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ENQUADRAMENTO TEÓRICO

MODELOS DE PROFESSOR Perito Técnico

2. O L UGAR DA F ORMAÇÃO P EDAGÓGICA NO E NSINO S UPERIOR : A MUDANÇA CULTURAL NECESSÁRIA

2.1. Imprimir Protagonismo à Formação Pedagógica

Embora dando especial destaque à formação, importa sublinhar a ideia de que práticas

indutoras de desenvolvimento profissional, integram uma visão mais global de criação de um

contexto favorável a esse desenvolvimento, quer seja pela eliminação de possíveis factores obstaculizantes, quer pela possibilidade de ajustamento e criação de sistemas de incentivo e reconhecimento, entre outros. Como salienta Imbernón (1999b):

“considerar o desenvolvimento profissional para lá das práticas de formação e combiná-

lo com factores não só formativos mas também laborais supõe um reconceptualização importante já que não se analisa a formação unicamente como o domínio das disciplinas nem se centra exclusivamente nas características pessoais dos docentes. Significa analisar também a formação como agente revulsivo e de exigência de melhorias sociais e laborais, e como promotora do estabelecimento de novos modelos relacionais na prática docente” (p.61).

Retomando a fundamentação da necessidade da formação pedagógica para os académicos iniciada no primeiro capítulo, apontamos três linhas de argumentação sugeridas por Zabalza (2004). A primeira prende-se com o pressuposto por nós já discutido de que a ideia da docência enquanto profissão remete para a necessidade de uma formação específica, que permita dotar os profissionais de conhecimentos e capacidades adequados para o exercício da sua função, ideia partilhada por diversos autores (por exemplo, Altet, 2001; Bourdoncle,1991; Brodeur et al., 2005; Crowe, 2008; Cruz Tomé, 2003; Escudero, 1999; Estrela, 1986, n.d.; Imbernón, 2000; Paquay et al., 2001b; Perrenout, 1994; Shulman, 2004e, Villegas-Reimers, 2003).

A segunda linha está associada às correntes que evocam a aprendizagem ao longo da vida e o desenvolvimento pessoal e profissional como chaves para que os indivíduos sejam capazes de adquirir novos saberes e competências facilitadoras da adaptação a contextos instáveis e mutáveis e, por conseguinte, sustentáculo de uma melhoria contínua da profissionalidade docente (Contreras, 2003; Cruz, 2006; Day, 2001; Escudero, 1999; Imbernón, 2000; Sikes, 1999; Villegas-Reimers, 2003; Webster-Wright, 2009).

187 Finalmente, o terceiro factor apontado por Zabalza (2004) decorre dos movimentos associados à avaliação da qualidade (institucional, de cursos, de docentes) que tivemos também oportunidade de aflorar no capítulo antecedente, opinião partilhada por Alarcão e Tavares (2001) e Alarcão e Gil (2004). Estes movimentos decorrem das mudanças socio- económicas e políticas que agitam o contexto do ensino superior, onde a necessidade de prestar contas e de dar garantias públicas de qualidade são um imperativo.

Quanto aos docentes em particular, não podemos deixar de sublinhar a tendência destes movimentos em torno da qualidade, nos quais se inscreve a apreciação dos níveis de excelência do ensino, níveis revelados essencialmente pela satisfação demonstrada pelos actores mais do que pelos resultados efectivamente conseguidos em termos de qualidade das aprendizagens. De forma semelhante, parece que esta tendência para apoiar a avaliação da qualidade basicamente no valor que lhe é atribuído pelos participantes se estende à análise das iniciativas promotoras de desenvolvimento profissional, ficando por apurar o impacto real que estas têm nas práticas de ensino e nas aprendizagens dos alunos (Kreber, 2002; Lin et al., 2010; Zabalza, 2004).

A estas três linhas de argumentação propostas por Zabalza acrescentamos uma quarta: a mudança no perfil profissional do docente do ensino superior, decorrente da mudança de paradigma de ensino preconizada pelas políticas do ensino superior e agudizada pelos fenómenos da massificação com que este nível de ensino se vê confrontado. Se até aqui o perfil profissional estava associado a uma sólida competência científica, ao nível do domínio dos conteúdos da sua área disciplinar, a entrada de novos e diversificados públicos para o ensino superior, com antecedentes socio-culturais muito diversificados e de diferentes faixas etárias desafia o docente a revelar novas competências pedagógicas (Pinto, 2006).

Como tivemos oportunidade de salientar anteriormente parece-nos devidamente sustentada pela literatura a relação entre desenvolvimento profissional e desenvolvimento organizacional, comportando-se docente e instituição enquanto entidades sistémicas interdependentes e em interacção. A formação projectada a partir das necessidades detectadas é, então, apontada como o caminho óbvio para promover a transformação e a melhoria da qualidade, simultaneamente dos docentes e das instituições.

No entendimento por nós declarado do significado de práticas indutoras de desenvolvimento profissional, a formação, nomeadamente a formação pedagógica, assume, no contexto do

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presente trabalho, um papel de extrema relevância. Esta nossa afirmação alicerça-se num conjunto de ideias que têm vindo a ser discutidas.

Sumariando, referimo-nos aos debates em torno da profissionalização da actividade docente no ensino superior, a que se associam os apelos para que os docentes redireccionaram a sua atenção para uma área sistematicamente ignorada: a pedagogia do ensino superior. Num período de mudança do ensino superior, de que o processo de Bolonha é ilustrativo, a preocupação com a componente pedagógica na actividade dos docentes do ensino superior ganha destaque, bem como o debate em torno da formação como veículo de apoio a esta transformação.

A discussão gerada em torno da mudança que se tem que produzir de forma generalizada nas práticas dos docentes do ensino superior, de forma a garantir um mudança de paradigma real e profunda (e não apenas conjuntural ou para responder a imperativos de natureza legal e organizativa) apontam também para um novo ‘perfil’ de docente neste nível de ensino, falamos de mudança. Falamos de desenvolvimento profissional e, necessariamente, de formação.

“Num tempo de redefinição do papel da universidade e do papel do/a professor/a, esta

insuficiência é ainda mais reconhecida e justificativa da importância do recurso à formação pedagógica” (Fernandes, 2010, p.101), sendo exemplificativas deste reconhecimento as

iniciativas em curso nas instituições de ensino superior, na Europa e em outros países como os Estados Unidos da América, Austrália, entre outros.

Os sistemas de acesso à profissão, bem como os mecanismos de progressão, são um claro sinal não só da valorização de um saber especializado numa determinada área mas também de uma lógica enraizada de desenvolvimento profissional e de carreira associado a um investimento na actualização permanente e na produção de saber na área de especialização (De Ketele, 2003; Escudero, 1999; Kreber, 2002; Sparks & Loucks-Horsley, 1990). Como caricatura Zabalza (2004) ninguém estranhará se um docente nunca tiver lido um livro sobre pedagogia, mas a perplexidade seria grande caso não conhecesse determinada obra da sua área científica.

Evidentemente, não ignoramos a necessidade de formação permanente na área disciplinar de especialização, até porque como vimos, os estudos de Trigweel et al. (2005) indicam que os professores que revelam um maior nível de apropriação e compreensão dos conhecimentos, são também aqueles que têm uma orientação pedagógica mais centrada no aluno. Contudo,

189 partimos do pressuposto que a formação na área científica é uma vertente que os professores tendem a procurar voluntariamente ou por ditames da carreira. Incluem-se aqui oportunidades de aprendizagem formais e não formais que, por um lado, dão prosseguimento ao estudo iniciado na formação inicial e, por outro, respondem a imperativos decorrentes da investigação desenvolvida na sua área disciplinar de especialidade. Para este tipo de formação as instituições tradicionalmente dispõem de oferta diversificada, estruturada e sistematizada. São também habituais os encontros e fóruns de discussão promovidos institucionalmente e inter-institucionalmente, nacionais e internacionais, assim como as oportunidades de partilha menos formais proporcionadas pelos grupos de trabalho e pelas estruturas departamentais em que os docentes se inserem.

Numa segunda linha de argumentação, sublinhamos a convicção de que o desenvolvimento profissional, que se pretende que abranja todas as vertentes de actuação do indivíduo, será potenciado por uma formação direccionada para a melhoria do desempenho docente, área para a qual a larga maioria dos académicos não foi preparada aquando da sua entrada na profissão e, como tivemos já oportunidade de referir, não está sequer sensibilizada, acreditando numa aprendizagem intuitiva e artesanal.

A necessidade de romper com os paradigmas tradicionalmente dominantes no ensino superior evocada quer nos discursos políticos, quer na literatura, remetem uma vez mais para o professor, a quem se pede que mude a sua forma de entender o ensino e, nesse sentido, que assuma novas formas de actuação.

Como sustenta Fernandes (2010):

“nesta reforma pedagógica apoiamos uma postura profissional autónoma de procura de

novos saberes de ordem pedagógico-científica, numa lógica emancipatória e de desenvolvimento profissional (Day, 2001), e, simultaneamente a existência de uma política institucional que valorize, dinamize e possibilite, a quem o desejar, a partilha de experiências e a construção colectiva de saberes” (p.101).

Suportando a ideia da mais-valia da formação pedagógica Gibbs (2004) refere os estudos sobre o impacto dos programas de formação desenvolvidos no Reino Unido. Nestes demonstra-se uma melhoria do desempenho dos professores participantes nesses programas, os quais evidenciaram mudanças na orientação pedagógica, passando de uma orientação centrada em si para uma orientação mais focada no aluno.

A formação pedagógica afigurar-se-nos como o caminho lógico e necessário para dotar os profissionais que ensinam com os saberes necessários para uma actuação consciente e

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fundamentada, numa lógica de melhoria da profissionalidade docente (Cruz Tomé, 2003; Imbernón, 2000; Leite & Ramos, 2010; Masetto, 2003; Zabalza, 2004, 2007), potenciando a adopção de uma orientação pedagógica consonante e focada na aprendizagem (Gibbs, 2004; Trigwell et al., 2008).

A formação pedagógica revela-se ainda como veículo de promoção de um colectivo profissional unificado em torno de um saber próprio. Esta ideia é expressa por Zabalza nos seguintes termos: “Daí que a pedagogia universitária tenha um importante papel no âmbito

da formação, como estimuladora para a criação desse espaço profissional comum entre os docentes das diversas especialidades.” (Zabalza, 2004, p.154).

Consideramos também que a formação pedagógica pode, dependendo dos modalidades incrementadas, potenciar a construção de novo saber sobre a própria pedagogia do ensino superior, área a requerer bastante estudo e dedicação (Imbernón, 2000; Alarcão & Tavares 2001; Zabalza, 2007; Elton, 2009; Leite & Ramos, 2010; Villegas-Reimers, 2003).

Ao mesmo tempo, convém não esquecer que a “pertinência de fazer da formação

pedagógico-didáctica um espaço de investigação e intervenção sobre e na profissionalidade docente universitária e que impõe que ele seja reconhecido pelas estruturas de poder institucional” (Leite & Ramos, 2010, p.41).