolvendo estabelecimentos públicos não podem ser arbitráveis.

O CPC Belga 1676 § 2.o estabelece regra similar, ao excluir

as entidades de direito público da autorização para instituir arbitragem.

Considerando-se que a instituição do juízo arbitral pressupõe a disponibilidade do direito, não podem instaurar processo arbitral aqueles que tenham apenas poderes de administração. Assim, por exemplo, o inventariante do espólio e o síndico do condomínio só podem submeter demanda a julgamento arbitral caso haja autorização necessária.167

A autorização de que se trata depende da conformação da entidade que deduz sua pretensão no juízo arbitral. Poderá ser judicial, quando os

165 Ludwig ENNECCERUS; Hans-Karl NIPPERDEY. Allgemeiner Teil des Buegerlichen Rechts, vol. I, tomo II, 15.a ed, Tuebingen: J. C. B. Mohr, 1959, § 178, pp. 1087/1088.

166 Selma Maria Ferreira LEMES. Arbitragem na Administração Pública – fundamentos jurídicos e

eficiência econômica, São Paulo: Quartier Latin, 2007, n. 7.3.2, p. 117.

167 Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e processo – um comentário à Lei n. 9307/1996, 3.ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, coment. LArb 1.º, n. 4, p. 37.

interesses de arbitrabilizar o conflito forem do espólio; poderá ser da assembleia de condôminos, quando o interesse for do Condomínio.

Nessas hipóteses, os representados conferem autorização expressa às entidades formais para a celebração da cláusula ou do compromisso arbitral. 168

Assim, podem submeter seus conflitos à arbitragem os entes sem personalidade jurídica, bastando que tenham personalidade judiciaria (capacidade de serem partes em processo judicial), tais como os condomínios, a massa falida, o espólio, a sociedade de fato.

Portanto, ser parte em um processo arbitral é conceito que decorre do plano de direito material, que deverá considerar a capacidade de direito e de exercício da parte.169

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 87-92)