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A busca de outro corpo

Uma das questões relativas ao corpo na contemporaneidade é a busca de se atingir a perfeição estética. As atuais tecnologias também levam questões corporais a se transformarem meramente em objetos de consumo e desejos em nome de uma aparência, o que, muitas vezes, leva a riscos.

Sant’Anna (2004) destaca a possibilidade de se reconstruir o próprio corpo, com

uso de cosméticos, cirurgias, uso de próteses, ginásticas, regimes etc., seja para ganhar mais saúde, beleza e juventude. Esses tipos de promessas que reconstroem o corpo sempre foram fascinantes em diversas épocas da civilização.

O que poderia aparentar maior liberdade corporal, parece estar cada vez mais regido por regras sociais interiorizadas em cada ser humano.A interiorização à qual essa apologia ao corpo perfeito leva o sujeito remete, muitas vezes, à causa de frustrações.

Goldenberg e Ramos (2002) afirmam que as regras às quais o corpo está submetido atualmente são fundamentalmente estéticas. Cada vez exige-se do sujeito o autocontrole, disciplina em tudo o que se refere ao corpo. Essas regras estéticas submetem principalmente o corpo feminino que se sente obrigado a corresponder a

padrões estabelecidos. De acordo com Goldenberg (2004, p. 45), “esta busca pelo corpo

perfeito seria um retrocesso no processo de emancipação feminina”.

Entretanto, Silva (2001) salienta que, mesmo havendo uma difusão de um

modelo corporal ideal, não se pode afirmar existir “um corpo”, havendo, antes, uma

multiplicidade de corpos, tantos quantos são os sujeitos pertencentes às muitas culturas que povoam o planeta, embora a ideia proveniente da biologia nos leve a tentar padronizar os corpos, como se houvesse somente um corpo.

Em oposição aos modelos corporais, encontra-se referência aos monstros, aos corpos monstruosos, que aparecem em filmes, em desenhos animados, ou mesmo ao

vivo nos circos ou em programas televisivos. São os “Frankstein” que há mais de 50

anos subsistem no cinema, como os anões, o homem elefante, pessoas com anomalias que atraem o interesse, despertam a curiosidade, o horror, repugnância, mas sempre

atraindo plateias. Tucherman (1999, p. 149) aponta que “talvez os monstros existam

para nos mostrar o que poderíamos ser, não o que somos, mas também não o que nunca

seríamos” .

Na atualidade estamos em uma sociedade que, admitidamente, supervaloriza a estética. Com a iminente necessidade de ser identificado, o adolescente tende a imprimir

no corpo “marcas” que poderão legitimar sua aceitação a determinadas “tribos”

(MAFFESOLI, 2005). Esses agrupamentos remetem à existência de representações corporais compartilhadas por grupos específicos. Pensar o próprio corpo e considerar a necessidade de ser aceito em grupos específicos faz com que o adolescente estabeleça relações específicas e bastante particulares com seu corpo.

Questionar esses aspectos e conceitos entre os jovens que têm uma vida social dentro e fora da escola é de importância para a compreensão de sua inserção nessa instituição e de como a questão do corpo está presente nas relações escolares.

Na contemporaneidade, o cuidado com o próprio corpo, representado na recuperação da vitalidade, na busca do bem-estar físico, da autoestima, transformou-se em uma idolatria do corpo, denominada por Codo e Senne (1985, p. 12) de

“corpolatria”. O termo refere-se à posição de centralidade do corpo nas sociedades contemporâneas bem como “a todo um universo mágico no qual se estrutura um

verdadeiro culto ao corpo e cuja marca mais evidente é o narcisismo”. Para os autores, a luta contra a alienação transformou-se em outra alienação, ficando a felicidade cada vez

mais longe. Os autores comparam a corpolatria à religião, já que tem milagres a oferecer, exigindo sacrifícios, dispondo de templos e adeptos, contendo oráculos e dogmas.

Codo e Senne afirmam que, pela necessidade intensa do prazer, seríamos prisioneiros de uma vida que esmaga o corpo. O corpo está em evidência, prova disso é que, a cada dia, abre-se uma academia, lança-se um livro voltado ao autoconhecimento do corpo, novas práticas de saúde aparecem, constroem-se e desconstroem-se preconceitos. Mas, para os autores, é necessário um movimento social em que o homem busque a redescoberta do prazer de modo a promover o encontro do homem com seu

corpo, em um reencontro do homem consigo mesmo. A corpolatria comporta “uma

tempestade de manifestações concomitantes, ressaltando ou guiando o corpo ao centro do universo. Sempre meu corpo, e sempre antagonizado, contraposto à economia, à

política, e à civilização” (CODO; SENE, 1985, p.25).

A corpolatria surge do conflito humano entre o animal, que é o homem, e a cultura imposta pela civilização. Já a questão do prazer posta pela corpolatria é associada pela psicanálise à realização do instinto. Dessa forma, haveria dois seres dentro de nós: um animal ávido a realizar seus desejos e um outro, produto da sociabilidade, que escravizaria o prazer em troca de cultura. Os autores salientam que, em relação ao trabalho e ao consumo, o homem, por um lado, tornou-se livre e, por outro, escravizou-se. Ou seja, tornou-se livre para o consumo e escravizado para o trabalho. No trabalho, o homem carrega o que há de humano e, nas outras funções, o que tem de animal (comer, dormir), invertendo uma relação histórica, na qual somos animais livres ao empregarmos nossos próprios desejos. Na corpolatria ocorreria essa relação, de modo que os teóricos do corpo encontram no animal, no prazer biológico, as razões da felicidade.

A questão da corpolatria, o conflito entre o humano e o animal estão presentes na forma como o corpo é tratado nesse ambiente. Codo e Senne evidenciam a fala de

Rubem Alves, no livro “Estórias de quem gosta de ensinar”, em que o autor mostra que

a escola tenta nos transformar, tolhendo nossos corpos de prazeres e desejos, buscando uma transformação que, por não considerar o corpo, acaba querendo educar bem-te-vi para transformá-lo em urubu.

As considerações dos autores são relevantes no tocante à socialização e à cultura. Mostram que a corpolatria se instaurou na atualidade em formas de consumo que levam o homem a buscar o prazer para se sentir livre, podendo constituir-se essa

prática como um novo “ópio do povo”.