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ENQUADRAMENTO TEÓRICO

S ER D OCENTE H OJE : Q UESTÕES P ROBLEMATIZANTES DA D OCÊNCIA NO E NSINO S UPERIOR

4. O quarto predicado defendido por Shulman como atributo da profissão prende-se com a existência de uma comunidade profissional responsável, que tem como principais atribuições

1.2. A Especificidade da Actuação Profissional no Espaço da Educação Superior

1.2.3. A Ausência de Formação Específica para o Exercício Profissional Docente

A particularidade do exercício profissional docente no ensino superior é também genericamente marcada pela ausência da exigência de uma preparação específica formal para o ensino enquanto requisito de acesso e progressão, como temos vindo a assinalar. Assim, a legitimidade e capacidade para argumentar e fazer parte das decisões quando não se detém um conjunto de saberes que permitam ao docente invocar o estatuto de perito, ficam seriamente comprometidas.

Reflectindo sobre as questões de legitimação da profissão docente a partir do reconhecimento social de um conhecimento que lhe é próprio e que se adquire através de preparação/formação específica, deparamo-nos com uma situação paradoxal no seio do ensino superior: a condição de entrada na profissão abrange apenas os saberes científicos do campo disciplinar ignorando o conhecimento pedagógico para o exercício da função docente.

Para muitos é urgente repensar a formação dos docentes do ensino superior (Cruz Tomé, 2003; Cunha, 2010; Elton, 2009; Imbernón, 1999a, 2000; Leite & Ramos, 2010; Masetto, 2003; Nuñez, 2001b; Ramsden, 2003, 2004; Villegas-Reimers, 2003; Zabalza, 2004). Temos

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que “caminhar para uma abordagem profissional do ensino no ensino superior” (Ramsden, 2003, p.8), o que para Cruz Tomé (2003) significa caminhar no sentido da profissionalização dos docentes do ensino superior.

Por exemplo Zabalza (2004) refere-se a uma “notável indiferença relativamente à formação

para a docência” (p.25).

Destacamos também as contundentes afirmações de Leite e Ramos (2010):

“A universidade é reconhecida como um lugar, por excelência de formalização de

saberes profissionais, inclusive é lugar de formação profissional de docentes dos ensinos básico e secundário. No entanto, esta instituição de formação aceita, no seu interior, a condição não profissional da docência universitária ao exigir, para o seu exercício, apenas saberes do campo disciplinar” acrescentando ainda que “admitindo que ‘as profissões distinguem-se dos ofícios pelo facto que são professadas, isto é, aprendidas a partir de declarações públicas e não por simples aprendizagem imitativa’ (Bourdoncle, 1991:78) esta situação revela uma contradição que permeia a universidade e que induz a remeter a docência universitária à condição de ofício e não de profissão” (p.33).

Com a mesma voz crítica podemos citar Cunha (2010) que se interroga sobre a forma como a profissão é encarada no ensino superior:

“Contrariando a lógica de legitimação dos títulos profissionais, dos quais a universidade

é guardiã, são eles ‘práticos’ portadores de saberes provenientes do senso comum, desprovidos de teoria e reflexão sistemática. Exercem, como diz Arroyo, ‘uma profissão sem ofício e um ofício sem profissão’” (p.70).

Como tivemos oportunidade de salientar a entrada na carreira docente no espaço do ensino superior, aliada à falta de formação específica para o ensino pode até mesmo significar a o acesso a um patamar de fim de carreira, desde que o candidato reúna os requisitos de grau académico necessários, centrados na habilitação científica de uma dada área disciplinar.

“É paradoxal essa situação. Temos jovens recém-integrantes da carreira universitária,

quase no topo da sua progressividade. Entretanto eles não realizaram estudos próprios ao campo da docência e, em geral, não possuem prática profissional na sua área específica. (…) Sem desconsiderar a importância da formação investigativa na trajectória destes jovens doutores, denomina-los professores e pensar que possam estar em condições de compreender propostas curriculares que incluam processos de ensinar e aprender com bases consistentes, é uma quimera” (Cunha, 2010, p.68).

Parece, portanto, que tem subsistido uma ampla convicção partilhada pela comunidade académica, que o acto de ensinar (pelo menos no ensino superior) se aprende fazendo (paradigma artesanal). Esta convicção tem merecido forte contestação por parte de inúmeras figuras do campo da Educação (Cruz Tomé, 2003; Elton, 2009; Fernandes, 2010; Flores,

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Para além da ausência de mecanismos de preparação para a entrada na profissão, sublinhamos ainda a inexistência de dispositivos sistemáticos de apoio ao desenvolvimento profissional na vertente do ensino (Cunha, 2010; Cruz Tomé, 2003; Imbernóm, 2000; Zabalza, 2004).

“Mais grave ainda, na dimensão do ensino é que os saberes próprios da profissão lhes

são alheios. Não tiveram uma formação inicial para a docência – exigência básica da constituição de todas as profissões – não encontram consistentes programas institucionalizados de educação continuada que lhes proporcionem os conhecimentos teóricos e práticos da profissão e não são estimulados a ultrapassarem as práticas que culturalmente – por reprodução cultural – aprenderam com os seus professores” (Cunha,

2010, p.68).

Quanto a nós, as consequências da falta de preparação, que condiciona também a construção de uma identidade profissional enquanto professor, obstaculiza grandemente a criação de uma comunidade profissional (não no sentido corporativista) preocupada com a vertente docente, podendo reduzir o debate das questões éticas às problemáticas associadas à actividade investigativa e à área disciplinar em que esta se desenvolve.

Referimo-nos ao incontornável atributo moral da profissão docente do qual decorre a necessária reflexão sobre a dimensão ética, reflexão a que o ensino superior não se pode eximir. Contudo, esta é uma das vertentes que pouca atenção tem recebido na esfera da educação superior (Cruz Tomé, 2003; Estrela, 2010a; Zabalza, 2004). Como sustenta Estrela (2010a) a “ética e pedagogia têm constituído dimensões pouco conhecidas do pensamento e

das práticas dos professores do ensino superior, mormente em Portugal” (p.11) salientando,

no entanto, a relevância destas duas dimensões que considera “fundamentais e estritamente

articuladas em qualquer acto de ensino, o que ganha especial pertinência face às mudanças do ensino superior introduzidas pela Declaração de Bolonha (1999)” (idem).

Apesar da pouca atenção que a dimensão ética tem recebido, a autora sublinha a importância desta vertente na afirmação do profissionalismo:

“não só os princípios éticos fundamentam e orientam a acção moral, como têm

implicações no relacionamento com a sociedade, na definição do profissionalismo docente, na configuração identitária dos professores e também dos estudantes, enquanto alunos/futuros profissionais e cidadãos de espaços nacionais e transnacionais” (Estrela,

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1.3. A Especificidade do Espaço de Intervenção na Área da Formação de