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Ideias dos pais sobre critérios de qualidade

CAPÍTULO II: Educação e cuidados de elevada qualidade para crianças com idade inferior a

4. Ideias dos pais e dos educadores sobre a qualidade dos contextos de educação e cuidados

4.1 Ideias dos pais sobre critérios de qualidade

Grande parte da investigação na qual os pais participam assume uma perspectiva de mercado, isto é, considera os pais consumidores dos serviços de educação e cuidados. Por exemplo, Cryer e Burchinal (1997) estudaram as percepções dos pais, tendo dado ao trabalho publicado em 1997 o título Parents as child care consumers. Estas autoras referem que as políticas nos EUA partem do pressuposto de que os pais têm os seus próprios critérios de qualidade relativos aos cuidados prestados às crianças e podem fazer a escolha mais adequada para a sua família, seleccionando aquele que melhor corresponde aos seus requisitos. É também assumido que, uma vez que os pais visitam as instituições de prestação de cuidados diariamente, podem monitorizar o programa e retirar a criança, caso não estejam satisfeitos. Mitchell, Cooperstein e Larner (1992) referem que, se é colocada aos pais esta responsabilidade, é necessário promover a educação do consumidor, vista como o processo de comunicar informação objectiva aos pais sobre os produtos ou serviços, que lhes permita efectuar melhores escolhas, o que, por sua vez, promove no mercado a produção de melhores serviços ou produtos. Os consumidores com uma boa formação a este nível, ou seja, que são capazes de escolher apenas os melhores serviços/produtos, pressionam o mercado. Segundo Mitchell et al. (1992) para serem promovidos programas de educação do consumidor, seria necessário conhecer como os pais escolhem os serviços, em que medida estão satisfeitos com os serviços que utilizam e quais são as suas preferências. Estes autores referem ainda que os pais geralmente usam fontes informais

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(como familiares próximos e amigos) para obterem informação acerca dos serviços de educação e cuidados e só depois procuram fontes formais de informação (como jornais e agências da comunidade). Assim, as estratégias utilizadas são as mesmas que se utilizam quando se procura responder a outras necessidades, como procurar emprego ou casa, isto é, baseiam-se inicialmente em “passar a palavra”. Também Blau (1991) refere a importância das preferências dos pais, especialmente quando se adopta a perspectiva da economia, considerando que os pais podem preocupar-se com as características dos serviços relacionadas com o desenvolvimento das crianças (como o tamanho do grupo ou o rácio adulto-criança), mas têm igualmente outras preocupações (como os factores de conveniência e a partilha de valores com os prestadores de cuidados extrafamiliares). Do ponto de vista de um economista, a escolha de uma estrutura de educação e cuidados extrafamiliar, pelos pais, envolve (a) a qualidade desejada, (b) o preço desse tipo de estrutura e (c) os recursos da família (Mitchell et al., 1992). Contudo, estudos realizados em diversos países revelam que esta decisão não é assim tão simples e objectiva para os pais. Adicionalmente, os próprios resultados da investigação neste domínio nem sempre são coincidentes, como se poderá constatar de seguida.

Estudos realizados nos EUA concluíram que, na escolha dos serviços, os pais atribuem maior importância a factores de conveniência, como o preço e a localização, do que a outros indicadores, como saúde e segurança, oportunidades de aprendizagem e interacções positivas (Kisker & Maynard, 1991, como citado em Cryer & Burchinal, 1997). No mesmo sentido vão os resultados encontrados pelo IEA Preprimary Project (Ojala & Opper, 1994), indicando que razões de conveniência eram os principais motivos para a escolha do local de prestação de cuidados para os filhos com idades compreendidas entre 3 anos e meio e 4 anos e meio na China, na Finlândia, na Itália, na Tailândia e em Portugal. Na Finlândia, na Alemanha e em Portugal o factor de conveniência mais referido era a localização. Na Alemanha, na Nigéria e em Espanha as razões de conveniência tinham o mesmo valor que outras características, como a informação positiva recebida acerca do serviço, características não- físicas e não existência de outras alternativas. Ter informação positiva sobre o serviço era o factor referido mais frequentemente na Nigéria e nos EUA (Ojala & Opper, 1994).

Na tentativa de perceber quais os factores mais influentes na escolha da estrutura de educação e cuidados, Early e Burchinal (2001) pediram a pais (brancos, negros e hispânicos) de bebés, de crianças com menos de 3 anos e de crianças com mais de 3 anos para dizerem em que medida seis factores eram importantes na escolha do serviço de educação e cuidados: um local próximo de casa, custo razoável, um prestador de cuidados que fale inglês com a criança, um pequeno número de crianças na mesma sala ou grupo, um local que as crianças possam frequentar mesmo que estejam doentes e um prestador de cuidados que tenha formação sobre os cuidados a prestar às

Educação e cuidados de elevada qualidade

crianças. As características consideradas mais importantes, por ordem decrescente, foram: um prestador de cuidados que fale inglês com a criança, um prestador de cuidados que tenha formação sobre os cuidados a prestar às crianças e um pequeno número de crianças na mesma sala ou grupo. Os pais de crianças com mais de 3 anos valorizavam mais do que os pais de crianças com menos de 3 anos de idade estruturas com um prestador de cuidados que falasse inglês com a criança e um prestador de cuidados que tivesse formação sobre os cuidados a prestar às crianças. As autoras colocam a hipótese de os pais se preocuparem mais com estes aspectos à medida que se aproxima a entrada para a escola, devido às preocupações relacionadas com a prontidão. Neste estudo, as características de conveniência assumiram, assim, um peso menor do que outras características. Em 1986, Bogat e Gensheimer tinham igualmente solicitado a pais que classificassem a importância de 10 características dos serviços de educação e cuidados na escolha do centro, tendo verificado que as características mais importantes eram a saúde e segurança (99.3% dos participantes), seguida pela interacção entre pares e interacção com o adulto. Estas características foram referidas como tendo maior importância na escolha do serviço do que as razões de conveniência, como a localização e o custo.

Algumas características sociodemográficas das famílias parecem estar associadas aos factores preponderantes na escolha do serviço de educação e cuidados. Peyton, Jacobs, O’Brien e Roy (2001) verificaram que as mães de famílias com rendimentos económicos mais elevados e que trabalhavam menos horas escolhiam, tendencialmente, a estrutura de educação e cuidados com base mais na sua qualidade, do que noutras preocupações como o custo, as horas de funcionamento ou a localização. Verificaram ainda que as mães que relatavam mais preocupações e menor gratificação no seu papel de mães escolhiam as estruturas de educação e cuidados mais com base nas questões práticas do que as outras mães (Peyton et al., 2001). Os filhos de mães que escolhiam serviços com base nos seus critérios de qualidade frequentavam serviços de qualidade mais elevada, avaliada por observadores externos, do que os filhos de mães que os escolhiam com base em critérios práticos; os filhos de mães que escolhiam a estrutura com base no tipo de cuidados que preferiam (em centro, numa estrutura do tipo familiar ou com pessoas da família) frequentavam contextos de qualidade mais elevada que os dois outros grupos; as mães que escolhiam os serviços com base em questões práticas eram as que estavam menos satisfeitas (Peyton et al., 2001). Mitchell et al. (1992) referem que os pais de nível económico mais baixo enfrentam o mesmo tipo de tomadas de decisão complexas na escolha da estrutura de educação e cuidados e que as fontes de satisfação são as mesmas, tendo contudo limitações devido a custos que não podem suportar. De acordo com Mitchell et al. (1992) estes pais

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revelam-se geralmente menos satisfeitos com as escolhas efectuadas do que os pais de nível económico superior.

No estudo de Early e Burchinal (2001) os pais de nível económico inferior colocavam maior importância nos custos e na possibilidade de cuidarem de crianças doentes do que os pais de nível económico mais elevado, mas a importância atribuída à formação dos profissionais não variava em função do nível económico dos pais ou da etnia. A propósito da formação dos profissionais, Larner e Phillips (1994) referem que os pais são cépticos em relação à importância deste factor, considerando que não se pode ensinar alguém a amar. Acrescentam ainda que, enquanto os profissionais defendem que a formação dá aos prestadores de cuidados as competências que facilitam continuar a amar as crianças, mesmo que estejam com o grupo todo o dia, os pais esperam encontrar uma pessoa especial que cuide das crianças como eles cuidariam. Contudo, estes autores afirmam que os pais atribuem maior importância à formação dos educadores à medida que as crianças crescem, focando-se mais nas competências académicas e sociais. Segundo Larner e Phillips, as ideias dos pais acerca dos serviços de educação e cuidados dependem das suas crenças acerca das experiências que são mais importantes para as crianças, das suas atitudes em relação ao trabalho e ao papel da família, da idade da criança e dos valores culturais e étnicos da família. Os pais com crianças com menos de 3 anos de idade geralmente vêem os cuidados extrafamiliares como substitutos dos cuidados parentais, sendo necessários devido ao emprego ou formação dos pais. Os pais que vêem os cuidados extrafamiliares como um mal necessário tendem a procurar contextos semelhantes ao familiar. Estes pais geralmente dão muitas orientações ao prestador de cuidados, essencialmente relacionadas com as rotinas, como o sono, a alimentação e a autonomia, e com a interacção (e.g., pegar ao colo quando chora). Pelo contrário, os pais de crianças com mais de 3 anos de idade vêem as estruturas de educação e cuidados extrafamiliares como uma oportunidade educacional para a criança, um contexto onde a criança se pode tornar mais independente e adquirir competências sociais, verbais e académicas.

Apesar de os resultados obtidos em alguns estudos indicarem a conveniência como principal critério utilizado pela generalidade dos pais na escolha dos serviços, outros estudos referidos por Cryer e Burchinal (1997) indicaram que, quando as questões eram formuladas de outra forma, ou seja, quando os pais tinham oportunidade de atribuir diferentes graus de importância a critérios de qualidade das salas, valorizavam os mesmos aspectos que os profissionais (e.g., saúde, segurança, interacções positivas). Cryer e Burchinal (1997) realizaram um estudo que tinha como objectivo investigar o que os pais valorizam nos cuidados prestados às crianças e como avaliam a qualidade desses cuidados. Estas investigadoras tentaram determinar em que medida os pais valorizam aspectos da educação e dos

Educação e cuidados de elevada qualidade

cuidados que os profissionais consideram importantes (isto é, em que medida valorizam os itens da ITERS e da ECERS) e se os pais têm um conhecimento preciso acerca do que acontece às suas crianças nas instituições. Participaram neste estudo 2407 pais com filhos em jardim-de-infância e 727 pais com filhos em creche (instituições com fins lucrativos e sem fins lucrativos). Verificou-se neste estudo que todos os itens das escalas, ITERS e ECERS, recebiam pontuações indicativas de elevada importância, sendo que o item mais valorizado pelos pais de crianças em idade de creche era a interacção criança – educadora e pelos pais das crianças do jardim-de-infância era o item que avalia a qualidade geral ao nível das interacções. Para a análise dos dados, os itens foram agrupados em quatro subescalas: (1) Saúde; (2) Segurança; (3) Interacções; e (4) Outros (itens relacionados com a satisfação das necessidades do adulto e aspectos relacionados com o currículo que não se enquadravam nas interacções). Os pais com crianças em creche valorizaram mais os aspectos de saúde e interacção, seguidos pelas questões de segurança e pelos outros aspectos; os pais com crianças nas salas de pré-escolar valorizavam mais os aspectos de segurança, imediatamente seguidos pelas interacções, depois pelos aspectos de saúde e finalmente pelos outros aspectos. Na creche os valores médios da importância atribuída pelos pais aos critérios de qualidade não variavam em função das características demográficas; no jardim-de-infância foram encontradas diferenças em função da idade, da etnia, de aspectos dos cuidados, e da interacção entre aspectos dos cuidados e a educação, e interacção entre aspectos dos cuidados e da etnia. Os pais “não-brancos” davam mais importância a aspectos relacionados com a saúde e aos outros itens do que os outros pais; com o aumento da idade os valores atribuídos pelos pais aos aspectos da saúde diminuíam; os pais com nível educativo mais elevado valorizavam menos os aspectos relacionados com a saúde do que os outros pais (Cryer & Burchinal, 1997).

Um estudo semelhante ao que realizaram Cryer e Burchinal (1997) foi desenvolvido na Alemanha (Cryer, Tietze, & Wessels, 2002), tendo como participantes apenas mães. Os resultados revelaram que as mães atribuíam elevada importância aos aspectos incluídos no questionário desenvolvido a partir da ECERS. Os dados recolhidos nos EUA foram comparados com os dados recolhidos na Alemanha. Nesse estudo comparativo (Cryer et al., 2002), verificou-se que (1) os pais dos EUA atribuíam valores mais elevados de importância do que as mães do estudo alemão; (2) havia bastante semelhança entre as características que os pais dos dois países mais valorizavam, havendo uma associação forte entre a importância atribuída pelos pais dos EUA e da Alemanha aos itens; e (3) em ambos os países, os pais de nível educativo inferior atribuíam valores de importância mais elevados do que os pais de nível educativo superior.

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crianças com menos de 3 anos de idade e pais de crianças com 3 anos de idade ou mais, tendo como objectivos principais investigar: (1) as perspectivas dos pais acerca do tipo de serviço que eles pensam que as estruturas de educação e cuidados fornecem, (2) as expectativas dos pais acerca das componentes educativas dos serviços e (3) o nível de profissionalismo que os pais esperam nos serviços. Os autores verificaram que não havia diferenças entre as percepções dos pais de crianças com 3 anos ou mais e com menos de 3 anos de idade, sendo que todos esperavam que os serviços tivessem a função educativa e a função de cuidar das crianças, que promovessem a preparação para a entrada na escola e abrangessem todas as áreas do desenvolvimento das crianças. Os pais revelavam, ainda, expectativas elevadas relativamente ao nível de qualificações do pessoal.

Em Portugal, como foi referido, os pais de crianças com idades compreendidas entre 3 anos e meio e 4 anos e meio que participaram no IEA Preprimary Project (Ojala & Opper, 1994) indicaram que os principais motivos para a escolha do local de prestação de cuidados para os filhos eram razões de conveniência. Outros estudos foram realizados no sentido de perceber melhor os critérios de qualidade valorizados em contexto de creche e/ou jardim-de-infância.

Em 1995, Folque desenvolveu um estudo, com os principais objectivos de perceber as ideias dos pais portugueses, com crianças entre os 2 e os 6 anos de idade, acerca dos factores de qualidade importantes num bom serviço, de explorar as suas razões para escolherem determinados serviços e de determinar a avaliação que os pais fazem dos serviços, bem como o seu nível de satisfação. Os dados foram recolhidos através de questionários enviados pelo Correio, tendo sido obtida uma taxa de resposta de 15%. Apesar de, como considera a própria autora, se tratar de uma amostra não representativa dos pais portugueses (eram pais de nível socioeconómico elevado, com poucos filhos, com hábitos de leitura, subscritores de uma revista para pais), foram obtidos alguns resultados coincidentes com outros estudos. Folque verificou que quase metade dos pais apontava os factores de conveniência como a principal razão para escolherem um serviço, sendo a segunda razão mais referida a promoção do desenvolvimento da criança. As características de um serviço de educação e cuidados consideradas mais importantes pelos pais, de uma lista de 18, foram: o ambiente saudável, a estimulação intelectual, a promoção da socialização, a formação do pessoal e a segurança. Essas 18 características foram agrupadas em 6 categorias: de conveniência, educacional, subjectiva, estruturais, desenvolvimento da criança e necessidades físicas da criança. A categoria considerada mais importante pelos pais foi a satisfação das necessidades físicas da criança, seguida pelo desenvolvimento da criança (Folque, 1995).

Educação e cuidados de elevada qualidade

cujo objectivo era perceber quais os aspectos da qualidade que os pais mais valorizavam e qual a avaliação que faziam do seu funcionamento. Foi utilizado um questionário construído com base na Escala da Avaliação do Ambiente em Educação Infantil (versão portuguesa da ECERS, de Harms & Clifford, 1980). Estas investigadoras concluíram que os pais consideravam os itens incluídos no questionário extremamente importantes, tendo constatado que os itens mais valorizados eram Ajudar a criança a compreender a linguagem, Condições de higiene e Adequação para crianças com necessidades educativas especiais. Os itens menos valorizados eram Espaço para a criança estar sozinha, Jogos com areia e água e Actividades criativas.