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A autonomia para a escolha do tratamento e o direito de recusá-lo

OS LIMITES DO DEVER DE INFORMAR

6. La opinión del menor será tomada en consideración como un factor que será tanto más determinante en función de su edad y su grado de madurez.” (destacou-se).

5.2 A autonomia para a escolha do tratamento e o direito de recusá-lo

Como antes já repisado, a informação bem prestada é pressuposto necessário para o consentimento do paciente para submeter-se a qualquer tratamento ou procedimento médico. A pessoa não poderá ser submetida compulsoriamente a ato médico, contra sua livre vontade.

De fato, o exercício da autonomia do paciente deve ser determinante para que sua decisão não seja eivada de vício: para tanto a informação deverá ser prestada na forma discutida no capítulo anterior, possibilitando ao paciente uma decisão – de fato – livre e esclarecida. Ocorre que há fatores que compõem essa equação e que devem ser levados em conta. O primeiro deles é o cabedal de valores individuais do médico, que podem ter influência no conteúdo das informações que prestará ao paciente, seja pela questão moral, seja pela questão da religião, o que pode implicar uma certa alteração qualitativa da informação transmitida. Outro elemento do qual não se pode descurar é a capacidade de compreensão de informações por parte do paciente, o que demanda por parte do profissional a já referida modulação.

181 Assim cabe o questionamento a respeito da autonomia decisória do paciente: é ela também individualizada? Ou seja, a decisão tomada por A e por ele considerada autônoma pode não ser entendida como autônoma por B, se é ele indivíduo com maiores condições de, por exemplo, obter uma segunda opinião médica? Ou então realizar uma pesquisa quer seja na Internet, quer seja numa biblioteca, ou mesmo ainda se for ele mais temeroso em relação aos riscos envolvidos?

A própria expressão utilizada na língua inglesa “informed consent”, ou mesmo o vocábulo ‘consentimento’, remete muito mais para uma expectativa de que o paciente escolherá (aceitará) submeter-se ao tratamento proposto do que à expectativa de que irá recusá-lo. Contudo, o consentimento, de fato, envolve ambas as faces de uma mesma moeda, consentir é manifestar vontade livremente, de forma esclarecida pela informação, tanto em uma aceitação de tratamento, quanto em sua recusa.

A recusa a submeter-se a tratamento tem o efeito de obstar a efetivação dos cuidados de saúde já empreendidos ou ainda por ocorrer. Caso o procedimento já esteja sendo realizado, o dissenso do paciente acarretará na destruição do consentimento previamente outorgado, que o autorizava.351

A dissensão do paciente quando manifesta em momento ainda anterior à prática de ato de saúde em seu favor (e mesmo ao longo de tratamento já iniciado), levará o profissional a aprofundar o nível de informação a ser dado ao paciente, pois crê-se que pelo próprio perfil geral de personalidade daqueles profissionais, eles tenderão a não aceitar uma recusa do paciente com facilidade. Em geral, esses profissionais tendem a crer que devem cuidar e tratar de seus pacientes de forma proativa, e que o dissenso pode ter em sua origem uma perturbação de natureza física ou psicológica do paciente, como uma depressão, um estado de ansiedade ou de dor intensa provocados pela situação em que se encontra, o que pode ser real em determinadas ocasiões.

351 Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da

Biologia e da Medicina. Consentimento, artigo 5º:

“Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efetuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido.

Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos.

A pessoa em questão pode, em qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento. (destacou- se).

182 Contudo, como o consentimento é processo dinâmico, o paciente pode mudar sua opinião, conforme a evolução dos fatos. Assim, na busca da salvaguarda da dignidade da pessoa humana e do bem-estar do paciente, seu dissenso pode ser manifesto após ter sido iniciado o tratamento, e isso a qualquer momento, como clara manifestação da liberdade e da autonomia do paciente. A recusa do paciente pode ter um efeito meramente suspensivo352, vale dizer, mera interrupção do tratamento, ou de outra sorte, ser definitiva, no sentido de não mais prosseguir com o tratamento instituído.

A recusa do tratamento é fruto da autonomia, expressão da liberdade que cada paciente tem de decidir a respeito de sua saúde e de seu próprio corpo. Se ao paciente é conferido o direito de ter acesso a toda gama de informações aptas a permitir a sua decisão autônoma ou, de outro prisma, optar por não saber (no sentido de não ter acesso às informações que correspondem ao seu direito), cabe também a ele recusar determinado tratamento do qual não quer se beneficiar, por razões que são em realidade pessoais e subjetivas.

O médico, diante de tal situação, poderá apurar a razão pela qual o paciente recusa-se a receber determinado tratamento, podendo mesmo iniciar um processo de informação mais amplo, profundo e sensível, com vistas a identificar se não há, na vontade (eventualmente viciada) de seu paciente, fatores e influências externas.353 A conduta do profissional deve, contudo, apenas buscar a efetiva vontade de seu paciente, posto que a liberdade de escolha desse último deve, segundo os valores e princípios amplamente abordados no presente trabalho, prevalecer.

A solução, sem quaisquer dúvidas, é prestigiar a vontade do paciente, como resultado de uma manifestação livre e voluntária que diz respeito a um projeto de vida próprio, singular; afinal: o paciente é o protagonista de seu próprio tratamento médico, visto que as conseqüências de tratar-se ou não serão sentidas em seu próprio corpo.

352 VAZ RODRIGUES, João. O consentimento informado ... cit., p.363. 353 RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. O dever de informar ... cit., p.111.

183 A exceção à argumentação até aqui desenvolvida está relacionada a moléstias que podem ameaçar a coletividade ou a saúde pública. Nesses casos, como antes já referido, a obrigatoriedade do tratamento se sobrepõe com base no princípio de solidariedade, que – pelo bem comum – deve prevalecer sobre a autonomia.354

Importante ressaltar que para a própria segurança do profissional a recusa deve ser dada ao médico preferencialmente sob a forma escrita, visando uma garantia de que ele não abandonou o paciente durante a execução do tratamento, inclusive a título de futura prova judicial, caso venha a ser necessária tal comprovação. Na inocorrência de manifestação por escrito da parte do paciente, essas informações devem ser cuidadosamente anotadas seja na ficha clínica, seja no seu prontuário, dada a situação delicada em que se encontrará o médico na ocorrência de dissentimento. Caso a recusa seja anterior ao início do tratamento, bastará anotação em ficha clínica (caso o atendimento se dê em consultório), ou no prontuário do paciente, para os casos em que o atendimento seja realizado em hospital.

A recusa em se submeter ao tratamento trará um ônus para o paciente, similar àquele da recusa em receber informações. Ao optar por não se submeter aos cuidados de saúde, e algum risco ligado à sua recusa em se tratar vier se concretizar, não poderá o médico ser responsabilizado, vez que o paciente teve uma atitude proativa e escolheu (i) não se submeter ou (ii) interromper tratamento, quebrando o necessário liame de causalidade, que levaria à responsabilização do profissional. Dessa forma o risco concretizado deverá ser integralmente suportado por ele.

5.2.1 As declarações antecipadas de vontade

Há por parte de parcela significativa das pessoas uma crescente preocupação com um eventual momento em que apesar de estarem vivos, possam não ter condições de tomar decisões de maneira autônoma e consciente, ou seja, um futuro no qual possam – eventualmente – estar desprovidos da capacidade de exercício de direitos. Há, entretanto, possibilidade de manifestação prévia de vontade seja no sentido de querer submeter-se a todos os tratamentos ou no dissenso quanto à utilização de procedimentos, v.g., para a

184 manutenção da vida biológica através de aparelhos. O desejo da pessoa poderá ser expresso através de “declaração antecipada de vontade”, chamada por muitos de testamento vital. Tal declaração de vontade aparece em sistemas jurídicos ao redor do mundo, recebendo nomes diversos. Apenas para citar alguns, na Itália “testamento di vita”, na França “testament biologique”, na Alemanha “antizipierte einwillung” e nos países do sistema da Common Law, “living will” ou “advance directives”.

O termo “living will” foi primeiro proposto por um advogado do Estado americano de Illinois, Luis Kutner355, que entendia que através de testamento o indivíduo tem capacidade de controlar questões patrimoniais após sua morte (quando – por óbvio – não mais pode manifestar pessoalmente sua vontade). Houve ele por bem estender a utilização do termo testamento para um momento em que a pessoa ainda se encontra viva, mas sem a capacidade de manifestação autônoma e pessoal da vontade, daí o surgimento da analogia do “testamento em vida”.

Essa manifestação de vontade por parte do indivíduo deve estar caracterizada pelos seguintes traços distintivos (i) seu autor deve apresentar plena capacidade de exercício de direitos civis; (ii) deve também ter suas capacidades mentais preservadas; (iii) deve ser essa vontade livre e esclarecida.

No que tange ao objeto de manifestação dessa mesma vontade, pode a pessoa determinar (i) se deseja receber (num momento futuro, quando esteja incapaz de manifestar indubitavelmente a sua vontade) determinados cuidados de saúde e (ii) determinar que caso não possa manifestar sua vontade pessoalmente, sejam atribuídos poderes a uma outra pessoa, para que – em seu lugar (e segundo sua vontade manifesta em momento anterior) – tome decisões a respeito de quais tratamentos deverão ou não ser utilizados em favor do outorgante, num verdadeiro exercício de autonomia e liberdade.

Para que tenha sua eficácia maximizada a declaração antecipada de vontade deve ser elaborada após séria reflexão, e se necessário, após ter esclarecido dúvidas com profissional da área da saúde e estando seguro(a) de qual conteúdo quer ver ali retratado de sorte a refletir fielmente seus desejos. Não há nenhuma determinação legal quanto à forma

185 de instrumentalização da declaração (nesse sentido diametralmente oposto à realização de testamento, que tem sua forma determinada em lei, nos artigos 1862 e seguintes do Código Civil). Contudo, justamente por tratar-se de tema ainda não pacificado em nosso país e que gera bastante insegurança quando de seu cumprimento, – em especial pelos médicos que prestam atendimento ao declarante seja por questões de natureza moral, religiosa, ou mesmo por receio de incorrer em crime de omissão de socorro356 – devem ser tomadas

certas precauções pelo declarante.

Mesmo não sendo obrigatória, recomenda-se seja adotada a escritura pública como instrumento da declaração antecipada de vontade, justamente em função da fé pública de que goza o Notário. Fé pública essa que é atribuída pela própria Constituição ao Notário e ao Registrador, que atuam, dessa forma, como representantes do Estado na sua atividade profissional. Essa circunstância confere uma segurança maior aos que vão fazer cumprir os desejos contidos na declaração, já que a possibilidade de o documento ser uma falsificação, com objetivos quiçá escusos, fica reduzida a praticamente zero. Ademais, essa segurança é também almejada pelo próprio declarante, que ao ter o cuidado de documentar suas determinações para uma eventual necessidade futura, quer ver suas vontades cumpridas rigorosamente.