• Nenhum resultado encontrado

O debate entre a modernidade e a pós-modernidade

Pensadores contemporâneos concordam sobre a visão de modernidade e seu projeto no que se refere às críticas a ele. Entretanto, a compreensão das questões atuais tem sido das mais diversas e através delas encontramos uma discussão sobre a questão da modernidade e da pós-modernidade.

De modo geral, o que podemos apontar como características dessa mudança que marca o tempo atual estaria no desencanto e na desconfiança em relação à razão, a não preocupação com a realidade total, a refutação da verdade absoluta, os dogmas que surgiram na modernidade, a críticas aos grandes relatos ou ideologias que sustentaram a modernidade.

Na ponta desse debate, encontramos Lyotard e Habermas, com foco na interpretação da sociedade, da arte e da cultura. Como foi dito, ambos concordam com a crise da modernidade, contudo, propõem soluções bem distintas.

Segundo Lyotard (1988, p. 16), o que caracteriza a modernidade é um “estado

de incredulidade em relação aos meta-relatos”, que foram criados para legitimar as ciências, as artes e as normas que se apresentam como a dialética do espírito, a emancipação do sujeito racional, na emancipação do trabalhador, no desenvolvimento da riqueza, na incredulidade em uma racionalidade universal que ofereça um fundamento à realidade.

Lyotard (1986) observa que a pós-modernidade poderia fazer fomentar o nascimento de um movimento similar ao Romantismo de Rousseau que, em oposição ao racionalismo de seu tempo, pretendia a valorização do lado emocional, sentimental, espiritual do homem. Para o autor, a revalorização do sentimento e da arte traria aquilo que o ser humano teria de melhor: a sua liberdade traduzida em criatividade.

Habermas (1990) defende, ao contrário de Lyotard, que o Modernismo não é um projeto pronto, mas a ser ainda acabado, pois, só com a progressiva valorização da razão crítica (ou do raciocínio capaz de julgar, questionar, argumentar, exigir comprovação etc.), é que o homem obterá sua efetiva alforria ou libertação das antigas ideologias funestas e da dominação político-econômica.

Lyotard, em termos gerais, defende o fim das "meta-narrativas", conforme citado acima.

Habermas (1980), citando que o projeto de modernidade entrou em foco no século XVIII, observa que os iluministas se esforçaram para o desenvolvimento da ciência objetiva, a moralidade, as leis universais e a arte autônoma nos termos da sua própria lógica. O autor descreve como sendo o projeto da modernidade:

O projeto da modernidade formulado no século XVIII pelos filósofos do Iluminismo consistiu em esforços que visavam a desenvolver tanto a ciência objetiva, a moralidade universal e a lei, quanto a arte autônoma, conforme sua lógica interna. Este projeto pretendia ao mesmo tempo liberar o potencial cognitivo de cada um desses domínios no intuito de livrá-los de suas formas esotéricas. Os filósofos iluministas almejavam valer-se deste acúmulo de cultura especializada para enriquecer a vida cotidiana, ou seja, para organizar racionalmente o cotidiano da vida social (HABERMAS, 1980, p. 88).

Para Habermas (1980), houve uma exagerada expectativa de que as artes e as ciências promoveriam o controle das forças naturais, da compreensão de mundo, do eu, do progresso moral, a justiça e da felicidade humana. Entretanto, no séc. XX, os campos de concentração, duas guerras mundiais, Hiroshima e Nagasaki fizeram desabar esses otimismos.

Mesmo com as suspeitas de Horkheimer e Adorno, na dialética do esclarecimento, de que o projeto iluminista estava fadado a voltar-se contra si mesmo e que a busca da emancipação humana se transformaria em um sistema de opressão em nome da libertação humana, Habermas continuou no apoio ao projeto. Apontando ser precipitado falar em pós-modernidade, estaria ele convencido de que é possível que se busque uma comunicação consensual, fruto da práxis comunicativa.

Habermas voltou-se para o trabalho da teoria da "ação comunicativa", considerada por Freitag (1993) como integrante de uma Teoria da Modernidade, sustentada pelo conceito de razão comunicativa e um conceito de sociedade que ingressasse o sistema num mundo vivido. Compõe essa teoria a ideia de um esquema ético baseado nos princípios da razão, da justiça e da democracia, que não corra o risco de alienar ou silenciar vozes minoritárias dentro das formas falsas ou opressivas de consenso.

modernidade recorrendo a investigações sobre Hegel, que utiliza, em suas análises, três eventos determinantes: a Reforma Protestante, a Revolução Francesa e o Iluminismo. O autor cita que é a partir desses três eventos que Habermas pensa a modernidade do ponto de vista filosófico, sendo importante destacar que Hegel põe como princípio dos novos tempos a subjetividade, que se desdobra em quatro noções que regem seus trabalhos, sendo eles:

a) individualismo: no mundo moderno surge a ideia do indivíduo, que se entende dotado de uma singularidade única e que pode fazer valer suas pretensões; de onde faz emergir o individualismo pela ideia de indivíduo, que se entende dotado de uma singularidade única e que pode fazer valer suas pretensões;

b) o direito de crítica: no mundo moderno aquilo que se busca ser aceito universalmente tem que ser reconhecido como legítimo por cada um, sendo assim, se encontra aberto à crítica;

c) autonomia da ação: no mundo moderno advém a ideia do homem como aquele que pode dar leis a si mesmo;

d) filosofia idealista: no mundo moderno a filosofia coloca como objeto do conhecimento o próprio Eu que conhece (SCALDAFERRO, 2009, p.40).

O Iluminismo instala um processo de diferenciação em que ciência, moral e arte se distinguem no âmbito da cultura, mantendo-se cada um independente do outro. É o que Habermas define como modernidade cultural. O teórico distingue os processos de modernização, que enfatizam os processos de racionalização nos sistemas políticos e econômicos da modernidade cultural, os quais remetem à “autonomizacão no interior

do mundo vivido das esferas de valor moral, da ciência e da arte” (FREITAG, 1993, p.

25).

É necessário compreender essa noção, pois Hegel a compreende como uma

“época de cisões” e, com isso, busca promover uma reconciliação das cisões da

modernidade, ou seja, a razão e todo o sistema de relações vitais.

Scaldaferro (2009) salienta que a razão, posta em pauta na modernidade, foi concebida por Hegel em três dimensões: primeiramente, foi concebida como autoconhecimento do Espírito Absoluto (Hegel), em segundo, como razão agente da revolução (hegelianos de esquerda) e, em terceiro, como razão rememorativa das tradições (hegelianos de direita). Essas três concepções de razão falharam na tentativa de se apresentarem “como equivalente do poder unificador da religião e superar as

cisões da modernidade a partir das forças motrizes da própria modernidade”

(HABERMAS, 2000, p.124).

Surgem, desse modo, a esquerda e a direita hegeliana. Habermas (2000, p. 80) pontua que a esquerda está “voltada para a prática e atenta à revolução, quer mobilizar o

potencial de razão historicamente acumulado”, configurando-se como uma razão

revolucionária, cujo foco é a consciência do trabalhador que produz sua realidade histórica e deve promover a revolução através de uma razão emancipadora. Para ele, essa reconciliação foi insuficiente, uma vez que a razão, nesse caso, é proveniente do próprio trabalho, que tem uma racionalidade instrumental. Habermas propõe que a reconciliação deva ser maior que a relação sujeito-objeto, exigindo uma relação na qual um sujeito se põe diante de outro, reconhecendo-o como sujeito, requerendo uma intersubjetividade.

Já a direita hegeliana não recorre a uma razão que promoverá a revolução, mas, antes, uma razão que rememore a tradição. Para Habermas, essa corrente reduz o alcance da razão, na medida em que essa não mais pode projetar o futuro, se não for uma reafirmação das tradições do passado.

Habermas ainda cita Nietzsche, que questionou a razão, renunciando-se a fazer uma revisão de seu conceito. Como fundamento, Nietzsche (2007, p. 133) aponta que toda cultura perderia sua força natural e criadora sem o mito, que seria o outro da razão,

em que “só um horizonte cercado de mitos encerra em unidade todo um movimento cultural”.

Habermas aponta dois aspectos em que Nietzsche contrapõe à razão. O primeiro seria que o esclarecimento histórico apenas reforça as cisões sentidas com as conquistas da modernidade e em segundo que a razão, apresentada na forma de uma religião cultural, não desenvolve mais nenhuma força sintetizadora, capaz de renovar o poder unificador da religião tradicional. Para o autor, a experiência estética de uma nova mitologia renovada pela arte permitiria o acesso ao dionisíaco. Somente em uma arte

que dá acesso ao dionisíaco é que estaria a “salvação” da modernidade.

Scaldaferro (2009, p. 42) destaca que:

o pensamento nietzschiano pretende mostrar que o conhecimento teórico e a ação moral não permitem a reconciliação de uma modernidade cindida à medida que são frutos da razão, e foi da própria razão que nasceram as cisões da modernidade.

Habermas (2000) concorda que Nietzsche seria um ponto de inflexão no discurso filosófico da modernidade, inaugurando uma mudança de curso que permitiu o surgimento dos discursos pós-modernos. Entretanto, Nietzsche nunca se intitulou pós- moderno ou mesmo anunciou a entrada na pós-modernidade.

Assim, para Habermas (2000), a cultura se libera dos punhos de aço de uma razão universal, as ciências não mais concebem modelos fixos de como se deve proceder, combinando tradições e a revalorização de tradições que a ciência expurgou para fora do campo do conhecimento, tal como a astrologia, a alquimia, o xamanismo, etc. Também para o autor, a moral, compreendida como uma busca de fundamentação de normas de comportamento universal seria renunciada pelo homem pós-moderno, de modo que o certo e o errado são definidos por valores compartilhados internamente.

Assim, para Habermas (2000, p. 8), “o pensamento pós-moderno se arroga

meramente uma posição transcendental, quando, de fato, permanece preso aos

pressupostos da autocompreensão da modernidade”. Haveria na pós-modernidade mais

um “estado de consciência” do que um “estado da cultura”. Para o autor, um “culto” a

um pluralismo sem critério das ideias gera um relativismo exacerbado, uma sensação de

“tanto faz”.

Dentro das posições e abordagens lançados por Habermas e Lyotard, Vattimo (1996), procedendo a uma análise nos modos de pensar de Lyotard e Habermas, esclarece que, para Lyotard, esse agir comunicativo, que visa superar a distância entre o conhecimento e sua experiência, parece ser a busca da construção de uma

ponte por cima do abismo que separa o discurso do conhecimento, o da ética e o da política, e que abra, assim, passagem para a unidade da experiência. A questão é saber em que tipo de unidade pensa Habermas, "será a constituição de uma unidade sociocultural no seio da qual todos os elementos da vida cotidiana e pensamento venham a ocupar o seu lugar, como num todo orgânico? (VATTIMO, 1996, p. 15).

Lyotard ainda lançaria a pergunta se seria possível abrir passagem entre jogos de linguagem heterogêneos como os do conhecimento, da ética, da política. Com a

publicação de Lyotard, em 1979, do livro “A condição pós-moderna”, Habermas (1990,

p. 11) assevera que o "o polêmico e multifacetado tema da modernidade" o teria acompanhado pelo interesse público despertado com a publicação.

Ao compreender a "modernidade como um projeto inacabado", Habermas (1992, p. 121) concebe a pós-modernidade como um "antimodernismo", um meio de expressão

das posições dos jovens conservadores, ou pós-estruturalistas franceses que vai de "George Bataille a Derrida, passando por Foucault", que se apropriam da experiência da modernidade estética, almejando uma "subjetividade descentrada, liberta de todas as restrições da cognição e da atividade voltada para fins, de todos os imperativos do trabalho e da utilidade" (HABERMAS, 1992, p. 122), afastando-se do mundo moderno.

Lyotard (1993) propõe uma alternativa teórica que abranja a posição do saber nas sociedades informatizadas, sua legitimação buscando na reinterpretação dos jogos de linguagem de Wittgenstein o aparato metodológico que sustentaria sua posição. Os jogos de linguagem podem compreender as diversas categorias de enunciados, incluindo uma analogia ao jogo de xadrez, cujas regras determinariam a propriedade de cada peça e o modo de seu deslocamento no tabuleiro. Nos efeitos dos discursos, os enunciados fariam parte de um jogo com regras determinadas que “não possuiriam legitimação

nelas mesmas, mas constituem um contrato explícito ou não entre os jogadores”, em que “na ausência de regras não existe jogo” e de que “todo enunciado deve ser considerado

como um lance feito num jogo” (LYOTARD, 1993, p.17).

Para Lyotard (1993, p. 17), essa perspectiva do jogo proviria de um ato de linguagem e um método que pressupõe que "falar é combater, no sentido de jogar" não somente com a finalidade de ganhar, mas também para realizar um lance pelo simples prazer de inventá-lo, não perdendo de vista "o sentimento de sucesso" sobre um adversário: "o da língua estabelecida, o da conotação".

Com isso, Lyotard passa a explicitar a crise dos relatos que atingem o saber científico e narrativo na sociedade e que viriam gerando uma condição de incredulidade nas metanarrativas. Constatada essa condição (pós-moderna), Lyotard (2000) investiga de onde se poderia encontrar a legitimidade do saber, já que o critério atual do saber científico e de sua pragmática seria tecnológico, impossibilitando que ele julgasse o verdadeiro e o justo.

Para Habermas (1980), o critério de legitimidade do saber poderia ser restabelecido por meio da discussão e do consenso, que Lyotard coloca como conflituoso pelo modo como vem sendo narrado pela pragmática do saber narrativo e científico.

Assim, a pós-modernidade, para Lyotard (2000), não seria o que vem depois da modernidade, mas o que vem antes e a acompanha. O autor lembra Adorno, no texto

Educação após Auschwitz2, citando o quanto a história ocidental recente parece inconsistente ao projeto moderno de emancipação da humanidade.

Para Vattimo (1996), Lyotard parece ter uma visão um tanto quanto negativa da modernidade, apontando que deveria haver uma nova orientação, sem necessariamente ser uma nova perspectiva, mas que houvesse a elaboração de um signo que contradissesse esse projeto, devendo ser reescrita do zero, com suas pretensões de ruptura com o passado e de inauguração de uma nova era, em uma cronologia que ordenasse o passado e o futuro a partir do presente.

Lyotard (1997, p. 42) parece reconsiderar e reelaborar a tese da pós- modernidade. Nessa perspectiva, a reescrita depende tanto de uma problemática do sublime e, hoje ainda mais e mais obviamente, do que do belo. Isso abre a grande porta para a questão das relações entre estética e ética. Nesses termos, a reescrita da modernidade não estaria relacionada com a pós-modernidade e, muito menos, com a sua conversão no mercado das ideologias. O autor abre mão do termo pós-moderno, justificando que, embora já tivesse se utilizado desse termo em outra ocasião, a pós- modernidade foi, segundo ele, uma "forma provocatória" para "deslocar o debate do conhecimento", que não implicava a postulação de uma nova era e sim em uma "reescrita de traços reivindicados pela modernidade", que estariam nela inscritos há muito tempo (LYOTARD, 1997, p.43).

Entretanto, Lyotard vê, na atualidade, dificuldades com essa reescrita, uma vez que, com a introdução das novas tecnologias na produção, na difusão, na distribuição e no consumo dos bens culturais e com a transformação das formas de comunicação em bits, já não se trataria de "formas livres das aqui e agora à sensibilidade e à imaginação" (LYOTARD, 1997, p. 43). O autor propõe uma reescrita da modernidade que resista à escrita dessa suposta pós-modernidade.

Giddens (1991) também faz uma discussão entre a modernidade e a pós- modernidade. Para o autor, já temos consciência de que a observação sensorial constitui categorias teóricas, que o pensamento filosófico afastou-se do empirismo e que, desde Nietzsche, percebemos a circularidade da razão e os problemas oriundos do binômio

2

Obra escrita por Theodor W. Adorno em 1971 que tem sua 3ª. edição no Brasil em 2003, pela Editora

conhecimento e poder. Com isso, ao invés de irmos além da modernidade, poderíamos desenvolver uma melhor compreensão da reflexividade da própria modernidade.

Vattimo (1996) lembra que, passados 10 anos, ao se colocar essas questões e respondê-las desse modo, Lyotard parece retomar o diagnóstico do presente,

aproveitando o que ainda seria atual nos escritos de “A condição pós-moderna”, para

criar uma outra denominação ao que entendia por pós-modernidade, passando a utilizar

a denominação de “reescrita da modernidade”.