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CAPÍTULO III – CLASS ARBITRATION NO DIREITO ESTRANGEIRO:

III.2 Breve histórico da Large-Scale Arbitration

III.2.2 Mass Arbitration

O segundo tipo de arbitragem em grande escala é a mass

arbitration, que foi inaugurada emblematicamente pelo julgamento do caso Abaclat v. Republica da Argentina (Abaclat) que certamente é precedente judicial de

ampla orientação para casos similares que envolvam investimentos em massa.

III.2.2.1 O caso Abaclat v. Republica da Argentina (Abaclat)

Em 4 de agosto de 2011, o ICSID julgou a primeira fase do caso Abaclat v. Republica da Argentina (Abaclat). O Tribunal Arbitral foi composto pelos árbitros PIERRE TERCIER (presidente), GEORGES ABI-SAAB e ALBERT JAN VAN DEN BERG.

Este caso é notável por várias razões. Não apenas porque o tribunal arbitral desenvolveu uma nova forma de arbitragem em grande escala diferente daquela que vinha sendo desenvolvida nos Estados Unidos, mas também porque o tribunal assim agiu apesar do silêncio das normas que regulam o procedimento no que tange às demandas coletivas.438

O caso surgiu a partir do inadimplemento de 100 bilhões de dólares, pela Argentina, de títulos da dívida pública em razão da crise econômica vivenciada pelo país no ano de 2001. Em setembro de 2002, oito grandes bancos italianos formaram uma associação que levou o nome de “Task Force Argentina” (TFA), cujo propósito era representar os interesses de detentores de títulos italianos em negociação com a Argentina. 439

Nos Estados Unidos, a AAA editou regras específicas para a class arbitration, como se verifica a partir da exposição do item III.4.4 desta tese.

438 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 1.30, pp. 16/17.

439 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 2.123/2.132, pp. 77/80.

Depois de alguns anos em negociação, sem que as partes obtivessem êxito, a TFA obteve, de cada um de seus associados, autorização para o ingresso de arbitragem contra a Argentina perange o ICSID. 440

As partes – TFA e Argentina – escolheram o tribunal arbitral e definiram que o procedimento da arbitragem teria duas fases: a primeira, jurisdicional; e a segunda, de mérito. O tribunal arbitral entendeu que o processo “não pode ser comparado às ações coletivas norte-americanas, nas quais um representante

inicia um processo em nome de uma coletividade composta por um número indeterminado de reclamantes não identificados. Na presente arbitragem, o número de Reclamantes está estabelecido, bem como sua identidade”. Em verdade, para o tribunal, caso tratava-se

de “tipo híbrido de ação coletiva, no sentido de que começa como uma ação conjunta, mas

então continua com características similares à ação representativa devido ao grande número de Reclamantes envolvidos”.441

Neste caso, o tribunal entendeu que a ausência de previsão expressa no regulamento não deve ser interpretada como “silêncio qualificado”, ou seja, uma proibição à arbitragem coletiva, mas apenas que tal hipótese não havia sido contemplada quando o regulamento foi editado. Por conta disso, tratando-se de simples lacuna, os árbitros teriam o poder de adaptar o procedimento ali disciplinado às necessidades do caso. 442

No caso Abaclat, a TFA representou os interesses dos investidores no procedimento arbitral e o tribunal entendeu não haver obstáculos para tanto porquanto os associados tinham sido bem informados a respeito dos

440 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 2.123/2.132, pp. 77/80.

441No original: “486. As such, the present proceedings cannot be compared to US class-actions, in

which a representative initiates a proceeding in the name of a class composed of an undetermined number of unidentified claimants. In the present arbitration, the number of Claimants is established and so is their identity. (…)

488. In summary, the present proceedings seem to be a sort of a hybrid kind of collective proceedings, in the sense that it starts as aggregate proceedings, but then continues with features similar to representative proceedings due to the high number of Claimants involved”.

442 André Vasconcelos ROQUE. Arbitragem de direitos coletivos no Brasil: admissibilidade, finalidade

e estrutura. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, 2014, pp. 52/54.

limites a certos direitos processuais na medida em que os Reclamantes tiveram renunciado a seus interesses individuais em favor dos interesses comuns de todo o grupo de Reclamantes, ao passo que a Argentina não poderá apresentar argumentos extensos e detalhados com relação à situação individual de cada um dos Reclamantes,443 sendo certo que as questões seriam examinadas

coletivamente, ou seja, como um grupo.

Para o tribunal, o exame de grupo das ações é aceitável quando as ações apresentadas por um grande número de reclamantes for considerado idêntico ou, pelo menos, suficientemente homogêneo. “A questão é se

as ações dos Reclamantes devem ser consideradas idênticas ou suficientemente homogêneas”.444

No caso concreto, o tribunal entendeu que “a única questão

relevante é se os Reclamantes têm direitos homogêneos de indenização pelo dano homogêneo causado a eles pelas potenciais quebras, por parte da Argentina, de suas obrigações homogêneas nos termos do Tratado Bilateral de Investimento Argentina-Itália (TBI)”.445

443 No original: “536. For this purpose, the Tribunal will firstly examine the implications of the intended

adaptations. These implications are twofold: (i) It will not be possible to treat each Claimant as if he/she was alone and certain issues, such as the existence of an expropriation, will have to be examined collectively, i.e., as a group; and (ii) the implications will likely limit certain of Claimants‘ and Argentina‘s procedural rights to the extent that Claimants have to waive individual interests in favor of common interests of the entire group of Claimants, while Argentina will not be able to bring arguments in full length and detail concerning the individual situation of each of the Claimants”.

444 No original: “540. The Tribunal is of the opinion that group examination of claims is acceptable

where claims raised by a multitude of claimants are to be considered identical or at least sufficiently homogeneous. The question is thus whether Claimants‘ claims are to be considered identical or sufficiently homogeneous”.

445 S. I. STRONG. Class, Mass and Collective Arbitration in National and International Law, Oxford: Oxford University Press, 2013, n. 2.133/2.142, pp. 80/83.

No original: “541. (…) The only relevant question is whether Claimants have homogeneous rights of

compensation for a homogeneous damage caused to them by potential homogeneous breaches by Argentina of homogeneous obligations provided for in the BIT”.

O caso ainda está em trâmite perante a ICSID, mas como o processo foi bifurcado em duas fases, na decisão proferida em 2011, o tribunal decidiu a fase jurisdicional e entendeu que a demanda, que versava sobre direitos de 60 mil investidores individuais representados por uma associação, estava dentro da jurisdição do tribunal arbitral.

No caso Abaclat, ao admitir esse tipo de arbitragem coletiva, o tribunal arbitral concluiu que o processo não era uma class arbitration, mas sim uma “mass” arbitration, porque cada requerente tinha expressa e pessoalmente consentido instituir a arbitragem nos termos do tratado de investimento aplicável ao caso.

No julgamento do caso Abaclat, o tribunal arbitral entendeu que que não há limite válido para determinar o número de reclamações derivadas de direitos individuais homogêneos que podem ser consolidadas em um único processo.

Seria uma negação do devido processo legal se cada requerente potencial contra a Argentina teve de prosseguir um processo individual separado. A ação de massa não é apenas a maneira mais barata e mais eficiente, mas a única maneira de resolução de reivindicações como as do caso Abaclat.

No documento Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes Nery (páginas 189-192)