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Cláusula compromissória

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 66-79)

CAPÍTULO I – A NATUREZA JURISDICIONAL DA ARBITRAGEM E A

I.6 A consensualidade como mecanismo que atribui poder decisório ao árbitro

I.6.1.1 Cláusula compromissória

Com a ratificação do protocolo de Genebra, em 1932, a legislação brasileira passou a regulamentar a cláusula compromissória, mas esse instituto não era utilizado porque a Poder Judiciário não lhe garantia eficácia.107

Antes do advento da LArb, entendia-se que a cláusula compromissória tinha natureza de pré-contrato. Denominado pacto de contrahendo na Convenção de Genebra, a cláusula compromissória era mera promessa, para cujo aperfeiçoamento era requisito necessário a entabulação de novo e especial acordo entre as partes.

Posteriormente, com a manifestação de CLÓVIS BEVILÁQUA

sobre a validade da cláusula compromissória,108 a doutrina e a jurisprudência

passaram a imprimir eficácia jurídica a essa disposição contratual.

Com a entrada em vigor da LArb, esse entendimento foi superado, porquanto a cláusula compromissória passou a ser vinculante para as partes, sendo, inclusive, permitida a sua execução específica.

Pelo que estabelece o LArb 4.º, a cláusula compromissória (ou cláusula arbitral) é a convenção mediante a qual as partes, em um contrato, se comprometem a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

107 Pedro B. MARTINS, Selma F. LEMES e Carlos A. CARMONA. Aspectos Fundamentais da Lei de

Arbitragem, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 209.

108 Clóvis BEVILÁQUA. Parecer sobre o Protocolo de Genebra de 1923 - cláusulas de arbitramento comercial, in: Revista de Mediação e Arbitragem, v. IX, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pp. 315 e ss.

A cláusula compromissória é negócio jurídico de direito privado, celebrado como pacto adjeto dentro de outro contrato, entre pessoas capazes, tendo por objeto direito disponível, por intermédio do qual as partes se comprometem a, no futuro, instituir a arbitragem. A obrigação que as partes pactuam por meio da cláusula compromissória é a de fazer.109

Ao firmarem a cláusula compromissória, os contratantes concordam com a submissão de eventual conflito à justiça privada, não mais podendo arrepender-se ou reverter a questão, unilateralmente, à jurisdição estatal. Surgindo o conflito, cabe às partes instituir a arbitragem, seja de boa-fé, e em estrito cumprimento do contrato, com a elaboração e a assinatura do compromisso, ou através da execução da cláusula compromissória.110

Por meio da execução da cláusula compromissória, a negativa da parte a se submeter à arbitragem, tal como convencionado pela cláusula compromissória, pode ser substituída pela prolação de sentença judicial, consoante prevê o LArb 7.º, cujo objeto é determinar, forçadamente, a instituição de procedimento arbitral, dando cumprimento à declaração anterior da vontade das partes. Esse tema será estudado de forma mais aprofundada em seguida.

Caso uma das partes despreze a convenção de arbitragem previamente instituída e proponha ação judicial para discutir a mesma matéria convencionada a ser submetida à arbitragem, antes de discutir o mérito, deve o réu alegar a existência de convenção de arbitragem, que desloca a competência para o processamento e o julgamento da causa à arbitragem (CPC/1973 301 IX e CPC/2015 337 X).

109 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Código de Processo Civil Comentado e

Legislação Extravagante, 14.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, coment. 1 LArb 4.º, p.

1826.

110 Pedro B. MARTINS, Selma F. LEMES e Carlos A. CARMONA. Aspectos Fundamentais da Lei de

a) Cláusula compromissória cheia

O LArb 5.º estabelece que “Reportando-se as partes, na cláusula

compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem”. O dispositivo legal ora transcrito alude às cláusulas cheias.

As partes podem dispor livremente sobre arbitragem: forma, lei aplicável, como serão escolhidos os árbitros, se pode haver decisão por equidade, se haverá confidencialidade etc. Essa hipótese revela que a cláusula compromissória é cheia, isto é, contém elementos que bastam para esgotar todas as possibilidades para a instalação da arbitragem.111

As cláusulas cheias comportam duas espécies: as cláusulas cheias remissivas e as cláusulas cheias dispositivas. As remissivas vêm expressas na primeira parte do dispositivo legal e as dispositivas, na segunda parte.112

Ambas as espécies de cláusula cheia comportam execução específica e autorizam a instituição de arbitragem sem que a parte demandante passe pelo procedimento judicial estabelecido no LArb 7.º.

Mas, para isso, e mesmo para ser cunhada de cláusula cheia e se valer de seus efeitos mais diretos, é imperioso que o Regulamento do órgão arbitral, seja institucional ou entidade especializada, contemple a faculdade de se instituir a arbitragem mesmo ausente a outra parte (cláusula cheia remissiva) ou

111 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Código de Processo Civil Comentado e

Legislação Extravagante, 14.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, coment. 2 LArb 4.º, p.

1826.

112 Pedro Antonio BATISTA MARTINS. Apontamentos sobre a Lei da Arbitragem, Rio de Janeiro: Forense, 2008, coment. LArb 5.º, p. 106.

que tal mecanismo venha contemplado no bojo da própria cláusula (cláusula cheia dispositiva).113

Há cláusulas que somente na aparência são cheias, pois podem estabelecer regras de difícil cumprimento pelo tribunal arbitral.114

b) Cláusula compromissória vazia

O LArb 6.º estabelece que:

“Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte

interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.

Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7.º desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa.”

O dispositivo legal supra transcrito alude às cláusulas vazias. A cláusula vazia (clause blanche) é aquela que não contém qualquer indicação, diretamente ou por referência, a regras de arbitragem ou a uma instituição arbitral, tampouco sobre como devem ser indicados os árbitros.115

113 Pedro Antonio BATISTA MARTINS. Apontamentos sobre a Lei da Arbitragem, Rio de Janeiro: Forense, 2008, coment. LArb 5.º, p. 106.

Exemplo de cláusula compromissória cheia está disponível no sítio eletrônico do Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil Canadá: http://ccbc.org.br/Materia/1070/modelo-de-cl%C3%A1usula

114 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Código de Processo Civil Comentado e

Legislação Extravagante, 14.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, coment. 4 LArb 4.º, p.

1826.

115 Phillippe FOUCHARD, Emmanuel GAILLARD, Berthold GOLDMAN. On International Commerce

Quando a cláusula é vazia, isto é, não contém elementos mínimos para a instauração adequada da arbitragem e do tribunal, essa lacuna terá de ser preenchida pelas próprias partes ou, se isto não ocorrer, frustra-se a arbitragem e as partes deverão socorrer-se do Poder Judiciário para dirimir a controvérsia. A cláusula compromissória vazia deve ser evitada.116

A LArb 6.º preenche a lacuna da cláusula arbitral que não contenha as indicações para a nomeação de árbitros a fim de instituir-se o juízo arbitral. Para solucionar o impasse, determina a lei que a parte interessada notificará o adversário acerca de seu interesse de ver instaurado o processo arbitral por meio de qualquer forma de comunicação que comprove o recebimento.117

A parte final do caput do LArb 6.º menciona como finalidade da troca de correspondências a celebração do compromisso arbitral. Em verdade, o compromisso arbitral não é condição sine qua non para que se dê a instauração de arbitragem: basta que as partes indiquem árbitro ou árbitros para que, em aceitando o encargo, possam iniciar o processo arbitral.

Como exposto, é de se evitar a elaboração de cláusula compromissória vazia, ou seja, sem a especificação da forma de indicação dos árbitros, porquanto tais cláusulas tenderão a gerar a situação que acabará levando os litigantes ao Poder Judiciário, nos termos da LArb 7.º.118

Assim como ambas as espécies de cláusula cheia, a cláusula vazia igualmente comporta execução específica. Mas há uma relevante diferença: a cláusula vazia, ao reverso da cheia, não autoriza a instituição de arbitragem sem que a parte demandante passe pelo procedimento judicial estabelecido no LArb 7.º.

116 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Código de Processo Civil Comentado e

Legislação Extravagante, 14.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, coment. 3 LArb 4.º, p.

1826.

117 Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo – um comentário à Lei n. 9307/1996, 3.ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, coment. LArb 6.º, n. 1, pp. 143/144.

118 Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo – um comentário à Lei n. 9307/1996, 3.ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, coment. LArb 5.º, n. 6, p. 138.

c) Cláusula compromissória por referência

Quando se trata de extensão da convenção de arbitragem, há que se analisar a categoria das convenções de arbitragem por referência, muito comuns no comércio internacional e que ocorrem num contexto de vários documentos negociais preexistentes. Nesse caso, há a declaração de vontade para arbitrar de forma remissiva a uma cláusula de outro documento.119

A convenção arbitral por referência ocorre quando as partes acordam em submeter os litígios à arbitragem, mas em lugar de especificar os termos em que a mesma se processará, designadamente o objeto do litígio, número de árbitros, lugar da arbitragem, etc., remetem essas questões para uma outra convenção de arbitragem de um outro contrato.120

No comércio internacional, frequentemente as partes decidem não detalhar todos os termos do contrato que celebram. Em vez disso, costumam referir-se a documentos preexistentes, tais como contratos anteriores celebrados pelas próprias partes. Quando os documentos a que fazem referência contém cláusula arbitral, a questão que se coloca é se a referência àquele documento vincula as partes à cláusula arbitral. A cláusula arbitral vincula apenas as partes que com ela concordaram.121

Se não houver comprovação de uma cláusula compromissória expressa, o tribunal arbitral e o tribunal estatal poderão levar em consideração a conduta da parte para verificar se é possível entender que houve consentimento implícito das partes para a escolha da arbitragem como forma alternativa de solução de controvérsias.122

119 Luis Fernando GUERRERO. Convenção de Arbitragem e Processo Arbitral, São Paulo: Atlas, 2009, n. 3.1.5, p. 146.

120 Manuel Pereira BARROCAS. Manual de Arbitragem, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, n. 265, p. 231.

121 Philippe FOUCHARD, Emmanuel GAILLARD, Berthold GOLDMAN. International Commercial

Arbitration, Boston: Kluwer Law International, 1999, § 2.º, C.491, p. 272.

122 Bernard HANOTIAU. Complex Arbitration - multiparty, multicontract, multi-issue and class actions, The Hague: Kluwer Law International, 2005, n. 72, p. 36.

A interpretação do consentimento manifestado para a utilização em convenções de arbitragem por referência deve ser feita de acordo com o postulado da boa-fé, já que a decisão das partes de fazer referência a determinado contrato como parte integrante de outro deve gerar a presunção relativa de que as partes assim decidiram.123

Pode estar inserta no instrumento do contrato principal ou em instrumento em apartado, mas sempre deve dizer respeito a outro contrato, isto é, fazer referência ao contrato principal.124

Especificamente com relação à possibilidade de celebração de cláusula compromissória por referência, a LArb 4.º § 1.º não deixa dúvida: “A

cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira”.

d) Cláusula compromissória patológica

O termo cláusula patológica é creditado a FRÉDÉRIC EISEMANN.125 Trata-se de cláusula compromissória que contém vício suscetível de

perturbar o bom andamento da arbitragem.126

Uma cláusula compromissória pode ser patológica por diversas razões: pode estar inexata ou incorreta a referência à instituição onde será processada a arbitragem; a cláusula pode parecer permitir que a escolha da arbitragem seja opcional; pode conter mecanismo defeituoso quanto ao

123 Luis Fernando GUERRERO. Convenção de Arbitragem e Processo Arbitral, São Paulo: Atlas, 2009, n. 3.1.5, p. 147.

124 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Código de Processo Civil Comentado e

Legislação Extravagante, 14.ª ed., São Paulo: RT, 2014, coment. 5 LArb 4.º, p. 1826.

125 Frédéric EISEMANN. La Clause d’Arbitrage Pathologique, in: Commercial Arbitration Essays in

Memoriam Eugenio Minoli, Torino: Unione Tipografico-editrice Torinese, 1974, pp. 129-161.

126 Phillippe FOUCHARD, Emmanuel GAILLARD, Berthold GOLDMAN. On International Commerce

apontamento de árbitros, ou, ainda, pode apontar árbitros que já morreram na ocasião do surgimento da disputa.

Em resumo: erros, incon gruências, ambiguidades e imprecisões na cláusula compromissória ensejam a dificuldade de sua efetivação.

Para FRÉDÉRIC EISEMANN é patológica toda cláusula que não

preencher uma das quatro funções que ele considera fundamentais: a) produzir efeitos obrigatórios sobre as partes; b) descartar a intervenção de tribunais estatais antes da prolação da sentença; c) conferir aos árbitros o poder de regular os litígios e d) permitir a instauração de procedimento apto a conduzir as melhores condições para a prolação de sentença arbitral eficaz.127

Nesses casos, em que não se afigura possível se extrair da cláusula a certeza de que os contratantes elegeram a arbitragem como solução alternativa de controvérsias, parece mais adequado ser a cláusula submetida ao reexame das partes ou à revisão judicial para averiguar a existência da convenção de arbitragem.128

Isso porque o desenvolvimento da arbitragem nessas situações pode ser inútil, na medida em que a sentença estará inexoravelmente exposta à invalidação, podendo-se, inclusive, invocar o direito de ação, garantia fundamental do cidadão prevista na CF 5.º XXXV.129

Um exemplo de cláusula compromissória patológica seria a cláusula que fixa como aplicáveis as regras da Câmara de Comércio Internacional (CCI) mas para serem aplicadas por instituição arbitral brasileira.

127 Frédéric EISEMANN. La Clause d’Arbitrage Pathologique, in: Commercial Arbitration Essays in

Memoriam Eugenio Minoli, Torino: Unione Tipografico-editrice Torinese, 1974, p. 129.

128 Phillippe FOUCHARD, Emmanuel GAILLARD, Berthold GOLDMAN. On International Commerce

Arbitration, The Hague: Kluwer Law, 1999, n. 484, p. 263.

129 Francisco JoséCAHALI. Curso de Arbitragem, 3.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, n. 6.2.3, pp. 133/134.

A patologia, nesse caso, está no fato de essas regras de grande prestígio internacional e bastante consolidadas terem sido desenvolvidas para uma estrutura única da CCI e que não encontra similar no Brasil. A inadequação das regras CCI à estrutura das câmaras brasileiras é a causa da patologia.130

D’outro lado, ainda que haja alguma imprecisão na cláusula compromissória, compete aos árbitros interpretá-la (princípio Kompetenz-

Kompetenz). Detém os árbitros, portanto, plena autonomia para instituir a

arbitragem, caso assim entendam possível.131

e) Cláusula compromissória escalonada

Com base em experiências estrangeiras, as partes, por vezes, escolhem a utilização da “cláusula Med-Arb”, modalidade de solução de conflito que inclui tanto a mediação como a arbitragem. 132

Por meio dessa metodologia, surgido um conflito, um terceiro neutro agirá como mediador e, não sendo o litígio resolvido dessa forma, este terceiro passará a atuar como árbitro.133

A previsão da cláusula Med-Arb, em regra, recomenda a submissão das partes à conciliação ou mediação prévia, porém algumas indicam a necessidade de tentativa de autocomposição como requisito à instauração do procedimento arbitral, ou seja, como condição para que a arbitragem seja iniciada.134

130 José Emilio NUNES PINTO. “Cláusulas arbitrais patológicas: esse mal tem cura”, disponível em:

http://www.ccbc.org.br/arbitragem.asp?subcategoria=artigos, acesso em 1.º.2.2015, às 11h53min. 131 Francisco José CAHALI. Curso de Arbitragem, 3.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, n. 6.2.3, pp. 135/137.

132 Sobre o tema, vide: Fernanda Rocha Lourenço LEVY. Cláusulas escalonadas – a mediação

comercial no contexto da arbitragem, São Paulo: Saraiva, 2013.

133 José Maria ROSSANI GARCEZ. Arbitragem Nacional e Internacional – progressos recentes, Belo Horizonte: Del Rey, 2007, n. 7, p. 194.

Uma das grandes vantagens do acúmulo de funções como mediador e árbitro na Med-Arb é permitir maior eficiência em relação a cada um dos métodos "puros" utilizados separadamente uma vez que o mediador já teria grande conhecimento sobre as partes e a causa, não sendo necessário que outro terceiro, árbitro, passasse a adquirir novamente todas as informações.135

Há, contudo, desvantagens à manutenção de uma mesma pessoa para desempenhar funções de mediador e, num momento posterior, de árbitro.

Por exemplo, pensando na arbitragem futura, as partes poderiam se valer do processo da mediação para tentar convencer o mediador de seu ponto de vista, em lugar de realmente tentar alcançar uma solução para ambas, o que descaracterizaria a mediação, transformando-a na prática em uma arbitragem "pura".

Durante o processo de negociação, as partes devem ter a tranquilidade de revelar ao mediador ou conciliador os detalhes do contrato e suas expectativas de solução de conflito. A mera possibilidade de o mediador poder transformar-se em árbitro pode gerar desconforto às partes, que não aproveitarão do método autocompositivo.136

Diante dos inegáveis benefícios do alcance consensual da solução do litígio, o ideal é implementar, na convenção de arbitragem, a recomendação da utilização da cláusula Med-Arb, prevendo que, na eventualidade da realização da mediação, o mediador não se confunda com os árbitros da eventual futura arbitragem.

135 Shirly E. Vogelfang SZACHNOWICz. Processos Híbridos - a utilização prática da cláusula Med-Arb, in: Revista de Arbitragem e Mediação, v. II, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 109. 136 Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo – um comentário à Lei n. 9307/1996, 3.ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, coment. LArb 1.º, n. 2, pp. 34.

A aplicação dessa cláusula poderá trazer vantagens de naturezas diversas às partes. Por um lado, as incentiva ao alcance de solução à controvérsia de maneira consensual por meio da mediação. D’outro lado, lhes oferece a garantia de que, em não havendo a resolução da disputa, haverá uma solução final por meio da instituição da arbitragem e, consequentemente, da prolação da sentença arbitral.

f) Cláusula combinada – coexistência das cláusulas compromissória e de eleição de foro

São denominadas cláusulas combinadas as cláusulas de eleição de foro e de arbitragem, inseridas no mesmo contrato.137

A cláusula compromissória obriga as partes a direcionar conflitos ao juízo arbitral, ao passo que a eleição de foro identifica a competência territorial do juízo estatal para tratar dos conflitos emergentes do contrato, quando direcionados ao poder judiciário.138

Embora pareça conflitante a escolha da solução arbitral, ao mesmo tempo que se define foro competente para processar eventual demanda decorrente do contrato, em um mesmo contrato podem conviver em harmonia a cláusula compromissória e a cláusula de eleição de foro.

Uma maneira de redação dessa cláusula seria a atribuição de competência genérica à arbitragem e a identificação precisa das matérias que as partes escolhem levar à jurisdição estatal.139

Portanto, a convenção de arbitragem, frequentemente sob a forma de cláusula compromissória, pode desdobrar-se dessa maneira, prevendo

137 Phillippe FOUCHARD, Emmanuel GAILLARD, Berthold GOLDMAN. On International Commerce

Arbitration, The Hague: Kluwer Law, 1999, n. 487, p. 268.

138 Francisco José CAHALI. Curso de Arbitragem, 3.ª ed., São Paulo: RT, 2013, n. 6.6, p. 155. 139 Phillippe FOUCHARD, Emmanuel GAILLARD, Berthold GOLDMAN. On International Commerce

que certas matérias devam ser resolvidas por arbitragem e outras matérias, pela jurisdição estatal.140

Outra maneira é prever o oposto: a convenção arbitral pode ser restrita a uma ou algumas questões do contrato, sendo as demais não abarcadas pela forma alternativa de solução de conflitos, devendo, portanto, ser submetidas ao Poder Judiciário.

Em verdade, os problemas mais comuns desse tipo de cláusulas combinadas ou fracionadas se revelam nas hipóteses em que as partes indistintamente dispõem de cláusula compromissória e também de cláusula de eleição de foro e não efetuam as distinções de competência.141

Procedendo-se à distinção de competência de acordo com a matéria que as partes escolhem submeter à arbitragem e a matéria que as partes escolhem submeter à jurisdição estatal, configura-se plenamente harmônica a convivência de ambas as cláusulas no contrato.

Por isso é que, se as partes optarem, portanto, por celebrar cláusula compromissória e cláusula de eleição de foro no contrato, é recomendável que deixem claro a competência exclusiva do Poder Judiciário para as medidas preparatórias da arbitragem, por exemplo.142

A cláusula de eleição de foro vincula as partes para providências judiciais que apoiam – não excluem – a arbitragem, sejam aquelas que antecedem o juízo arbitral, sejam aquelas que lhe são subsequentes. Mas a mesma cláusula de eleição de foro não vincula os árbitros no que tange às

140 Manuel Pereira BARROCAS. Manual de Arbitragem, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, n. 262, p. 230.

141 Selma Maria Ferreira LEMES. Cláusulas Combinadas ou Fracionadas - arbitragem e eleição de foro, in: Revista do Advogado, n. 119, ano XXXIII, São Paulo: Associação dos Advogados de São

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 66-79)