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Aspectos quantitativos e qualitativos da informação e a capacidade de assimilação

OS LIMITES DO DEVER DE INFORMAR

4.2. Aspectos quantitativos e qualitativos da informação e a capacidade de assimilação

Deve-se partir, no desenvolvimento da argumentação do presente item, de uma premissa fundamental: quantitativamente, a informação a ser transmitida não deve sofrer variações; com efeito, as nuances que atingem os mais diversos “tipos” de pacientes não podem engendrar modificações na quantidade de informação passada. Por exemplo, a quantidade de informação a ser transferida a um indivíduo que não teve educação formal e a uma pessoa que possui um nível sócio-cultural mais elevado deverá ser, rigorosamente, a mesma, modulando-se contudo, a forma de transmissão dessa informação, de acordo com as características de cada um.

A razão, para tanto, é bastante simples, até mesmo intuitiva: a autonomia do paciente – o seu direito de decidir livremente sobre o futuro de sua saúde e de seu corpo – não encontra limites ou variações em aspectos sociais, culturais ou econômicos. Todos os sujeitos de direito, assim, têm o direito de efetivar a sua liberdade, sua autonomia.

Contudo, como apontado no item 4.1 supra, o excesso de informação poderá acarretar efeitos negativos à proteção do paciente, no que respeita ao seu direito de

135 decidir livre e autonomamente. Nesse ponto, a qualidade da informação a ser prestada pelo médico será essencial à formalização do dever de informar.

Aqui residirão alguns problemas de ordem prática. O profissional deverḠcasuisticamente, modular a condição de cada paciente com o propósito de formular o método pelo qual os dados sensíveis à sua autonomia serão transferidos. De forma evidente, a linguagem desempenhará uma função fundamental. Se a quantidade não encontra variações segundo a condição particular de cada paciente, a qualidade da informação, no sentido de como essa será transmitida, será fator determinante à formalização do direito de decidir livremente pelo paciente.

A título de ilustração, destaca-se caso em que um profissional deve passar a mesma informação a um paciente com formação universitária229 e outro que não tem educação formal; não obstante a quantidade da informação ser a mesma, sua qualidade – o meio e a forma mediante os quais será ela formalmente transferida –, será diametralmente divergente, sob pena de se inviabilizar o objetivo proposto: efetivo exercício à autonomia. Esse cenário contempla, inclusive, o princípio da isonomia: tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.

O significado da palavra assimilação remete a absorção, incorporação. Sob esse prisma, a capacidade de assimilação para efeito de cumprimento do dever de informar está vinculada, pois, à qualidade com que essa será prestada. O problema, sem dúvida, é a subjetividade do contexto em que o raciocínio até aqui desenvolvido se encaixa. Cada paciente é uma pessoa, singular, dotada de características próprias; por esses motivos as capacidades de assimilação serão, em regra, distintas, variáveis. Ao debruçar-se sobre o mesmo problema, Ricardo Luis Lorenzetti qualifica como pertinente a informação dirigida particularmente ao paciente, segundo o seu nível educativo.230

229 Sobre o assunto, vale citar a ideia apresentada por Chistoph Fabian: “O problema da experiência também

ocorre no direito médico, quando o paciente tem a profissão de médico. Em que extensão o médico deve informar um paciente já formado em medicina? No direito médico, o paciente deve ser informado amplamente sobre os riscos do tratamento [...]. Um paciente que é médico não precisa ser informado sobre tais riscos comuns, que um estudante de medicina já aprende no estudo universitário. Mas, quando paciente médico está enfrentando uma doença grave, deve-se reconhecer um desprezo pessoal e uma dependência do médico que realiza o tratamento. Neste caso supõe-se a vulnerabilidade do paciente médico” (FABIAN, Chritoph. O dever de informar no direito civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.159-160).

136 Contudo, não se pode perder de vista que a informação deve ser eficiente, acessível. Uma vez definido que os dados transmitidos pelo médico determinarão os termos através dos quais o paciente decidirá a respeito de questões relativas à sua saúde e à sua vida, as informações trocadas correspondem a verdadeiro fator de propulsão do exercício da liberdade.

Ao tratar dessa complexa questão, João Vaz Rodrigues invoca dois critérios objetivos: o “padrão médico” e o “padrão do doente médio”. Segundo esse autor, a qualidade da informação será auferida de acordo com “condutas profissionais corporativamente adequadas”. Dessa forma, a prestação da informação será suficiente na medida em que outro profissional, razoável, nas mesmas circunstâncias, a observaria de forma idêntica. De outro prisma, pelo padrão do “doente médio” a transmissão da informação será correta tomando-se por base o indivíduo comum.231

Não parece, contudo, que a construção de padrões objetivos, que fazem uso de sujeitos ‘em tese’; ‘médios’, seja em relação aos profissionais, seja em relação aos pacientes, possa solucionar os debates que aqui se conduzem. Exatamente nesse sentido, o autor entes referido traz o critério do paciente concreto, individualizado, cujos anseios – no que respeita ao direito de informação – são direcionados, específicos e que podem sofrer determinadas variações, a depender de quem seja esse paciente concreto, vale dizer que dois portadores de moléstia idêntica podem ter dúvidas e prioridades diversas em relação à ela.232

Por sua vez, André Gonçalo Dias Pereira menciona que o critério do “paciente concreto” tem origem na jurisprudência norte-americana e que os Tribunais Alemães exigem que as informações sejam “individualmente” prestadas ao paciente. Continua o mesmo autor sublinhando que o dever jurídico do médico ficará adstrito a

231 RODRIGUES, João Vaz. O consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico

português. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p.256-257.

137 “apurar os caracteres básicos da personalidade e da capacidade cognitiva do paciente”.233

Fato é que o médico, que já encontra inúmeros obstáculos relativos ao exercício de sua profissão, especialmente derivados da sociedade massificada e dos contratos coligados, deverá enfrentar a questão aqui posta em discussão com razoabilidade, “radiografando” a condição do paciente com quem está lidando para, a partir de então, delimitar a forma pela qual a informação apta a permitir uma decisão livre e esclarecida será transmitida.

O tema proposto à discussão, por óbvio, encerra questionamentos instantâneos: qual o limite do dever de informar? Até que ponto o profissional deve ir? Todos os riscos e eventuais consequências prejudiciais devem ser informados aos pacientes? O dever de informar, ilimitado, não implica no efetivo “engessamento” e mesmo na inviabilidade do exercício da profissão? As respostas – ou as tentativas de buscar a melhor solução – serão desenvolvidas no item 4.4.