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OS LIMITES DO DEVER DE INFORMAR

4.5 Limites do dever de informar em outros ordenamentos e a solução brasileira Em termos gerais, o aperfeiçoamento do dever de informação na relação

5.1.1 Os adultos incapazes

A incapacidade psíquica pode levar o indivíduo a sofrer um processo de interdição, restringindo, como já referido, sua possibilidade de prática autônoma de alguns ou todos os atos da vida civil (Código Civil, artigo 3º, II). As alterações mentais nos indivíduos podem lhes dificultar a compreensão da informação que lhes é transmitida, como é o caso dos oligofrênicos321, ou também lhes obstaculizar a correta interpretação da informação recebida, tal como na circunstância das pessoas que sofram de paranóias e transtornos delirantes322, caso dos portadores, v.g., de esquizofrenia.

318 BARBOZA, Heloisa Helena. A autonomia da vontade... cit, p.11. 319 Idem ibidem, p.11

320 MOTA PINTO, Carlos Alberto. Teoria geral ... cit., p.195-196

321 Dicionário Houaiss Eletrônico, v. 3.0, 2009: “Rubrica: psiquiatria. Oligofrenia - deficiência do

desenvolvimento mental, congênita ou adquirida em idade precoce, que abrange toda a personalidade, comprometendo sobretudo o comportamento intelectual; oligopsiquia.”.

322 CID 10 (classificação internacional de doenças): F20-F29 Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e

170 Cabe ressaltar que a avaliação de tal situação deve ser técnica e rigorosamente casuística, tomando-se o cuidado de não generalizar condutas, criando capitis deminutio sem ter por base as informações de cada caso concreto.323 De todo modo, deve-se se observar a capacidade de compreensão do paciente, ainda que limitada, visando a obtenção de seu consentimento para o tratamento. 324 Excetuam-se os casos em que a não

realização do proposto tratamento coloca a vida do paciente em risco, pois nessas hipóteses será recomendável – caso possível – recorrer a seu curador.

Tratando-se do tema das incapacidades, a especialidade médica que ganha maior corpo e relevância é a psiquiatria: nessa especialidade – sobretudo nos casos de pessoas portadoras de deficiência325 – o emprego de fármacos psicotrópicos326 de maneira

323 Livro de recursos da OMS sobre saúde mental, direitos humanos e legislação. OMS 2005, p.52/53.

http://www.who.int/mental_health/policy/Livroderecursosrevisao_FINAL.pdf (com acesso em 30/11/2011) “A maioria das pessoas com transtornos mentais retém a capacidade para fazer escolhas informadas e tomar decisões com relação a questões importantes que afetam suas vidas. Entretanto, nos que possuem transtornos mentais graves, essa capacidade pode estar prejudicada. Nessas circunstâncias, a legislação precisa estipular condições adequadas que permitam administrar os negócios das pessoas com transtornos mentais em seus melhores interesses.

Dois conceitos fundamentais às decisões sobre se uma pessoa pode ou não tomar decisões concernentes a várias questões são os de “competência” e “capacidade”. Esses conceitos afetam as decisões de tratamento em casos civis e criminais, e o exercício dos 52 direitos civis por pessoas com transtornos mentais. Dessa forma, pode ser necessário que a legislação defina capacidade e competência, estipule os critérios para determiná-las, estabeleça o procedimento para avaliar capacidade e competência e identifique as medidas que precisam ser tomadas quando se constatar uma falta de competência e/ou capacidade.”.

324 Convenção para a proteção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da

biologia e da medicina, Conselho da Europa, Oviedo, 1999, Artigo 7º, Proteção das pessoas que sofram de perturbação mental: “Sem prejuízo das condições de proteção previstas na lei, incluindo os procedimentos de vigilância e de controle, bem como as vias de recurso, toda a pessoa que sofra de perturbação mental grave não poderá ser submetida, sem o seu consentimento, a uma intervenção que tenha por objetivo o tratamento dessa mesma perturbação, salvo se a ausência de tal tratamento puser seriamente em risco a sua saúde”.

325 Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção internacional sobre os direitos

das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Artigo 25: Saúde “Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm o direito de usufruir o padrão mais elevado possível de saúde, sem discriminação baseada na deficiência. os Estados Partes deverão tomar todas as medidas apropriadas para assegurar o acesso de pessoas com deficiência a serviços de saúde sensíveis às questões de gênero, incluindo a reabilitação relacionada à saúde. Em especial, os Estados Partes deverão:

[...]

b) Exigir dos profissionais de saúde o atendimento com a mesma qualidade para pessoas com deficiência que para outras pessoas, incluindo, com base no livre e informado consentimento, entre outros, a conscientização sobre direitos humanos, dignidade, autonomia e necessidades das pessoas com deficiência, através de capacitação e promulgação de padrões éticos para serviços de saúde públicos e privados.” (salientou-se).

171 inadequada é a segunda maior causa de litígios nos Estados Unidos (a primeira é relativa a suicídios).

Se o tratamento não tiver relação com a moléstia mental que acomete o indivíduo, sua recusa a submeter-se deverá ser respeitada, desde que fique comprovada capacidade suficiente para a prática dos atos da vida civil, dentre eles, expressar consentimento. Este deverá ser suplementarmente obtido de seu representante legal (o mesmo se aplica para tratamentos de desintoxicação e reabilitação por uso de drogas psicoativas lícitas ou ilícitas e tratamentos por eletroconvulsoterapia)327, exceto nos casos de ausência absoluta de capacidade para consentir ou situações de urgência, quando apenas o consentimento do representante será suficiente.

A capacidade de fato dependerá da inteligência de cada indivíduo, sua habilidade de entendimento e vontade própria da pessoa natural328, e estas características variam de pessoa para pessoa, não estando tais requisitos presentes em todas elas. Além disso, tais requisitos nem sempre se apresentam na mesma intensidade, razão pela qual a lei limita ou impede329 o exercício autônomo dos atos da vida civil por parte de alguns

indivíduos, utilizando-se de critérios como idade e doença mental (ou doença que afete sua esfera mental).

5.1.2 Os menores

Outro grupo de pessoas que devem ter seus interesses tutelados de maneira diferenciada é o composto pelas crianças e adolescentes de até 18 anos – os menores de

326 Organização Mundial da Saúde - OMS, 1981: “drogas psicotrópicas são aquelas que agem no Sistema

Nervoso Central (SNC) produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, portanto, passíveis de auto-administração”. (uso não sancionado pela Medicina).

327 GALÁN CORTÉS, Julio César. Responsabilidad médica … cit., p.95-96. 328 AMARAL, Francisco. Direito civil ... cit., p.264.

329 Ibidem, p.266 “Quanto à idade, o direito estabelece dois momentos da existência humana como essenciais

para a capacidade de exercício: aos 16 e aos 18 anos. Até os 16, considera-se que o ser humano não tem o necessário discernimento para a prática de atos jurídicos, pelo que não os pode validamente praticar. A incapacidade é absoluta e tais atos serão nulos. Dos 16 aos 18 anos, porem, o direito já lhe reconhece certa maturidade e, consequentemente, determina capacidade para o exercício da vida civil, desde que assistido”.

172 idade. Seja em relação aos absolutamente incapazes de até 16 anos, ou os relativamente incapazes de 16 a 18 anos, tanto a Constituição Federal, em seu artigo 227330, quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tratam esse grupo possuidor de características especiais (por serem seres humanos em desenvolvimento) também de maneira particular, através do mecanismo de proteção do melhor interesse da população infanto-juvenil, a chamada doutrina da proteção integral (ECA, artigo 1º 331), doutrina essa que encontra sua

origem na Convenção Internacional dos Direitos da Criança.332

Como referido supra, a atual Constituição brasileira, assim como o ECA marcam uma mudança de paradigma no tratamento das crianças e adolescentes, que deixam de ser meros objetos de direito, à mercê da vontade de seus pais ou – em determinados casos – do juiz, para determinar quais as melhores opções para eles, que passam então a ter uma participação mais ativa na proteção de seus interesses e direitos, com especial importância para o presente estudo, de sua saúde. Destarte, as crianças e jovens passam a ser considerados sujeitos ativos do seu próprio destino e devem ser ouvidos333 (sempre que possível, e enquanto titulares de peculiar condição de pessoa em

330 Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta

prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

331 Artigo 1º “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”.

332 Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança é Tratado que visa à proteção de crianças e

adolescentes de todo o mundo, aprovada na Resolução 44/25 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, ratificada pelo Brasil e incorporada ao ordenamento através do Decreto nº 99710 e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

333 ECA, em seu artigo 28 regula a guarda da criança ou do adolescente: “A colocação em família substituta

far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

§ 1º “Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.

§ 2o Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em

audiência.”

Em igual sentido, demonstrando o alinhamento das duas normas. Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, artigo 12:

“1- Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se em consideração essas opiniões, em função da idade e da maturidade da criança.

2- Com tal propósito, proporcionar-se-á à criança, em particular, a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais de legislação nacional”.

173 desenvolvimento), a respeito dos assuntos que possam vir a afetá-los, visando a proteção de seu melhor interesse.334

Desse modo, se a criança ou adolescente deve ser ouvido(a), ter sua opinião bem como suas preferências levadas em conta, relativamente às questões de guarda, entende-se que, por analogia, também – e de maneira igualmente importante para seu bom desenvolvimento psicofísico – deve ser ouvido(a) nas questões relativas à sua saúde e, consequentemente, também em relação ao seu consentimento, seguindo uma tendência de “afirmação de maior autonomia e maior respeito pela opinião do menor”.335

Como exemplos do aqui antes afirmado, pode-se mencionar o Código de ética e deontologia médica espanhol, que em seu artigo 10.6, estatui que “a opinião do menor será levada em consideração, como um fator que será mais determinante em função de sua idade e grau de amadurecimento”336, e também a lei argentina de direitos dos

334 Idem, artigo 3º:

“1- Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança.

2- Os Estados Partes comprometem-se a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários ao seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.

3- Os Estados Partes certificar-se-ão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada.” (salientou-se).

335 PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento...cit. p.291.

336 Tradução livre. No original: Código de Etica y Deontología Médica Español (10/09/1999), Artículo 10:

“1. Los pacientes tienen derecho a recibir información sobre su enfermedad y el médico debe esforzarse en dársela con delicadeza y de manera que pueda comprenderla. Respetará la decisión del paciente de no ser informado y comunicará entonces los extremos oportunos al familiar o allegado que haya designado para tal fin.

2. Un elemento esencial de la información debida al paciente es darle a conocer la identidad del médico que en cada momento le está atendiendo.

3. El trabajo en equipo no impedirá que el paciente conozca cual es el médico responsable de la atención que se le presta y que será su interlocutor principal ante el equipo asistencial.

4. Cuando las medidas propuestas supongan para el paciente un riesgo significativo el médico le proporcionará información suficiente y ponderada a fin de obtener, preferentemente por escrito, el consentimiento específico imprescindible para practicarlas.

5. Si el enfermo no estuviese en condiciones de dar su consentimiento por ser menor de edad, estar incapacitado o por la urgencia de la situación, y resultase imposible obtenerlo de su familia o representante legal, e médico deberá prestar los cuidados que le dicte su conciencia profesional.

6. La opinión del menor será tomada en consideración como un factor que será tanto más