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A presença corporal identifica o homem como um ser social, que interage e se comunica pela linguagem, constituindo todo um simbolismo que o faz representar e/ou significar. É por meio do corpo que a relação com o mundo é constituída, os sentimentos são expressos, constroem-se os rituais, gestos, produzem-se aparências, seduz-se, sente-se dor etc., sendo ele o definidor da própria existência.

Nesse sentido, é necessário salientarmos de que corpo estamos falando. Inicialmente, concorda-se com Najmanovich (2001, p. 09), para quem “o corpo emerge

de nossa experiência social e histórica e está atravessado por múltiplos imaginários”. Platão, em ‘Fédon’, deu ao corpo o significado de prisão da alma. Lock, no “Ensaio Acerca do Entendimento Humano”, deu-lhe o sentido de uma tábua rasa.

Descartes o dualiza em corpo e mente, Husserl, Heidegger, Espinosa, Merleau-Ponty e contemporâneos como Michel Serres, Morin, Atlan e Damásio fazem referências sólidas para a reinvenção dos corpos humanos.

Segundo Cardim (2009), podemos afirmar ter havido, no ocidente, uma ruptura entre a filosofia e a ciência. Entre os pré-socráticos não existia a separação entre corpo e alma, tendo sido esta fundada por Platão. Na filosofia dos pré-socráticos, água, terra, fogo e ar poderiam ser separados e reunidos sem que houvesse oposição ou distinção

vivo e visível!” (CARDIM, 2009, p.22). Embora Platão apontasse que corpo e alma

fossem contrários um ao outro, fazia-o de modo diferenciado da forma como ocorreria mais tarde, já na modernidade. Na filosofia platônica, a alma é imaterial e imortal, movendo-se a si mesma de seu próprio interior, sendo seu próprio princípio de movimento, preexistindo ao corpo, enquanto que o corpo é movido pela alma, sendo sua prisão. A alma é dotada de capacidade de pensar, é associada ao divino e é imortal, enquanto que o corpo é mortal e desprovido de inteligência. Cardim ainda destaca que, nessa oposição do pensamento platônico, alma se relaciona com o pensamento verdadeiro, a imortalidade, o destino, a educação, o desejo, com a relação com o divino em que os deuses influenciam os homens. Pelo corpo a alma dá expressão ao que quer se manifestar.

Aristóteles coloca a alma estreitamente ligada ao corpo, sendo entendida como forma do corpo. O homem pertence à natureza e deve contemplar as realidades

transcendente e eterna. Cardim (2009, p. 26) lembra que, para Aristóteles, “o fim do que

é (ser), e do agir humano não esta no mundo ideal, mas na matéria animada pelo

dinamismo da forma que lhe é própria e constitui seu núcleo inteligível”. Para

Aristóteles, a alma é um princípio vital, é o ato do corpo organizado. Sendo ela da natureza, caberia ser estudada. Entretanto, Aristóteles pontua que o homem não é puramente natural, já que tem paixões, desejos. É um animal capaz de existência política, que somente se realiza na vida comum. Desde então, com a perspectiva aristotélica, ficou um marco de que a finalidade humana é que a vida ética e política devem ser guiadas pela razão.

Voltando-se para a sociologia e antropologia, Marcel Mauss (1974), na década de 1930, publicou, sobre o corpo, diversos trabalhos cujas ideias são, até hoje, utilizadas como referência. Para o autor, o corpo carrega consigo os valores da sociedade na qual estiver inserido, sendo superfície de inscrição dessa cultura. Ele observa diferentes culturas e mostra como as "técnicas corporais", os modos de caminhar, dormir, escavar, nadar, parir, sentar, comer, variam de uma cultura para outra. As técnicas corporais também são compreendidas pelo autor como as maneiras pelas quais os homens se servem de seus corpos na vida social, fazendo parte das representações coletivas. Mauss apresenta seu silogismo com a frase que perdura até

Nessa perspectiva, as técnicas seriam tratadas como um "fato social total", ou seja, como um fenômeno que engloba diferentes dimensões da experiência social e individual, descrito pelo conceito de habitus, que seria produto da "razão prática" coletiva e individual, variando social e historicamente.

Le Breton (2006) também destaca o corpo como fenômeno social e cultural, simbólico, objeto de representações e imaginários. Do corpo nascem e se propagam significações que fundamentam a existência individual e coletiva, sendo ele o eixo da relação com o mundo.

Campbell (2001, p. 29) aponta haver diversas possibilidades e formas possíveis

de se conceber o corpo, “incorporando signos, símbolos, prazeres e necessidades, cativando e sendo cativados”. Assim, para o autor, a contemporaneidade transforma as

realidades e os desejos dos indivíduos, e, por conseguinte, a mídia, a relação da economia e a globalização fazem com que nos remetamos a uma reflexão mais ampla de como desejamos nossa vida nessa sociedade constantemente em transformação. Para o autor, o conhecimento se expressa na história do próprio processo corporal, que é o ingrediente essencial para o eu subjetivo, como determina Campbell (2001). A experiência de corporificação é que dá a percepção de estarmos vivos. É histórica e

cultural. Pensando assim, como distanciar o “corpo cultural” da educação?

Na contemporaneidade, com o avanço do conhecimento, novas possibilidades passam a ser incorporadas sobre o corpo, de modo que as limitações naturais se tornam passíveis de superação. Os conhecimentos oriundos da ciência e tecnologia avançam e passam a ter autoridade para falar do que é ou não seguro para nós humanos (GUZZO, 2005, p.45). Isso torna curiosa a forma como utilizamos esses conhecimentos, visto que muitas vezes nos colocamos em situações de risco, utilizando o conhecimento e a tecnologia disponíveis para promovermos mudanças corporais.

Criamos artefatos como próteses biônicas controladas pelo cérebro, implantes de chips, plásticas, células-tronco e outras tecnologias que vêm apontar o surgimento de

um novo corpo, um corpo híbrido, talvez monstros, talvez os “cyborgs”, que mesclam o

orgânico com o artificial. Esses artefatos e mesmo os bioquímicos (produtos estéticos, drogas como medicamentos) tanto podem oferecer melhoria da qualidade de vida e ou seu prolongamento, como também se transformam em objetos de consumo e desejos em nome de uma aparência. Entretanto, também se tornam elementos que alteram a

percepção humana, as relações entre as pessoas passando a constituir subjetividades, já

que são “incorporados” ao seu ser e tornam-se mesmo parte do corpo, levando a

mudanças em nossas relações, conforme cita Guimarães (2010, p. 23).

Segundo Gristelli (2009), em 1747, foi publicado por La Mettrie “O homem máquina”, publicação considerada escandalosa para a época. Segundo a autora, La

Mettrie discutiu se o homem, como animal, poderia ser insensível e sem alma, questionando se a razão teria se desvanecido nos “homens de corpo”. A ideia principal do livro que tornou o autor famoso é a de que o homem poderia existir sem ter sentimentos (no caso compreendido como consciência) e assim não seria necessário crer

que a alma “pensa para sempre”. Tal concepção retomava a ideia de Descartes no que

diz respeito à hipótese de o homem ter duas substâncias, o corpo e a alma. Entretanto, La Mettrie considerava a tentativa de explicação de Descartes que concebia os animais como insensíveis e explicava o ser vivo pelas leis da física-matemática. La Mettrie afirma que o seu ideal de homem não seria um robô, mas o homem sensível e natural, negando qualquer outra possibilidade do homem além da matéria e, reduzindo, desse modo, a alma ao corpo.

O uso da tecnologia atende a várias atividades com diferentes interesses. Durand (1998) aborda a questão sobre o próprio progresso das ciências que permitiu um efeito

“perverso admirável”, divulgando de forma gigantesca as técnicas de imagem. Assim,

podemos considerar que a mídia frequentemente se apropria do conhecimento, utilizando-o para seu fim. Por sua vez, a escola, em seus discursos, vem historicamente tratando como válidos e verdadeiros os conhecimentos científicos, minimizando a problematização e a reflexão sobre sua utilização.

O conhecimento científico deveria contribuir para a conservação da vida e, consequentemente, estaria associado à preservação do corpo. No entanto, como nem sempre isso ocorre, o corpo anseia, almeja, deseja, buscando uma satisfação irrestrita que põe em risco a autoconservação. O conhecimento, utilizado em detrimento da preservação, necessita ser melhor compreendido. Assim, o conhecimento exigiria um aparato ético/moral que indicaria ou determinaria como ele poderia ser utilizado. Nesse aparato, estariam concebidas representações.

Em se tratando de escola, desde a década de 1970, perspectivas críticas têm sido discutidas e implantadas em projetos pedagógicos. Cabe destacar que o pensamento

crítico é introduzido na modernidade por Kant que o põe em discussão por meio da razão, o que nos influencia até hoje. Posteriormente, no século XX, surgem as teorias críticas, estendidas aos meios acadêmicos e pedagógicos, sustentados pela produção teórica da Escola de Frankfurt que são discutidas até hoje.

Razão e modernidade estão intimamente relacionadas em Kant, que define a razão como a faculdade que propicia o conhecimento. Ao fazer a crítica da razão, o autor mostra as limitações do aparato do conhecimento. Na razão prática, seríamos cidadãos de dois mundos, através dos quais teríamos a faculdade de conhecer e de agir, formulando as leis sociais que nos regem. A razão teórica desvendaria e descreveria suas leis. No mundo da natureza, valem os julgamentos científicos e, no mundo social, que é definido pela vontade humana, valeriam os julgamentos morais. Assim nos remeteríamos à questão da autonomia do sujeito, no qual ele tem a liberdade de fazer suas vontades. O sujeito teria a capacidade de autodeterminação, de legislar sobre sua vontade no mundo social? O mundo moral é o da razão?

Diante do exposto acima, a escola vive uma situação de certa forma paradoxal: enquanto propõe, através do conhecimento científico e sistematizado, educar, emancipar, oferecer autonomia, conscientizar o sujeito, por outro lado, a mídia, na atualidade, coloca o corpo em evidência, apresentando comportamentos que, não raramente, são contestados pela escola. O sujeito, no caso, o estudante, passa a conviver em ambos os ambientes que acabam tendo como alvo de suas ações o próprio corpo.

Existe, assim, um conflito no contexto escolar, que nos faz refletir sobre o modo como a escola utiliza esses conhecimentos organizados e sistematizados em um currículo, construído historicamente, que tem como referência as disciplinas científicas, por um lado, e, por outro, a mídia que, atuando sobre o imaginário do sujeito, tenta seduzi-lo pelo desejo. Haveria na atualidade o pensamento kantiano sobre a consciência moral, que aponta para a forma pela qual optamos ao utilizar o conhecimento?

Em relação ao corpo, como essa autonomia estaria sendo constituída em jovens escolares na atualidade, frente às fontes de informação oriundas do conhecimento científico e da força que a mídia exerce no cotidiano das pessoas?

Nesse sentido, percebe-se que a contemporaneidade traz aspectos diferenciados dos argumentos kantianos que podem ser conflitantes no ambiente escolar. As

o corpo na perspectiva kantiana, de modo que o desejo somente se transforme em ação, quando este também se torne uma lei moral.

Entretanto, os conhecimentos científicos não são suficientes para que a pessoa supere os desejos, deslizando da razão e da moral. Assim, coloca-se o próprio corpo em risco, submetendo-se a mudanças corporais, por meio de dietas, ginástica, de utilização de cirurgias plásticas, da busca de um corpo ideal que leva à anorexia ou a questões como a sexualidade e outras.

A submissão ao risco pode ser produzida por frustrações corporais que levam o jovem a abdicar de informações científicas, passando a se importar mais em como o corpo parece para o outro do que para si mesmo. Para Costa (2004), tratamos o corpo com a moral do espetáculo.

Goldenberg e Ramos (2002) acreditam que as regras às quais o corpo está submetido atualmente são fundamentalmente estéticas, estando relacionadas ao belo, ao julgamento do gosto.

Outras questões, como a razão e o desejo, são discutidas por vários autores. Verardi (2009) salienta que a filosofia moderna e a obra freudiana revelam mudanças na noção de desejo, face à conservação da vida. A razão, noção que imperou por séculos, passa à função de instrumento de realização dos desejos. Os desejos de autoconservação, de recusa da autodestruição, de segurança da vida, guiados pela razão, passam a se constituir como tarefas pedagógicas do estado, que deverá instruir os demais desejos, principalmente os adquiridos ao longo da experiência de vida, colocando em risco, se não pedagogizados, o projeto de autoconservação.

Na busca de uma autoconservação, tratamos, na contemporaneidade, o corpo entre extremos, seja no indicado como correto, que acaba produzindo receitas restritivas, ou entre comportamentos que levam a riscos. Também podemos associar essa autoconservação à formação de grupos identitários, cujas dinâmicas de sua produção e de seus corpos necessitamos compreender. Assim, Verardi (2009, p.39) ressalta que, até chegar a Freud,

a pluralidade dos desejos, que não tem hierarquias, e não apresenta subordinações ou valorizações entre eles, fez com que o corpo pudesse ser pensado como um espaço singular desejante, passando a ser palco do conflito, da diversidade de paixões, da individuação.

Caberia ao estado a educação dos desejos, colocando limites, atenuando sua intensidade, submetendo-o a regras, domesticando-o, cabendo a nós compreender o papel da escola junto às manifestações corporais.

Bruno (2004) chama a atenção para o fato de que, na atualidade, a perspectiva moderna de caráter disciplinar e coercitivo atuando sobre o corpo não é mais apresentada pela mídia televisiva que apresenta imagens que produzem ou fazem com que os desejos se manifestem, ou seja, sua atuação é de fazer com que o próprio indivíduo passe a desejar a ideia veiculada, não havendo necessidade de coerção. Os

“reality shows” apresentam, de forma sedutora, o desejo pelo olhar do alheio, que, além

de se tornar um comportamento aceitável, tornou-se desejável, expondo a intimidade.

Para a autora, “o olhar do outro deixa de ser dado pelo coletivo, pela sociedade, e passa a ser demandado, conquistado pelo próprio indivíduo” (BRUNO, 2004, p.14).

Na contemporaneidade, a questão do corpo se evidencia e o papel que a mídia exerce nos sujeitos, ao constituir representações, pode ser destacado. O efetivo alcance que as formas de comunicação têm em nosso cotidiano não deve ser desconsiderado, principalmente por entendermos que a atualidade se volta para toda uma produção social do corpo.

O corpo é o foco dessa atualidade. Silva (2001) destaca que, mesmo ocorrendo o

discurso de um modelo corporal ideal, não se pode afirmar que existe “um corpo”, mas

uma multiplicidade de corpos. Entretanto, para o autor, os saberes científicos são utilizados para padronizar os corpos, havendo apenas um corpo. Excluem-se as características do sujeito, da cultura e de sua história, o que torna o modelo de corpo

proposto pela ciência “um corpo inexistente, porque ninguém corresponde às estatísticas vigentes” (SILVA, 2001, p.90).

Outro aspecto a destacar em relação ao corpo são as colocações feitas por Foucault (2004), que retoma os gregos antigos, especificamente Platão, que apresenta o

conhecimento de si como uma prática necessária e denomina o “cuidado de si” como uma forma de “conhecimento de si”, compreendido pelos gregos como gesto necessário

de cuidar de si para cuidar da polis, para governar. Destaca-se o fato que o cuidado de si somente ganha sentido no coletivo, utilizado como condição política. O papel que o conhecimento teve na Grécia Antiga, em que a relação entre conhecimento e cuidar se si implicava conhecer o universo para se situar, para cuidar da alma e do corpo, da casa,

da sociedade, da natureza, para deliberar, na polis, exigia a constituição da autonomia. O cuidado, para os gregos, significava cuidado da alma. Com a extinção da democracia em Atenas, o cidadão não precisava mais cuidar da polis. Assim, o cuidado de si se converteu em um objetivo de vida feliz, de equilíbrio interior, de saber envelhecer. Pode-se fazer uma analogia com o presente. Embora nossa democracia tenha um sentido atual e se encontre em plena consolidação, temos um cidadão descrente com a política, o que o afasta da participação. Do mesmo modo, o tempo atual aponta para um cuidado com o corpo vinculado ao prazer, à felicidade, à conservação.

Yaari (2009, p. 23) aponta que, com o fim da autonomia política no período

helenístico, esta se volta para “a autonomia do indivíduo, de modo que o conhecimento

seria necessário para que este não se deixasse afetar por medos infundados”. Para cuidar da alma, seria necessário o conhecimento de mundo. O autor lembra que, entre os gregos, existia integração corpo e mente e destes com a natureza e a sociedade.

Já a modernidade é caracterizada pelo domínio da razão que deve dominar o corpo. O Iluminismo, termo cunhado para representar o fim das trevas, também

chamado de “esclarecimento”, postulou que o conhecimento, por meio do uso da razão,

seria o caminho para a emancipação do homem, colocando o predomínio da ciência sobre a religião, da luz sobre a escuridão.

Na modernidade, com a cultura cristã, dissolve-se a relação de integração corpo, alma, privilegiando-se o cuidado da alma. Todavia, Nietzsche (2005b) faz uma aproximação entre o platonismo e o cristianismo. Na concepção platônica, a razão seria controladora dos instintos, das paixões, pertencendo estes a outros domínios, de modo que, na proposta socrática, esse domínio não deveria ser repressor, mas integrado às necessidades do corpo. O cristianismo toma a ideia, mas o reprime, associando os prazeres ao pecado, caso não seja controlado pela razão, desprezando o corpo.

Na perspectiva cartesiana, corpo e mente são distintos, embora tenham relação de causalidade. Contudo, a mente deve dominar o corpo, como se este fosse algo externo, predominando a razão.

Nietzsche questiona o excessivo valor dado à razão (visão apolínea) e propõe que, no ser humano, também os instintos, desejos, paixões (dionisíacos) estão presentes, devendo compô-lo com a mesma intensidade.

A revolução cartesiana trouxe transformações de valores, conduzindo a uma nova ordem social e à aparição de novos modos de representação e novas formas de relação social. Entretanto, para Najmanovich (2001, p. 18), houve uma matematização do espaço, quando este acreditou que a única representação verdadeira e válida do espaço é a representação matemática. Para a autora, o mesmo processo também teria se instalado na filosofia, nas ciências, nas artes e na experiência que foram matematizadas, passando a ser concebidas nessa época como representação da natureza, estando o

conhecimento fora e independente do sujeito. Assim, para a autora, o “corpo da modernidade” é “um corpo mensurável e estereotipado dentro de um eixo de coordenadas”, e como consequência teríamos um mundo linear, de causa e efeito,

objetivo, afastado da experiência humana. O corpo poderia, nessa perspectiva, ser medido e representado por essa medida.

Yaari (2009) aponta que a perspectiva nietzschiana do niilismo propõe a transmutação dos valores, no sentido de que a perspectiva do cristianismo anula a natureza humana, tem a moral do rebanho pautada numa ilusão de verdade. Ao propor o equilíbrio entre Apolo e Dionísio, mente e corpo passam a se aproximar e a permitir a existência estética dando valor ao que produz vida.

No campo das artes, encontramos o trabalho do artista australiano Stelarc (1997), que busca compreender as capacidades do corpo com o uso das tecnologias. O artista apresenta, em suas performances, a combinação de próteses e de estímulos nervosos a partir de corrente elétrica sobre seu corpo, o que produz uma imbricação entre movimentos voluntários, involuntários e programados. Desse modo, o artista

busca compreender “o corpo não como sujeito, mas como um objeto - não um objeto de

desejo, mas um objeto de projeto'' (STELARC, 1997, p.55).

Na atualidade, com o avanço das ciências, tecnologia e corpo humano tornam-se híbridos. A biotecnologia hoje está nos dando novas dimensões da interioridade e da exterioridade do que seria o corpo físico natural, misturando-se componentes do humano e da máquina.

Paul Virilio (1994) discute a relação entre os novos dispositivos tecnológicos e o corpo físico natural. O autor parte do referencial do super-homem nietzschiano e chega ao artista Stelarc. Virilio analisa o que denomina “intra-estrutura'', que seria a inseminação do corpo físico humano pelas biotecnologias, possibilitadas pelo

desenvolvimento da nanotecnologia. Para o autor, a nanotecnologia estaria propiciando uma colonização do corpo, que poderia surgir como último recurso, ou recurso de ponta, para domesticar o homem. As tecnologias ocupam novos espaços saindo do universo planetário para ocupar o corpo, povoando as entranhas do sujeito.

Não podemos negar a presença dessas tecnologias existentes que, para Guattari (1993, p. 116), reconfiguram a ecologia social. O autor comenta que a ecologia do virtual se faz tão necessária ao mundo de hoje quanto a ecologia do mundo natural e