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CAPÍTULO III – CLASS ARBITRATION NO DIREITO ESTRANGEIRO:

III.2 Breve histórico da Large-Scale Arbitration

III.2.1 Class Arbitration

A class arbitration, instituto tipicamente originado no direito norte-americano, é a primeira forma de arbitragem em grande escala, envolvendo um ou mais autores que, valendo-se de sua capacidade representativa, ajuízam ação em nome de um grupo de indivíduos que podem ser identificados ou identificáveis no início da arbitragem.425

423 José Rogério CRUZ E TUCCI. Um veto providencial ao novo Código de Processo Civil!, disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-17/paradoxo-corte-veto-providencial-cpc, acesso em 27..9.2015, às 22h59min.

424 Entendendo, ainda, pela possível violação ao direito constitucional da ação (CF 5.o XXXV), vide: Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Comentários ao Código de Processo Civil,

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, coment. 3 CPC/2015 333 (vetado), p. 192.

425 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 1.12, p. 6.

A class arbitration é processada em base de opt-out, exatamente como a ação judicial norte-americana denominada class action. Alguns atributos usualmente associados à class action (tais como produção de provas, danos punitivos e taxas de contingência) não são elementos essenciais da class

arbitration. 426

A doutrina aponta o precedente Keating v. Superior Court

(Keating), julgado nos anos 80 nos Estados Unidos, como tendo sido o primeiro

caso de class arbitration. Esse caso, contudo, não se desenvolveu a partir da escolha consciente das partes, mas foi resultado de decisão exarada em uma ação judicial, sem que houvesse autonomia das partes para a escolha da forma de solução do conflito.427

O instituto da class arbitration se desenvolveu a partir do descontentamento da comunidade empresarial com o instituto da class action. A reforma processual da class action datada de 1966 criou mais oportunidades para a propositura dessa categoria de ações, o que preocupou sobremaneira a classe empresária que tentou limitar a utilização desse mecanismo.

Quando esses esforços finalmente falharam, as empresas se voltaram para o campo então florescente de resolução alternativa de litígios com a expectativa de que a escolha da arbitragem pudesse eliminar a possibilidade da propositura de ação coletiva, exigindo que todas as reivindicações fossem ouvidas na arbitragem. 428

426 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 1.13, p. 7.

427 Vide, em Elizabeth P. ALLOR. Keating v. Superior Court: Opressive Arbitration Clauses in Adhesion Contracts, in: California Law Review, v. 71, article 13, disponível em: http://scholarship.law.berkeley.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2131&context=californialawreview, acesso em 21.4.2015, às 23h49min.

Sobre o julgado em referência, falaremos adiante.

428 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 1.16, p. 8.

Muito embora essa estratégia parecesse teoricamente possível, dificuldades começaram a aparecer quase que imediatamente. No paradigmático julgamento do caso Keating, a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu que “a perspectiva de uma arbitragem de ação coletiva, apesar de todas as suas

dificuldades, pode oferecer uma solução melhor, mais eficiente e mais justa” do que a

arbitragem bilateral, e poderia ser justificada em casos em que “seria uma grande

injustiça negar-se a oportunidade de um processo coletivo nessas bases”.429

Ao analisar se a class arbitration seria ou não possível, a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu, ao julgar o caso Keating, que:

“a determinação para a realização da arbitragem de uma ação coletiva em

um contexto de adesão poderia ser consideravelmente menos intrusivo sobre os aspectos contratuais da relação. Os membros da coletividade sujeitos à arbitragem da ação coletiva seriam todas as partes de um contrato com a parte contra a qual seus pedidos foram estipulados; cada um desses contratos conteria substancialmente a mesma disposição sobre arbitragem; e se qualquer um dos membros da coletividade ficasse descontente com o representante dessa coletividade, ou com a escolha do árbitro, ou por qualquer outro motivo preferisse realizar uma arbitragem individual, poderiam optar por sair e fazê-lo. Além disso, os interesses da justiça que teriam sido servidos a decisão da arbitragem de uma ação coletiva, provavelmente são muito mais significativos em alguns casos do que os interesses que [31 Cal.3d 613] presume-se justificam a consolidação. É pouco provável que a Legislatura Estadual, ao aprovar a emenda da Lei de Arbitragem autorizando a consolidação dos processos arbitrais, tenha tentado impedir os juízes de ordenar a arbitragem de uma ação coletiva em um caso apropriado. Concluímos que um juízo tem autoridade para tanto”.430

429 No original: “If the alternative in a case of this sort is to force hundreds of individual franchisees

each to litigate its cause with Southland in a separate arbitral forum, then the prospect of classwide arbitration, for all its difficulties, may offer a better, more efficient, and fairer solution. Where that is so, and gross unfairness would result from the denial of opportunity to proceed on a classwide basis, then an order structuring arbitration on that basis would be justified”.

430 No original: “In these respects, an order for classwide arbitration in an adhesion context would

call for considerably less intrusion upon the contractual aspects of the relationship. The members of a class subject to classwide arbitration would all be parties to an agreement with the party against

O julgamento de Keating permitiu aos tribunais estaduais norte-americanos a utilização da class arbitration, tendo, contudo, alguns estados se negado a adotar o instituto.431

O caso Green Tree Financial Corporation v. Bazzle

(Bazzle) pode ser considerado um marco na evolução do instituto da class arbitration. Até então, o desenvolvimento da class arbitration se limitava a debates

sobre a possibilidade ou não de decisão judicial determinando a reunião de procedimentos de classe mesmo diante da objeção de uma das partes.432

Bazzle superou essa discussão ao declarar a aplicabilidade

do princípio Kompetenz-Kompetenz, atribuindo ao árbitro – não aos juízes – a competência para declarar sua própria competência para determinar a conveniência ou não da reunião de determinadas demandas, tornando-a coletiva mesmo com a expressa objeção inserta em acordo de partes ausentes – membros da classe que se pretende representar. 433

O referido julgamento foi tão emblemático que provocou a edição de normas procedimentais pela AAA, tendo, ainda, embasado a ideia de que a class arbitration poderia surgir em casos envolvendo tanto o consentimento expresso como o tácito sobre a arbitrabilidade do litígio.

whom their claim is asserted; each of those agreements would contain substantially the same arbitration provision; and if any of the members of the class were dissatisfied with the class representative, or with the choice of arbitrator, or for any other reason would prefer to arbitrate on their own, they would be free to opt out and do so. Moreover, the interests of justice that would be served by ordering classwide arbitration are likely to be even more substantial in some cases than the interests that [31 Cal.3d 613] are thought to justify consolidation. It is unlikely that the state Legislature in adopting the amendment to the Arbitration Act authorizing consolidation of arbitration proceedings, intended to preclude a court from ordering classwide arbitration in an appropriate case. We conclude that a court is not without authority to do so”.

431 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 1.19, p. 9.

432 Sobre o tema, vide Carole J. BUCKNER. Due Process in Class Arbitration, 58 Florida Law review 185, 2006. Disponível em: http://www.floridalawreview.com/2010/carole-j-buckner-due-process-in- class-arbitration/, acesso em 21.4.2015, às 16h30min.

433 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 1.20, p. 10.

Esse ponto a respeito da consensualidade da convenção de arbitragem decorre do fato de que, no caso Bazzle, a Suprema Corte Norte- Americana permitiu a remessa de demanda coletiva ao tribunal arbitral mesmo sem expressa autorização nesse sentido, donde se pode concluir que a Corte entendeu que o consentimento implícito bastava para justificar a arbitrabilidade de demanda coletiva.434

O precedente Bazzle permitiu às partes e aos tribunais a utilização da class arbitration como método alternativo de solução de conflito coletivo, havendo dados oficiais da AAA de que foram instituídas mais de 300 (trezentas) class arbitraiton entre 2003 e 2012.435

Muito embora se esperasse que o instituto da class arbitration fosse seguir o caminho evolutivo traçado com o julgamento de Bazzle, verificou-se mudança radical no entendimento da Suprema Corte no julgamento de casos posteriores àquele.

O primeiro deles foi Stolt Nielsen S/A v. AnimalFeeds

International Corporation (Stolt Nielsen), julgado em 2010. Depois, houve o

julgamento de outro caso que mudou o curso do entendimento anterior da Suprema Corte: AT&T Mobility LLC v. Concepcion (Concepcion), julgado em 2011.

434 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 1.21/22, pp. 11/12.

435 Confira-se em:

https://www.adr.org/aaa/faces/services/disputeresolutionservices/casedocket?_afrLoop=12173807 9906360&_afrWindowMode=0&_afrWindowId=bfkbjzws4_1, acesso em 21.7.2015, às 21h04min.

A doutrina norte-americana entende que o julgamento desses dois casos acabou por restringir o escopo e a utilidade da class arbitration, quer pela limitação das circunstâncias em que o tribunal arbitral pode processar e julgar uma demanda coletiva quando há convenção de arbitragem ambígua ou lacunosa a esse respeito (caso Stolt Nielsen), quer pela ampliação das oportunidades em que as partes podem proibir a class arbitration por meio de renúncia expressa à sua utilização (caso Concepcion).436

Não obstante, o instituto da class arbitration está em voga nos Estados Unidos, tem causado acalorados debates doutrinários, tem sido matéria frequentemente levada a julgamento pela Suprema Corte norte-americana e gerado a prolação de decisões em sentidos opostos pelos tribunais estaduais, o que indica ser instituto ainda em construção naquele país.

No Canadá, houve duas decisões paradigmáticas proferidas pela Suprema Corte: Dell Computer Corporation v. Union des Consommateurs (Dell), julgado em 2007 e Seidel v. Telus Communications Incorporation (Seidel), julgado em 2011. Muito embora ainda não tenha havido efetivamente a instauração de class arbitration no Canadá, pode-se afirmar que a Suprema Corte Canadense considerou possível o desenvolvimento do instituto no sistema jurídico do país.

Adiante, cada um dos julgados a que se faz referência é tratado com aprofundamento fático, a partir do relato dos casos, e as bases jurídicas adotadas pelos julgadores contextualizadas no direito brasileiro.

Não há um conjunto de regras específicas que regulem a

class arbitration e geralmente se aplicam as regras gerais de arbitragem para tais

procedimentos.437 É o tribunal arbitral que deve se pronunciar sobre o tema.

436 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 1.24, pp. 12/13.

437 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 2.30, p. 40.

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 183-189)