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Construção conceitual da arbitragem e notas determinantes decorrentes

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 51-55)

CAPÍTULO I – A NATUREZA JURISDICIONAL DA ARBITRAGEM E A

I.4 Construção conceitual da arbitragem e notas determinantes decorrentes

A arbitragem constitui modo de resolução de controvérsias entre duas ou mais partes, efetuada por uma ou mais pessoas que detém poderes para esse efeito reconhecidos por lei, mas atribuídos por convenção das partes.63

É o mecanismo pelo qual a resolução de uma questão, que é de interesse de uma ou mais pessoas, é confiada a uma ou mais pessoas – o árbitro ou os árbitros – que recebem seus poderes a partir de um acordo privado, não de autoridades de um Estado, e que devem processar e julgar o caso com base no referido acordo.64

61 Pedro B. MARTINS, Selma F. LEMES e Carlos A. CARMONA. Aspectos Fundamentais da Lei de

Arbitragem, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 125.

62 Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria de ANDRADE NERY. Código de Processo Civil e Legislação

Extravagantes, 14.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, coment. 7 LArb 4.º, pp. 1826/1827.

63 Manuel Pereira BARROCAS. Manual de Arbitragem, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, n. 1, p. 33. 64 Phillippe FOUCHARD, Emmanuel GAILLARD, Berthold GOLDMAN. On International Commerce

Assim, a arbitragem é instituto pelo qual um terceiro resolve a disputa que opõem duas ou mais partes, no exercício da missão jurisdicional que lhe foi confiada por elas.65

Sob o ponto de vista funcional e procedimental, é uma forma de satisfazer a finalidade para que existe, qual seja, resolver litígios, e não mera técnica.

A arbitragem caracteriza-se, portanto, como modo extrajudicial de solução de conflitos em que as partes, de comum acordo, submetem a questão litigiosa a uma terceira pessoa, ou várias pessoas, que constituirão o tribunal arbitral.66 Essa constituição do tribunal arbitral é ad hoc, isto

é, apenas para resolver a questão litigiosa que as partes apresentam ao Tribunal Arbitral e o autorizam a decidir, especificamente, aquele determinado conflito.

Existem, assim, dois modos de serem resolvidos os conflitos de interesses intersubjetivos, por intermédio da jurisdição: pelo juiz togado, estatal, investido na forma da lei, agente político do Estado, isto é, o Poder Judiciário e pelo

juízo arbitral, órgão privado instituído e investido de jurisdição pelas partes pela

convenção de arbitragem.

A definição de arbitragem desafia quatro elementos essenciais: sua função jurisdicional (resolução de litígios); a fonte de que resulta (a convenção da arbitragem); os titulares da função arbitral (os árbitros) e o reconhecimento legal da arbitragem.

A controvérsia que origina a instituição de arbitragem seria qualquer divergência que tenham entre si as partes a respeito de como deviam se

65 Charles JARROSSON. La Notion d’Arbitrage, Paris: LGDJ, 1987, n. 784, p. 372.

66 Selma Maria Ferreira LEMES. Arbitragem na Administração Pública – fundamentos jurídicos e

comportar e como, de fato, se comportaram em relação aos vínculos obrigacionais que decorrem das posições jurídicas que vivenciam.

A resolução da controvérsia como finalidade da arbitragem leva à aspiração de concluir ser necessária uma definição de qual seria a conduta devida pelas partes, e de relação jurídica subjacente como fonte de direitos e obrigações, suscetível de se impor às partes.67

Trata-se, portanto, de mecanismo privado de solução de litígios por meio do qual um terceiro, escolhido pelas partes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes.68 O emprego da arbitragem pode ser

agrupado segundo cinco espécies de litígios, de acordo com a natureza das partes:69

a) litígio entre Estados: a arbitragem será regida por normas de Direito

Internacional Público tendo por fonte normativa principal os tratados internacionais;

b) litígio entre Estado e particular nacional: hipótese em que o Estado

celebra contrato com particular sujeito à jurisdição estatal e o instrumento prevê o uso da arbitragem, aplicando-se, como regra, a lei material do Estado;

c) litígio entre Estado e particular estrangeiro: hipótese em que o Estado

contrata com o particular estrangeiro, celebrando contrato internacional, e o instrumento prevê o emprego de arbitragem, aplicando-se a lei material previamente estabelecida entre as partes;

67 Antonio Hernandes-Gil Álvarez CIENFUEGOS. Disposciones Generales, in: Alberto de Martín Muñoz e Santiago Hierro Anibarro (coord.). Comentario a la Ley de Arbitraje, Madrid-Barcelona: Marcial Pons, 2006, p. 56.

68 Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo – um comentário à Lei n. 9307/1996, 3.ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, coment. LArb 1.º, n. 1, p. 31.

d) litígio entre particulares sujeitos a ordenamentos jurídicos diversos:

nesse caso, o contrato guarda correlação com mais de um ordenamento jurídico, devendo a controvérsia ser submetida a normas materiais e procedimentais previamente escolhidas pelas partes; trata-se de arbitragem de Direito Internacional Privado;

e) litígio entre particulares sujeitos ao mesmo ordenamento jurídico: a

arbitragem aplica-se a controvérsias entre partes sujeitas a um único sistema jurídico, o nacional. Embora sujeitas ao sistema jurídico nacional, as partes, ao se submeterem à arbitragem interna, podem escolher o direito que será aplicável à controvérsia.

A esta lista poderíamos adicionar outra espécie de litígio, qual seja, a lide estabelecida entre órgão público colegitimado à propositura da ação civil pública e interessado (que pode ser um particular ou não), a denominada class

arbitration, objeto desta tese. O tema será tratado adiante.

Assim, as controvérsias entre Estados ou entre esses e organizações internacionais são regidos pelo direito internacional público e, assim, resolvidas por algumas das formas de solução de litígios consagradas na Carta da ONU, entre elas, a arbitragem. A arbitragem entre Estados desenvolve-se pela aplicação de normas de Direito Internacional Público, que prevêem sua instituição mediante a assinatura de compromisso arbitral específico para dirimir litígio determinado sob procedimentos e métodos nele estabelecidos pelas partes.70

A arbitragem envolvendo particulares sujeitos a ordens jurídicas distintas será sempre subordinada a uma lei nacional, o que não lhe retira o caráter internacional, pois se destina a resolver litígio internacional, em que mais de uma ordem jurídica está envolvida, seja por se encontrarem as partes em países distintos, seja porque são nacionais de Estados diversos, seja, ainda, porque a relação jurídica controvertida tenha nascido em um país e deva ser executado em

70 José Carlos de MAGALHÃES. O Estado na Arbitragem Privada, São Paulo: Max Limonad, 1988, pp. 31/32.

outro. Nesses casos, a arbitragem é internacional da mesma forma como o é o Direito Internacional Privado.71

A arbitragem é usada para algumas finalidades, tais como a resolução de conflitos e a interpretação de contratos. De fato, a resolução de conflitos constitui a finalidade mais comum da arbitragem, e também a mais procurada. O conflito pode ser sua gênese na interpretação de um contrato celebrado entre as partes. Assim é que a arbitragem pode assumir essa natureza interpretativa, ocasionando a prolação de sentença arbitral que determina um sentido interpretativo para o contrato configurando-se obrigatório para as partes o sentido da interpretação determinado na sentença arbitral.

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 51-55)