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A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E O DEVER DE INFORMAR

3.4 Os meios de transmissão da informação

Superadas as questões atinentes ao conteúdo da informação e sujeitos dessa obrigação, cumpre examinar, ainda que de maneira breve, os meios pelos quais a transmissão desse conteúdo obrigacional (informação) pode ser efetivada. Cumpre destacar, aliás, que esse tema será ainda retomado no capítulo VI infra, quando se tratar sobre a prova da prestação da informação.

3.4.1 A forma oral

A validade da declaração e recepção da informação dependerá de forma especial somente quando a Lei assim o determinar. Nas relações médico-paciente,

128 portanto, ausente lei específica determinando o contrário – e justamente em razão da natureza desse tipo de relação, calcada sempre na confiança – deve predominar a oralidade. Essa informação, por óbvio, deve ser transmitida não apenas em língua compreensível pelo paciente, mas também em linguagem a ele acessível, ou seja, de forma que ele possa compreender aquilo que está sendo veiculado pelo médico, como as consequências do tratamento ministrado, os riscos e benefícios do ato etc.222. Dessa forma, sendo o paciente estrangeiro, por exemplo, sem o domínio do vernáculo, deve-se transmitir a informação a um conhecido seu, que compreenda a língua em que está sendo prestada a informação.

Ademais, a linguagem não deve ser impregnada de uma tecnicalidade tamanha que o paciente, leigo em medicina, não possa compreendê-la. A informação, portanto, deve se adequar ao nível sócio-econômico e profissional do paciente. Assim, o médico cirurgião ao referir-se à incisão que realizará, talvez deva dizer que “fará um corte de tantos centímetros” e, da mesma forma, utilizar a expressão “dar pontos” ao invés de utilizar o vocábulo da norma culta “suturar”, a depender de quem é esse paciente que se sujeitará ao ato operatório.

Assim, tem-se claro que a informação deve ser transmitida de acordo com o nível sócio-cultural daquele que a recebe, devendo o emitente analisar, caso a caso, a necessidade de utilização de termos mais técnicos ou mais leigos, de modo que a mensagem seja efetivamente recebida, absorvida e apreendida.

3.4.2 A forma escrita

A forma escrita da prestação da informação é, normalmente, consubstanciada no chamado “termo de consentimento livre e esclarecido” ou “termo de consentimento informado”, instrumento bastante utilizado nos EUA – sua origem,

222 De fato, essa exigência foi inserida na Declaração Européia de Promoção dos Direitos do Paciente

(European Consultation on the Rights of Patients – Amsterdam, 28-30 March, 1994), que assim determinou: “2.4 Information must be communicated to the patient in a way appropriate to the latter's capacity for understanding, minimizing the use of unfamiliar technical terminology. If the patient does not speak the common language, some form of interpreting should be available”.

129 inclusive, é norte-americana –, e já bastante arraigado nos demais países do mundo, especialmente os continentais europeus e americanos.

Com efeito, no mais das vezes não há determinação legal de que a informação seja prestada de maneira escrita, como anteriormente mencionado, sendo que a formalidade é exigida em algumas situações específicas. Assim, via de regra, prefere-se o cumprimento da obrigação de forma oral.

Nos EUA, por exemplo, embora a exigência de consentimento escrito varie segundo a lei de cada Estado, é bastante comum a utilização de formulários de consentimento informado em praticamente todo e qualquer procedimento que vier a se submeter o paciente. Esse fenômeno, contudo, parece decorrer muito mais das vultosas indenizações a que os médicos são normalmente condenados naquele país do que, propriamente, a uma intenção verdadeiramente informativa.

Por outro lado, na Europa, algumas leis esparsas determinam que seja adotada a forma escrita para a prestação da informação, especialmente nos casos de maior complexidade ou que acarretam risco grave ao paciente. Em Portugal, por exemplo, o único caso em que a informação deve ser escrita aparece no artigo 9º, nº 2 do Decreto-Lei nº 97/94, que trata da realização de pesquisas clínicas em seres humanos. No caso da Espanha, a já mencionada Lei 41/2002, em que pese estabelecer, como regra geral, a forma verbal, exige a prestação da informação escrita para as intervenções cirúrgicas, procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos e, em geral, para os procedimentos que supõem riscos ou inconvenientes de notória e previsível repercussão negativa sobre a saúde do paciente.

Como alerta Andrew Grubb, não há lei na Inglaterra que imponha a adoção do termo de consentimento – com exceção de alguns casos específicos –, sendo, no entanto, bastante utilizado tal documento em hospitais quando o paciente deve ser submetido à procedimentos cirúrgicos. Isso ocorre ainda que a função desse documento não seja, efetivamente, obter o consentimento do paciente, mas sirva exclusivamente ao propósito probatório em eventual demanda judicial. Afirma o autor, nesse sentido, que o

130 consentimento expresso apenas no formulário não representa, na verdade, consentimento nenhum.223

O ordenamento argentino segue orientação bastante semelhante à espanhola, apresentando algumas exceções para a prestação de informação de forma somente verbal: internações, internações cirúrgicas, procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos, procedimentos que implicam riscos segundo o rol determinado pela lei e revogação da autorização (Ley 21/10/2009, de 19/11/2009, art. 7º).

No Brasil, não há lei específica a respeito do termo de consentimento livre e esclarecido, preferindo-se, também, a prestação verbal da informação. No entanto, o Conselho Nacional de Saúde elaborou a Resolução 196/96 (alterada em 22/03/2006), visando normatizar a pesquisa que envolve seres humanos. Nela, definiu-se o “Consentimento Livre e Esclarecido” como a anuência do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formalizada em um termo de consentimento, no qual conste a autorização de participação voluntária na pesquisa.

Malgrado não haja regra específica que determine a utilização de instrumentos escritos na prestação da informação pelo médico ao paciente, observa-se uma crescente preocupação desses profissionais em formalizar o cumprimento dessa obrigação. Em diversos pareceres de lavra dos Conselhos de Medicina do País é possível encontrar recomendações de utilização dos termos de consentimento não somente nos casos de pesquisa clínica em seres humanos, mas também nos demais procedimentos médico- hospitalares que importem risco de maior gravidade ao paciente, na esteira da Lei 41/2002 espanhola.

Assim, é de se reconhecer que a exigência de assinatura de termos para todo e qualquer tipo de intervenção médica tenderia a engessar esse tipo de relação, além de esgarçar a confiança de que ela deve ser dotada. Contudo, embora a regra deva ser a da

223 GRUBB, Andrew. Principles of Medical Law. 2a edição. New York: Oxford University Press, 2004,

131 oralidade, há vezes em que é importante trasladar parte desse processo informativo para o papel, de modo que tanto o paciente possa refletir melhor a respeito dos riscos a que se submeterá, como o médico terá um subsídio probatório, que comprovará, ao menos em parte, o cumprimento dessa específica obrigação de informar.

Essa é a orientação contida no parecer nº 1.831/2007 CRM-PR, tirada do processo consulta nº 011/2007– protocolo nº 3343/2007, que, após orientar a utilização do consentimento por escrito também nos casos em que haja “mínima possibilidade de risco para o paciente”, conclui que “Não podemos considerar que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido seja um documento visando exclusivamente a proteção do médico e da Instituição, em situações de processos éticos e judiciais, mas sim, uma possibilidade de o enfermo poder manifestar a sua liberdade e autonomia na escolha de decisões, após ser devidamente esclarecido”.

Notadamente, a opção pelo consentimento escrito não substitui a informação prestada de forma verbal, que deve preceder a assinatura de qualquer termo. O termo, portanto, é mero complemento, mera instrumentalização de todo o processo de informação – que, como se viu, é de natureza complexa.

Como bem refere o jurista argentino Jorge Mosset Iturraspe, a violação desse dever de informar, seja por sua não prestação pelo médico, seja pela sua mera substituição pela entrega de um formulário (termo de consentimento), não traduz apenas uma falta ética, uma falta aos costumes médicos, à moral que deve pautar a atuação do médico, mas sim um ilícito, um desacato, um “não fazer” que infringe o dever de “fazer”, devendo ele, por essa transgressão, responder pelos danos injustos causados ao paciente inocente.224

Além disso, o termo de consentimento deve, da mesma forma como referido no tópico supra, conter informação acessível ao paciente, de modo que ele compreenda tudo o que está escrito e possa, de forma autodeterminada, escolher se se submeterá ou não ao tratamento, exame etc.

224 ITURRASPE, Jorge Mosset et PIEDECASAS, Miguel A. Derechos del paciente: Doctrina – Jurisprudencia. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2011, p.66.

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CAPÍTULO IV