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A avaliação da qualidade em Portugal

CAPÍTULO II: Educação e cuidados de elevada qualidade para crianças com idade inferior a

2. Avaliação da qualidade dos contextos de educação e cuidados

2.2 Alguns resultados obtidos

2.2.1 A avaliação da qualidade em Portugal

Têm sido realizados alguns estudos em Portugal com o objectivo de apresentarem dados relativos à qualidade da educação e dos cuidados em contexto de creche e de jardim-de-infância, tendo a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde foi desenvolvido o presente estudo, participado em (ou desenvolvido) diversos projectos de investigação nas últimas décadas acerca desta temática.

Com início em 1986, uma equipa do Centro de Psicologia do Desenvolvimento e da Educação da Criança desta faculdade participou no Projecto Pré-Primário da International Association for the Evaluation of Educacional Achievement – IEA, que consistiu num estudo comparativo levado a cabo em diferentes países sobre os cuidados e educação da primeira infância a nível formal e informal (Barbosa et al., 1992). Este estudo tinha como objectivo principal obter conhecimentos que permitissem melhorar a qualidade das experiências educativas das crianças em vários países (Bairrão, 1998), permitindo obter informação representativa a nível nacional acerca da situação das crianças de 4 anos de idade, nomeadamente sobre onde estavam e com quem (Abreu-Lima, 2003). Em 1989, num livro no qual participaram todos os países envolvidos, foram publicados dados demográficos acerca da situação portuguesa, bem como a descrição dos serviços disponíveis nessa altura (Bairrão et al., 1989).

O mesmo centro de investigação participou posteriormente no European Child Care and Education Study (ECCE), que envolveu Portugal, Espanha, Alemanha e Áustria. Os objectivos gerais deste projecto eram (1) descrever as características da qualidade de dois contextos – a família da

Educação e cuidados de elevada qualidade

criança e o contexto de educação e cuidados extrafamiliar que a criança frequentava – nos quatro países, (2) analisar as relações entre as diversas características de qualidade em cada contexto e (3) relacionar as características da qualidade em ambos os contextos com os resultados da criança. A ênfase do estudo era na comparação dos resultados dos países participantes (ECCE Study Group, 1997). Foram encontradas diferenças nos resultados da qualidade, avaliada pela ECERS, nos quatro países, tendo as salas da Áustria e da Alemanha revelado qualidade mais elevada do que as salas de Portugal e de Espanha. Os valores médios de qualidade situaram-se abaixo do valor 5.0, indicativo de boa qualidade, e pelo menos 2/3 das salas, em cada país, obtiveram resultados equivalentes a qualidade mínima ou inadequada. No que se refere à qualidade das interacções, avaliada pela Caregiver Interaction Scale – CIS (Arnett, 1989), os resultados situaram-se num nível correspondente a qualidade elevada, havendo pequenas diferenças entre países (ECCE Study Group, 1997). No âmbito deste estudo, foram identificados dois factores da qualidade de processo, avaliada com a ECERS: Ensino e interacção (inclui aspectos da qualidade directamente relacionados com as interacções dos educadores e com a forma como o desenvolvimento das crianças é estimulado) e Espaço e materiais (aspectos da qualidade relacionados com a disponibilidade de espaço e materiais, como pré-requisitos para a aprendizagem e as actividades, bem como a forma como o espaço e os materiais são utilizados). Portugal obteve pontuações médias mais elevadas no primeiro factor do que no segundo. Não se verificaram diferenças entre os países no primeiro factor, mas no segundo factor Portugal e Espanha obtiveram cotações inferiores à Áustria e à Alemanha (ECCE Study Group, 1997). De forma a melhor comparar os resultados obtidos pelos quatro países, foi conduzida uma análise discriminante, que permitiu obter duas funções (1) Disponibilidade e uso do espaço e dos materiais de jogo e (2) Cuidados personalizados. As salas portuguesas obtiveram pontuações elevadas nos Cuidados personalizados e pontuações moderadas na Disponibilidade e uso do espaço e dos materiais de jogo (ECCE Study Group, 1997).

Com o intuito de consolidar este projecto (ECCE) e um estudo dos EUA (Cost, Quality, and Child Outcomes in Child Care Centers Study) foi desenvolvido o International Child Care and Education Project – Estudo Internacional sobre Educação e Cuidados de Crianças em Idade Pré-Escolar (ICCE), de 1992 a 1998 (Tietze, Cryer, Bairrão, Palacios, & Wetzel, 1996). À semelhança do que foi descrito a propósito do ECCE, o ICCE pretendia estudar a diversidade e a qualidade das experiências educativas das crianças dos 3 aos 6 anos de idade em diferentes contextos de socialização (família e jardins-de- infância) e analisar o efeito dessas experiências no desenvolvimento das crianças e na qualidade de vida das famílias (Bairrão, 1998), possibilitando estudos comparativos entre os quatro países europeus (Alemanha, Portugal, Espanha e Áustria) e quatro estados dos Estados Unidos da América (Colorado,

Capítulo II

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Califórnia, Carolina do Norte e Connecticut). Os resultados médios obtidos com base em 22 itens da ECERS revelaram que as salas de jardim-de-infância dos diversos países/estados eram de qualidade mínima (valores médios entre 3.00 e 5.00) (Tietze et al., 1996). Os contextos de prestação de cuidados austríacos e alemães apresentavam valores mais elevados, tendo os autores considerado que estas diferenças se podem dever ao facto de possuírem “infra-estruturas sólidas que apoiam serviços de educação e cuidados de elevada qualidade. Adicionalmente, nestes dois países, verifica-se uma tendência no sentido de seguir uma tradição em Educação Pré-Escolar na qual o espaço físico é organizado de forma a permitir escolhas livres e exploração pelas crianças em detrimento das actividades em grande grupo" (Tietze et al., 1996, p. 469). Por outro lado, consideraram que os baixos resultados obtidos em Espanha podiam dever-se ao facto de se utilizar uma abordagem mais tradicional, académica, com a ênfase colocada no trabalho orientado pelo adulto, que inclui o grande grupo, enfatizando menos o jogo livre e o trabalho individualizado. As salas de jardim-de-infância portuguesas obtiveram resultados médios na ECERS entre 3.0 e 5.6 (M = 4.26, DP = 0.51) (Tietze et al., 1996). Relativamente aos resultados da CIS, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os países, sendo os resultados obtidos na Áustria e em Espanha superiores aos dos EUA (Tietze et al., 1996). De qualquer modo, os resultados obtidos com esta escala revelaram que, em qualquer um dos cinco países, os adultos geralmente revelavam elevados níveis de sensibilidade, aceitação e envolvimento nas suas interacções com as crianças.

Na sequência destes projectos, o Centro de Psicologia da Universidade do Porto tem vindo a desenvolver, nos últimos anos, um projecto de investigação designado “A Qualidade das Interacções da Criança em Contexto Familiar e de Creche e a sua Influência no Desenvolvimento Sociocognitivo da Criança” (2000-2003), que se prolongou com o “Projecto Longitudinal do Envolvimento e Adaptação da Criança” (2004-2007), acompanhando as crianças (e suas famílias) já durante a frequência do jardim- de-infância. Este projecto é constituído até ao momento por duas fases, tendo sido avaliadas no âmbito da primeira 30 salas de creche do distrito do Porto, utilizando a primeira edição da ITERS. Os resultados revelaram uma qualidade baixa (M = 2.55, DP = 0.42) (Aguiar et al., 2002)2. Tendo em conta as limitações desta parte do estudo, nomeadamente no que refere à reduzida dimensão da amostra, e com o objectivo de explorar melhor resultados relativos à qualidade do ambiente de creche, foi definida a presente investigação centrada no estudo da qualidade neste tipo de contextos, com um número de salas participantes consideravelmente mais elevado.

2 Dados relativos à avaliação das mesmas salas de creche foram também analisados por Pessanha (2005), por Pessanha, Aguiar e Bairrão (2007) e por Pinto (2006).

Educação e cuidados de elevada qualidade

Outros investigadores/equipas de investigação têm igualmente desenvolvido projectos relacionados com a qualidade dos contextos de creche e de jardim-de-infância. Por exemplo, Gabriela Portugal (2000)3 desenvolveu um estudo no qual se pretendia efectuar a análise comparativa de dois grupos de crianças, com problemas de adaptação à creche e sem problemas de adaptação à creche, caracterizando-os em termos de idade de entrada na creche, sexo, temperamento, caracterização do ambiente familiar e da creche, relação mãe-criança, bem-estar materno e saúde familiar, e avaliando os principais aspectos do seu desenvolvimento e bem-estar. Verificou-se que “a adaptação à creche é globalmente função de: (1) relação mãe-criança, bem-estar materno, nível educacional e profissional parental; (2) nível de desenvolvimento da criança, temperamento e tipo de acolhimento durante o primeiro ano de vida da criança; (3) qualidade da creche” (Portugal, 2000, p. 32). Podendo existir problemas de adaptação em qualquer creche, independentemente da qualidade, verificou-se contudo que nas creches de menor qualidade se verificavam mais problemas de comportamento no início e no decurso do ano lectivo, enquanto que nas creches de qualidade mais elevada as dificuldades se iam dissipando com o decurso do tempo. Neste estudo, as creches foram avaliadas com recurso a uma Grelha para observação/avaliação da creche (Portugal, 1998a).