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ENQUADRAMENTO TEÓRICO

F ACTORES P ESSOAIS

2. M ODOS DE A PRENDIZAGEM DO A DULTO

2.3. A Influência das Concepções, Crenças e Teorias Implícitas

No ponto deste trabalho destinado ao exame do conceito de desenvolvimento profissional (capítulo II), associámos este processo aos mecanismos desencadeadores de aprendizagem que conduzem a rupturas nas formas de pensar e de agir dos docentes.

Afigura-se-nos agora essencial ponderar sobre a relação entre desenvolvimento e a mudança nas estruturas mentais. Referimo-nos ao papel que jogam as teorias implícitas, as concepções e as crenças nos processos de desenvolvimento profissional.

Uma vez mais deparamo-nos com um conjunto de conceitos que na literatura ora são reportados a entidades e significados distintos, ora são utilizados como sinónimos. Como salientam Marcelo (1998) e Navarro (2007) o trabalho de Pajares (1992) revela a notória dispersão semântica presente na literatura: crença, atitude, valores, juízos, axiomas, opiniões, ideologia, percepções, concepções, sistema conceptual, preconcepções, disposições, teorias implícitas, teorias pessoais, processos mentais internos, regras da prática, princípios práticos, entre outros. Esta dispersão traduz-se na falta de utilização de um padrão conceptual nos trabalhos desenvolvidos, impossibilitando a comparação de resultados (Marcelo, 1998).

145 Apesar desta dificuldade terminológica, tentar perceber quais os factores que podem condicionar o desenvolvimento profissional torna-se premente para que se possa intervir nesse sentido, criando situações que permitam abalar as estruturas mais profundas e, simultaneamente, entender as limitações ou obstáculos que essas estruturas enraizadas representam nos processos de mudança.

Navarro (2007) apoiando-se na revisão de literatura conclui que, apesar da polissemia do termo, é possível encontrar algumas regularidades quando se utiliza o termo crenças. Deste trabalho salientamos quatro ideias:

A diferença entre conhecimento e crença, sendo que a crença implica juízo e componente afectiva. Marcelo (1998), apoiado em Pajares (1992), faz a distinção entre conhecimento (a teoria) e crença, à qual atribui uma conotação afectiva e avaliativa. As crenças têm funções afectivas e valorativas, actuando como filtro de informação que influencia a forma como se usa, guarda e se recupera o conhecimento. O mesmo autor, em artigo publicado em 2009, socorre-se da definição de Richardson definindo crenças como:

“conjunto de proposições, premissas que as pessoas têm sobre aquilo que consideram

verdadeiro. As crenças ao contrário do conhecimento proposicional não necessitam da condição de verdade refutável e cumprem duas funções no processo de aprender a ensinar: as crenças influenciam a forma como os professores aprendem e influenciam os processos de mudança que os professores possam encetar” (p.15).

Uma segunda ideia prende-se com a influência das crenças dos profissionais de educação nas percepções e juízos que determinam a sua conduta na aula, ideia sustentada por diversos autores (Borko & Putnam, 1995; Clark, 1988; Erickson,1987; Marcelo, 1987, 2009; Navarro, 2007; Nias, 1989; Russell & Kane, 2005, entre outros).

Um terceiro aspecto apontado por Navarro (2007) é a necessidade de conhecer a estrutura de crenças para melhorar tanto a qualidade da oferta formativa, como compreender ou situar as práticas implementadas pelos sujeitos, uma vez que os processos de desenvolvimento profissional acarretam mudança nas concepções e nas crenças dos professores (Fear et al., 2003; Feiman-Nemser, 2008; Feixas, 2002, 2004; Imbernón, 1999a; Marcelo, 1998, 2009; Navarro, 2007; Russell & Kane, 2005; Trigwell et al., 2008; Villegas-Reimers, 2003). Neste sentido Fullan (1992) e Marcelo (1998) consideram que a investigação sustenta a ideia de que os processos de mudança devem atender necessariamente à denomina dimensão pessoal da mudança ou seja, a atenção ao impacto que a proposta de inovação tem ou pode ter sobre as crenças e os valores dos professores.

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Provocar mudanças nas práticas docentes dos professores do ensino superior só será possível se se perspectivar nesse processo a reflexão sobre as crenças entendidas como “os

pensamentos, concepções e teorias que impulsionam a acção didáctica dos professores”

(Navarro, 2007, p.33) ou “tendências ou disposições dos professores que os levam a ensinar

de um determinado modo” (idem, p.33).

Por fim, definir um sistema de crenças implica compreender que este sistema é, por sua vez, composto por crenças relacionadas entre si e com outras estruturas cognitivas e afectivas da pessoa (Marcelo, 1998). Neste sentido Navarro (2007) considera que o professor possui diversos tipos de crenças, nomeadamente sobre: a aprendizagem; a função docente; as causas do desempenho do professor e dos alunos (atribuições, locus de control, motivação); as percepções do eu e sentimentos de auto-estima (autoconceito); as crenças sobre áreas disciplinares concretas, incluindo as crenças de auto-eficácia que define como o grau em que os professores confiam na sua capacidade pessoal para ajudar os alunos a aprender e que considera terem supremacia sobre tudo o resto.

Crenças e Identidade

A influência das crenças, neste caso na construção dos processos identitários elemento essencial da profissionalidade docente, é sustentada também pelos trabalhos de Bruner (1990). Os processos identitários incorporam uma componente do self na qual se inserem as crenças e valores dos sujeitos, aspectos que como afirma são mais impermeáveis à mudança. Os trabalhos de Zeichner e Gore (1990) sobre socialização dos professores revelam igualmente que as ideias, conhecimentos e crenças fortemente enraizados influenciam a forma como estes assimilam e interpretam nova informação. Estes autores advogam que os processos de socialização e, por conseguinte, de construção da identidade, não se confinam à entrada na profissão. Assumindo que este é um processo gradual, os autores rejeitam as perspectivas que assumem o jovem professor como uma tábua rasa. Neste sentido, apontam para três momentos de socialização: prévia à formação inicial, assumindo aquilo que se constrói durante o percurso anterior à entrada na formação, nomeadamente enquanto aluno. Para Dubar (1995) este processo começa ainda em criança. Zeichner e Gore (1990) assinalam o período da formação inicial como um segundo momento de socialização e o terceiro momento coincidente com a entrada na profissão.

Nos seus trabalhos Zeichner e Gore (1990) defendem que o professor na fase de entrada na carreira (fase identificada nos modelos de desenvolvimento do professor como a fase da

147 socialização) assimila crenças, valores e atitudes partilhados pela comunidade profissional em que actuam e que caracterizam a cultura docente. Neste sentido, apontam para três perspectivas de socialização possíveis, a saber:

A perspectiva funcionalista, em que as atitudes e acções dos professores principiantes se acomodam à cultura pré-existente, garantindo a manutenção da cultura vigente.

A perspectiva interaccionista, que aborda a relação de interacção dos sujeitos com as instituições. Aqui há espaço para uma interpretação pessoal dos modos de funcionamento existentes, não negando a influência do meio mas permitindo diferentes matizes na actuação dos professores.

E por fim a perspectiva crítica, em que a socialização pode acontecer pelo questionamento e desafio da cultura pré-existente.

Na linha que temos vindo a expor da emergência da identidade enquanto produto de mecanismos de socialização, socorremo-nos da ideia avançada por Habermas (1987) que descreve o processo de socialização como o processo através do qual se vai desenhando a identidade, consistindo no ajustamento do candidato a uma profissão. Para o autor, trata-se daquilo que designa por um confronto desigual e complexo, onde se debatem os desejos pessoais do sujeito e o necessário reconhecimento pelos outros. É nesta contenda que se dá a socialização profissional. Trata-se de um processo iniciático ou de conversão de uma identidade anterior a uma nova identidade visada, implicando um duplo subprocesso biográfico e relacional.

Assim, os professores vão estruturando ao longo da sua trajectória profissional um quadro

interpretativo pessoal. Esse referencial corresponderia a “um conjunto de cognições, de representações mentais que funcionam como uma lente através da qual olham para a sua profissão, dando-lhe um sentido e agindo nela” (Ketchermans, 2009, p.72).

Reportando-se a um trabalho anterior seu Ketchermans (2009) propõe dois grandes domínios de sustentação ao pensamento e à acção do professor: o primeiro domínio que designa por teoria educacional subjectiva (know-how profissional) correspondente ao sistema ou teoria pessoal do conhecimento e de crenças, que funcionaria como suporte para a tomada de decisões e sua legitimação e, o segundo domínio, o quadro interpretativo pessoal, acomodando este último as concepções dos professores sobre si próprios enquanto professores.

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As crenças e as concepções na prática profissional

O papel das teorias implícitas na acção do professor tem sido claramente salientado na literatura como temos vindo a sublinhar. Marcelo (1999) por exemplo destaca o papel que as ideias partilhadas pela comunidade docente sobre os estudantes, as teorias implícitas dos académicos sobre aprendizagem e o papel a desenrolar pelos professores, as orientações prevalecentes face a determinadas destrezas e não outras, a valoração e atitudes face aos alunos menos dotados ou mais problemáticos, têm nas práticas do professor. Como o autor refere as crenças traduzem-se numa espécie de pensamento colectivo ou ideologia sobre a docência. Para Navarro (2007) esta iseia equivale à noção de crenças colectivas que para Lopes (2001) estão associadas a identidades colectivas, que de uma maneira ou outra acabam por espelhar, por um lado, e afectar, por outro, o tipo de práticas que se desenvolvem na instituição e que são, por seu turno, mais resistentes à mudança como sustenta Zabalza (2004).

Para Navarro (2007) as crenças pedagógicas dos professores do ensino superior, entendidas enquanto “juízos pessoais que permitem ao professor articular o seu pensamento sobre a

prática docente, de um modo mais ou menos consciente, para dota-lo de sentido” (p.18),

podem ajudar a perceber as diferentes formas de actuação dos professores.

Se esta temática já mereceu um trabalho exaustivo por parte dos investigadores relativamente aos professores em geral, poucos estudos se centraram sobre este tema no contexto particular do ensino superior, apesar de parecer evidente a relação entre as práticas de ensino e as crenças explícitas ou implícitas dos professores (Navarro, 2007, Russell & Kane, 2005); a intencionalidade e as estratégias adoptadas, associadas a um tipo de orientação pedagógica (Martin et al., 2000) e entre as concepções e as orientações pedagógicas reveladas (Trigwell

et al., 2004, Trigweel et al., 2008; Trigwell & Prosser, 1996).

Muito interessantes são também os estudos de Kremer-Hayon e Tillema (1999) e Tillema (2005) particularmente orientados para o estudo do impacto das crenças e das concepções na actuação profissional dos formadores de professores. Se o primeiro estudo revela que a visão que os professores têm sobre o que deve ser o ensino conduz a diferentes abordagens e orientações relativamente a como se aprende a ensinar, o segundo estudo demonstra que as concepções prevalecentes estão directamente relacionadas com os processos formativos e de desenvolvimento profissional em que se envolvem.

149 Relativamente às concepções sobre o ensino e, consequentemente, sobre a aprendizagem dos alunos, por exemplo, Ramsdem (2003) aponta para três grandes perspectivas, a saber: o ensino entendido como transmissão ou comunicação; o ensino como organização da actividade do estudante e, por último, o ensino entendido como tornar possível a aprendizagem, concepções presentes nos resultados do estudo de Feixas (2010) e que para a autora se reflectem no estilo de ensino de cada docente.

Zabalza (2007), reportando-se aos trabalhos de Shavelson e Stern (1983), assinala ainda o papel das crenças no processo de tomada de decisão, salientando que são as crenças que servem de base à actuação do professor quando este não dispõe de informação relevante, entendendo ‘informação relevante’ como um conjunto de saberes profissionais validados. Não sendo objectivo principal deste trabalho aprofundar a temática das crenças em si, não podemos deixar de sublinhar como evidente que a relação entre desenvolvimento profissional e a mudança na orientação pedagógica do professor implica necessariamente mudanças nos sistemas de crenças dos professores.

Crenças e Aprendizagem

Assim, pelo que acima foi dito, o estudo sobre os processos de mudança e de desenvolvimento dos professores tem de atender ao papel que as crenças e teorias implícitas desempenham. A investigação sobre as crenças tem-se revelado extremamente útil ao proporcionar um conjunto de justificações para o facto de muitas acções de formação não terem um impacto real e duradouro na mudança das práticas dos professores (Marcelo1991,1998, 2009; Russell & Kane, 2005).

Os trabalhos de Kagan (1992) por exemplo indicam que os indivíduos quando chegam à formação inicial possuem já um conjunto de crenças pessoais sobre o ensino, sobre o que entendem ser um bom professor e projectam imagens de si próprios enquanto professores, alicerçadas na sua experiência pessoal enquanto alunos. Para este autor, a maioria das vezes os programas de formação não conseguem alterar estas crenças.

Numa perspectiva inversa, alguma da resistência à formação pode dever-se ao facto de a formação colidir com as crenças enraizadas (Åkerlind, 2007; Navarro, 2007). A investigação conduzida por Åkerlind (2007) com professores do ensino superior conclui que a relevância atribuída a iniciativas de desenvolvimento profissional ou a orientação assumida na procura de mecanismos de desenvolvimento profissional depende das concepções que têm sobre o seu

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papel profissional, da sua orientação pedagógica e dos objectivos que esperam alcançar através da formação.

Atendendo a esta problemática da difícil penetração e mudança dos sistemas de crenças dos professores Marcelo (2009) discute aquele que considera ser o modelo implícito da maioria dos programas de promoção de desenvolvimento profissional:

Fig.E Modelo dos Programas de Desenvolvimento Profissional

(adap. Marcelo, 2009, p.16)

No entanto, para Guskey (2000) os processos não funcionam desta forma. Os professores mudam as suas crenças não como consequência da sua mera participação em actividades de desenvolvimento profissional, mas sim através da articulação com as práticas que estas iniciativas proporcionem e que permitam a comprovação na prática da utilidade e exequibilidade dessas novas propostas. Como salientam, só após a verificação de resultados se começam a mudar crenças.

Então, entendendo o papel das crenças como potencialmente inibidor do desenvolvimento profissional, sustenatm que os esquemas promotores de desenvolvimento deverão funcionar num outro quadro, como demonstra a figura seguinte.

Fig.F Modelo Alternativo dos Programas de Desenvolvimento Profissional

(Guskey, 2000, p.139) Clarke e Hollinsworth (2002) criticam os modelos anteriores por serem lineares e não representarem a complexidade dos processos de aprendizagem dos professores. Para estes autores a mudança ocorre através da mediação dos processos de aplicação e reflexão em quatro âmbitos: o domínio pessoal (conhecimentos, crenças e atitudes do docente), o domínio

Formação Mudança no Conhecimento Mudança nas Crenças Mudança nas Práticas Mudança nos resultados das aprendizagens dos alunos Formação Mudança nas Atitudes e Crenças dos Professores Mudança nas Práticas Mudança nos Resultados de Aprendizagem dos alunos

151 das práticas de ensino, as consequências na aprendizagem dos alunos e o domínio externo. Defendem que o desenvolvimento profissional poderá ser conseguido tanto através da reflexão dos docentes, como pela aplicação de novos procedimentos.

Fig. G Modelo Inter-relacional de Desenvolvimento Profissional

(adap. Clarke & Hollingsworth, 2002) De tudo o que foi referido nos pontos anteriores ressalta a necessidade atender quer ao pensamento, quer às acções dos docentes, na intervenção direccionada para o desenvolvimento profissional. Entende-se assim que

“as estratégias de desenvolvimento dos docentes consistem em abordar tanto o

pensamento do professor como a sua conduta. Os professores têm sempre algum tipo de teoria do ensino, mas pode estar só implícita, ficando em consequência por examinar”

(Biggs, 2006, p.280).