• Nenhum resultado encontrado

Práticas promotoras do desenvolvimento das crianças

CAPÍTULO II: Educação e cuidados de elevada qualidade para crianças com idade inferior a

1. Definição de educação e cuidados de boa qualidade

1.2 Práticas promotoras do desenvolvimento das crianças

A National Association for the Education of Young Children (NAEYC) é uma organização norte- americana que tem desenvolvido esforços no sentido de promover a qualidade na área da educação e dos cuidados para as crianças, tendo Sue Bredekamp, acima referenciada, contribuído grandemente para os trabalhos desenvolvidos por esta associação. A NAEYC (1998) define um programa de elevada qualidade como aquele que garante um ambiente seguro e educativo que promove o desenvolvimento das crianças nos vários domínios (físico, social, emocional, estético, intelectual e da linguagem), sendo também sensível às necessidades e preferências das famílias.

A NAEYC (1997) utiliza a designação programas desenvolvimentalmente adequados para se referir aos programas que contribuem para o desenvolvimento da criança, descrevendo os princípios para a implementação de práticas desenvolvimentalmente adequadas em serviços de educação para a infância, destinados a gestores ou técnicos da administração pública ou privada, educadores, professores, pais, políticos, bem como todos aqueles que tomam decisões. A mesma associação (1997) sugere linhas de orientação para a prática profissional, abordando 5 dimensões inter- relacionadas: (1) criar uma comunidade interessada de aprendizes; (2) ensinar de modo a promover o desenvolvimento e a aprendizagem; (3) construir um currículo adequado; (4) avaliar o desenvolvimento e aprendizagem da criança; e (5) estabelecer relações recíprocas com as famílias.

A primeira dimensão reflecte os conhecimentos acerca da construção social do conhecimento e da importância de se estabelecer uma comunidade inclusiva na qual as crianças se desenvolvem e aprendem, implicando que: (a) os participantes contribuam para o bem-estar e aprendizagem uns dos outros; (b) se verifiquem relações positivas consistentes, com um número limitado de adultos e outras crianças, e cada criança seja valorizada; (c) as crianças tenham oportunidades para interagir com outras crianças em pequenos grupos; (d) o ambiente de aprendizagem seja planeado para proteger a saúde e a segurança das crianças e apoiar as suas necessidades fisiológicas de actividade (nomeadamente no exterior), estimulação sensorial, descanso e nutrição; e (e) o ambiente seja organizado e a rotina seja dinâmica, mas previsível, e exista variedade de materiais e oportunidades para as crianças terem experiências significativas.

A segunda dimensão, relativa ao ensino, responsabiliza os profissionais de educação pela criação das condições necessárias ao desenvolvimento saudável e aprendizagem das crianças. A NAEYC (1997) conceptualiza as relações com adultos como determinantes críticos do desenvolvimento social e emocional e como importantes mediadores do desenvolvimento intelectual e da linguagem das crianças. Relembra, contudo, que as crianças são construtores activos do seu próprio conhecimento e

Educação e cuidados de elevada qualidade

que beneficiam da oportunidade de iniciar e regular as suas próprias actividades de aprendizagem e interacção com pares. Desta forma, os educadores devem conseguir um equilíbrio óptimo entre a aprendizagem iniciada pelas crianças e a orientação e apoio do adulto.

No que se refere à terceira dimensão, a NAEYC considera que o conteúdo de um currículo deve ser determinado por vários factores, nomeadamente temas de diferentes disciplinas, valores sociais e culturais, contributos parentais, idade e experiência das crianças.

Relativamente à quarta dimensão, a avaliação do desenvolvimento e aprendizagem de cada criança é essencial para o planeamento e implementação de um currículo adequado. A última dimensão, relativa à necessidade de estabelecer relações recíprocas com famílias, implica um conhecimento profundo de cada criança e do contexto em que se desenvolve e aprende. Quanto mais nova for a criança, mais importante é a promoção de um ambiente em que pais e profissionais trabalhem em conjunto.

Reconhecendo, assim, que um programa de elevada qualidade é aquele que contribui para o desenvolvimento das crianças, a NAEYC (1997) apresenta os princípios do desenvolvimento e da aprendizagem das crianças, que fundamentam as práticas desenvolvimentalmente adequadas: (1) as áreas do desenvolvimento das crianças – físico, social, emocional e cognitivo – estão interligadas, ou seja, o desenvolvimento de uma área influencia e é influenciado pelo desenvolvimento noutra área; (2) o desenvolvimento ocorre de acordo com uma sequência relativamente ordenada, com as capacidades, competências e conhecimentos a construírem-se com base nos adquiridos anteriormente; (3) o ritmo do desenvolvimento varia de criança para criança e até de área para área, numa mesma criança; (4) as experiências precoces têm quer um efeito cumulativo, quer um efeito retardador no desenvolvimento das crianças e existem períodos óptimos para determinados tipos de desenvolvimento e aprendizagem; (5) o desenvolvimento sucede numa direcção previsível, no sentido de maior complexidade, organização e internalização; (6) o desenvolvimento e a aprendizagem ocorrem em, e são influenciados por, múltiplos contextos sociais e culturais; (7) as crianças são aprendizes activos, baseando-se na experiência física e social, bem como no conhecimento transmitido pela cultura, para construir a sua compreensão do mundo envolvente; (8) o desenvolvimento e a aprendizagem resultam da interacção da maturação biológica e do ambiente, o que inclui o mundo físico e social em que as crianças vivem; (9) o jogo é um veículo importante para o desenvolvimento social, emocional e cognitivo, bem como um reflexo do desenvolvimento; (10) o desenvolvimento progride quando as crianças têm oportunidades para praticar as competências recém-adquiridas, bem como quando experimentam um desafio de um nível imediatamente superior ao seu nível actual de mestria; (11) as crianças demonstram diferentes modos de conhecer e de aprender e diferentes formas de representar

Capítulo II

60

o que sabem; e (12) as crianças desenvolvem-se e aprendem melhor no contexto de uma comunidade onde estão seguras e são valorizadas, as suas necessidades físicas são satisfeitas e se sentem psicologicamente seguras.

Reflectindo acerca das práticas desenvolvimentalmente adequadas, Bredekamp (1999) considera que o sistema de acreditação da NAEYC constituiu uma solução massiva para dois grandes problemas existentes nos EUA: a falta de padrões de qualidade nacionais, uniformes e consistentes, e a falta de programas de elevada qualidade. Bredekamp (1999) sistematiza as lições aprendidas ao longo de 12 anos de administração do programa de acreditação da NAEYC, focando três áreas: (1) lições para a prática, (2) lições para o desenvolvimento profissional e (3) lições para as políticas. Relativamente às lições para a prática refere o estabelecimento de padrões de qualidade, a interpretação dos padrões na prática e a administração de programas de boa qualidade. O estabelecimento de padrões de qualidade tem sido importante e útil, havendo investigação que apoia o seu impacto no desenvolvimento das crianças. Contudo, a utilização de escalas de avaliação e de listas de verificação, apesar de necessária, torna difícil transmitir a ideia de que a qualidade é um todo, uma globalidade, e não apenas uma soma de partes. As práticas desenvolvimentalmente adequadas, definidas pela NAEYC, foram alvo de algumas críticas e más interpretações. O processo de revisão permitiu responder a algumas das críticas apontadas, tendo, contudo, tornado mais exigente a avaliação dos centros para acreditação, nomeadamente no que se refere à necessidade de se promoverem práticas que respeitem as necessidades individuais das crianças e que se adaptem às suas características (Bredekamp, 1999). Relativamente à administração de programas de boa qualidade, esta autora refere que tem sido demonstrada a importância do papel do director dos centros e do ambiente profissional, pelo que se incluiu nos novos padrões de qualidade da NAEYC o compromisso do programa com a inovação e a melhoria da qualidade (NAEYC, 1998, como citado em Bredekamp, 1999). As práticas desenvolvimentalmente adequadas têm contribuído, segundo Bredekamp, para o desenvolvimento profissional, fornecendo um enquadramento para os programas que preparam profissionais ligados à educação e cuidados das crianças mais novas e exigindo responsabilidade ética na avaliação e cumprimento dos padrões de elevada qualidade. No que concerne às políticas, a autora relembra que o processo de acreditação pela NAEYC ocorre num contexto social, político e cultural, havendo por vezes incompatibilidades entre os critérios de qualidade desta associação e os critérios de qualidade requeridos pelos diferentes estados (habitualmente menos exigentes). Além deste aspecto, para a NAEYC foi difícil estabelecer critérios válidos a nível nacional, quando se verificam diferenças acentuadas entre os padrões mínimos exigidos nos diversos estados. A situação mais evidente relaciona-se com o rácio adulto-criança e com o número de crianças em cada

Educação e cuidados de elevada qualidade

grupo, problema para o qual não foi encontrada solução, apesar das discussões. Bredekamp (1999) refere ainda que o processo de acreditação seria beneficiado se houvesse um sistema de financiamento dependente da obtenção da acreditação, sendo necessário, nessa situação, definir qual dos sistemas de acreditação existentes seria o mais adequado.

As práticas desenvolvimentalmente adequadas resultam do processo através do qual os profissionais tomam decisões acerca do bem-estar e educação das crianças, com base nos conhecimentos acerca do desenvolvimento e aprendizagem das crianças, das forças, dos interesses e das necessidades de cada criança do grupo e dos contextos sociais e culturais em que as crianças vivem (NAEYC, 1997). Cada uma destas dimensões do conhecimento é dinâmica e desafiante, exigindo que os educadores e outros profissionais permaneçam aprendizes ao longo das suas vidas profissionais. Aliás, a NAEYC (1997) responsabiliza os profissionais de educação pela implementação e promoção de padrões de elevada qualidade e profissionalismo nas instituições de educação para a infância, devendo reflectir conhecimentos actualizados e crenças partilhadas acerca do que constitui educação de elevada qualidade e adequação desenvolvimental.

Diversos estudos têm demonstrado a importância da formação dos prestadores de cuidados no domínio da Educação de Infância, especificamente de crianças mais novas. Arnett (1989), num estudo no qual participaram 59 prestadores de cuidados, verificou que os adultos que tinham completado uma formação de quatro anos em Educação de Infância eram mais competentes no seu trabalho do que os adultos que tinham substancialmente menos formação ou que não tinham qualquer formação na área. Além disso, os prestadores com alguma formação, ainda que muito básica, eram menos autoritários e mais positivos e menos distantes na sua relação com as crianças, do que os que não tinham qualquer formação. Educação, formação e cuidados estão interligados (Portugal, 1998a), exigindo que os educadores tenham conhecimentos acerca do desenvolvimento e dos comportamentos da criança com menos de 3 anos de idade, sejam capazes de compreender e reflectir acerca das diferentes necessidades de cada criança e sejam capazes de promover a exploração, as actividades de aprendizagem e a imaginação da criança. Também a OCDE (2001) reforça a importância de se promover a adequada formação (inicial e contínua) dos profissionais que trabalham em instituições de educação de infância, considerando que há lacunas comuns a vários países, nomeadamente nas áreas: trabalho com os pais, trabalho com bebés e crianças com menos de 3 anos de idade, educação especial e bilingue/multicultural, investigação e avaliação. A OCDE verificou que em alguns países, entre os quais Portugal, a divisão que na prática se estabelece entre cuidados e educação tem consequências ao nível da formação dos profissionais, bem como nos salários e nas condições de

Capítulo II

62

trabalho. Nas instituições ligadas à Segurança Social, os profissionais têm níveis inferiores de educação formal, menos especialização na área de educação de infância e piores condições de trabalho do que os profissionais que trabalham integrados no sistema educativo. Quando todos os serviços se encontram sob a responsabilidade do mesmo Ministério, geralmente a qualificação do pessoal que trabalha com todas as crianças, do nascimento aos 6 anos de idade, é superior (OCDE, 2001).

Jensen (1994) reforça a ideia da importância da formação dos profissionais, referindo que a principal razão para o sucesso dos serviços de educação e cuidados na Dinamarca é o nível de formação do pessoal. A formação dos profissionais de educação de infância coloca uma grande ênfase no desenvolvimento pessoal dos alunos, encoraja o desenvolvimento de competências culturais e inclui períodos extensos de prática. Outros autores, como Jalongo et al. (2004), definem mesmo as áreas de competência essenciais dos profissionais de educação de infância, incluindo: história e filosofia da educação de infância; crescimento, desenvolvimento e aprendizagem das crianças; saúde, segurança e nutrição; desenvolvimento e implementação do currículo; práticas adequadas de avaliação e gestão dos serviços; competências de colaboração e profissionalismo; e desempenho eficaz durante a prática supervisionada e estágio. Cochran e colaboradores (2000) referem que a visão tradicional de que todas as mulheres gostam de crianças e que todas têm uma habilidade natural para prestarem bons cuidados é um mito, acrescentando que “muitas mulheres e muitos homens que gostam de crianças não têm a paciência ou as competências para serem bons educadores de infância e bons prestadores de cuidados” (Cochran et al., 2000, p. 1).