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O Sujeito e a persona em Maffesoli

No documento Corpo, contemporaneidade, juventudes e escola (páginas 155-161)

Segundo Guareschi (2004), o sujeito em Maffesoli é visto como um produto sociocultural e histórico, sendo o histórico determinado pelos conteúdos arquetípicos. Desse modo, o sujeito é determinado pelos arquétipos do inconsciente coletivo.

Morin (1996) conceitua o sujeito, envolvendo três aspectos básicos: ter consciência de si mesmo, em conjunto com a autorreferência e a reflexividade; liberdade de escolha entre diversas alternativas e consciência da necessidade de relacionamento com o outro.

Maffesoli (1999) aponta para outra noção do sujeito, em que inexiste a ideia de um sujeito consciente e livre para realizar escolhas. O personagem indivíduo-pessoa tem restrita consciência de si, da liberdade que possui e da necessidade de relacionamento com o outro. A singularidade do sujeito, de autonomia, é substrato da ideia de identidade, conceito pertencente à modernidade, sendo que, na pós-modernidade, o que

surge é um princípio de alonomia, “que se apóia no ajustamento, na acomodação, na

articulação orgânica com a alteridade social e natural” (MAFFESOLI, 2000, p. 42). Seria necessário resgatar a questão do sujeito. Do Iluminismo forjou-se a concepção da razão universal, que concedia a centralidade ao homem como portador de uma razão metafísica. Para Macedo (2008), a concepção universal da razão aponta haver um desacordo entre o sujeito e o que há de acidental, empírico, histórico, singular.

A autora cita que Nietzsche teria reduzido a razão transcendental a “coisa em si”, ou

seja, de um dado a priori para uma vontade ativada nas representações do sujeito, contestando a ideia de uma razão, estável, localizada no humano, ao relacioná-la a história em sua instabilidade, colocando em dúvida a neutralidade do sujeito por uma razão universal em função do sujeito do conhecimento, ao perguntar “quem fala”.

A concepção moderna de sujeito soberano foi também abalada por autores do pós-estruturalismo, que apontam ser ele resultante da representação e da história, sendo o sujeito da modernidade somente uma representação discursiva. Macedo (2008), recorrendo a Foucault, concorda que o sujeito seria constituído no e pelo discurso, e também a Nietzsche no que se refere à proposição de quem fala, propondo ampliar a discussão para a análise da localização daquele que fala.

A noção do sujeito é importante na obra de Maffesoli, pois a questão da razão e da consciência faz parte do arquétipo da modernidade. Ao apontar para a questão das agregações, das massas e seus movimentos, na pós-modernidade, o autor mostra que as massas se dividem em tribos, sendo estas formadas por pessoas que se juntam por uma ética da estética e vivenciam a emoção compartilhada. O que move massas, tribos e pessoas não é algo consciente e, sim os materiais do inconsciente coletivo que se tornam parcialmente conscientes. Para ele, “o que está em causa é uma verdadeira fuga para o outro. Um desejo inconsciente de constituir multidão, de colar-se aos outros” (MAFFESOLI, 2001a, p. 169). Nesse contexto, o indivíduo-pessoa apresenta restritas possibilidades de consciência dos processos sociais em que está inserido.

O sujeito é, na verdade, “um simulacro arquetípico”, ele veste uma máscara

(persona) e atua, sem saber bem o que está encenando, repetindo-se em um tempo eterno cíclico. Assim, todas as efervescências, fragmentações, paixões estariam na ordem da aparência, porque, no fundo da aparência, o que existe é um inconsciente coletivo igual em todos os seres humanos, em todos os tempos.

Uma das formas de se buscar a inclusão social é no processo interativo com diversos elementos de um conjunto, no qual uns se sobressaem sobre os outros. Desse

modo, também aparece o que Maffesoli (1999, p. 315) chama de “organicidade performática”. A performance é sobrevalorizada como forma de se sentir agregado e,

dessa maneira, ela se apresenta na vida pessoal, no trabalho, no esporte praticado como lazer. Essa busca pela superação, algumas vezes, gera a espetacularização, tendendo os indivíduos a adotar comportamentos, a adquirir objetos simbólicos, a assumir posições ideológicas, que seriam suas estratégias para se identificar e sobressair em seus grupos sociais.

No imaginário formatado ou por imagens ideais ou sagradas-profanas, o sujeito sonha sua existência imagética. Quem o faz sonhar é o inconsciente coletivo que se projeta simbolicamente sobre todas as dimensões com seus arquétipos. Assim, quem existe é o inconsciente coletivo. Também se destaca que, em Maffesoli (2000), as tribos são formadas por pessoas, ou melhor, personas, que possuem um linguajar comum, marcas corporais expressas no e a partir do corpo-persona e a persona se diferencia do sujeito. Persona enquanto arquétipo vive e repete os instintos criadores coletivos. O

pessoa, com máscara social, que são os diversos papéis que a pessoa assume nas várias dimensões da vida e nos grupos de pertencimento.

O sujeito somente pode ser analisado e identificado quando situado, mesmo esforçando-se para esquecer o sujeito empírico, individualizado. Esse situacionismo e o

envolvimento permitem avaliar as práticas corporais como o “body-building”, a

teatralidade, os cuidados com o corpo, compreendendo os jogos de aparência que se inscrevem em um sistema simbólico. Desse modo, o autor refere-se frequentemente à pessoa.

De acordo com o que foi apresentado neste capítulo, conclui-se que o autor coloca a atualidade como uma época de transição, estando a modernidade em crise, pela saturação do indivíduo, do Estado-nação, pela questão epistemológica com o retorno do sensível, do corpo e do vivido. Estaríamos também no fim das grandes certezas ideológicas, das metanarrativas, dos valores que moldaram a modernidade, dos mitos modernos do trabalho, da representação política e do saber científico, o que vem a provocar o surgimento de outra época em que o corpo individual desliza para um corpo coletivo, tempo em que o estar juntos seria a principal marca.

Maffesoli faz uma aproximação entre o que de fato é a vida com o que é pensado. Sem recusar a razão, remete a uma razão sensível em que também o frívolo, a emoção, a aparência, o prazer dos sentidos, o jogo das formas, ou seja, tudo que remete à estética passa a ser reconhecido. Em vez de uma dualidade entre razão e emoção, faz a aproximação entre ambas e pontua que o sensível seria a condição de possibilidade da vida e do conhecimento, permitindo considerar a vida uma obra de arte.

Como a análise de Maffesoli se diferencia de outros autores, ele cunhou diversas noções para lhe permitir explicitar sua compreensão de mundo voltada à pós- modernidade.

Para o autor, nessa transição, Dionísio emerge constituindo a socialidade, que floresce dos sentimentos comuns, dos pequenos nadas que fazem o todo, nas agregações, na pluralidade do viver social e o que é experimentado com os outros é primordial, gerando a ética da estética.

É na ética da estética que suas pesquisas sobre a atualidade estão situadas. A atual configuração social, para o autor, constitui-se impregnada de agregações, surgindo as tribos pós-modernas, sejam das igrejas, dos partidos, do sertanejo, do rock,

engendradas por formas de solidariedade. Tais tribos não se solidificam por identidades, mas por identificações válidas para o momento, sustentadas no gosto ou no interesse específico de um determinado grupo que se encontra para aquele fim, fazendo com que se tenha, na contemporaneidade, o retorno do nomadismo.

O autor aponta que, diferentemente da modernidade, tem-se, na atualidade, horror ao vácuo, o que nos leva à agregação, fazendo com que as pessoas se reúnam e, sem o menor sentido, liguem-se ao outro ou ao se perderem no outro.

Estaríamos entrando, assim, em um tempo do paradigma estético no qual a pessoa somente existe na relação com o outro, o que daria sentido ao ato de vivenciar e sentir em comum. A estética está na perspectiva do que é vivido em comum, das ações e sentimentos vividos em comum que geram sentidos e significados, ou de tudo o que liga ao presenteísmo, à força agregativa. É uma estética ampliada em que a erótica dos corpos funciona como fator de união, de criação de comunidades, mesmo que virtuais.

Também o político ganha nova dimensão na atualidade, quando se transfigura em novas maneiras de exercer a atividade da polis e não o seu fim. Tem-se presente uma tendência para a vida em comunidade, não há preocupação com o futuro, com projetos políticos, querendo-se viver a vida presente sem adiar o gozo, compartilhando os sentimentos e os pequenos prazeres da vida na companhia dos outros.

Para isso, o corpo tem de estar em evidência, já que são pelas relações estabelecidas por ele que se fundam vínculos sociais que permitem a criação e recriação da socialidade, o que possibilita que o indivíduo seja aceito em tribos.

Também é um tempo de comunicação e informação, o que confirma a tendência de nos ligarmos ao outro. Para que o coletivo exista, é necessário estarmos ligados ao outro, cabendo à comunicação o papel dessa mediação. Nesse contexto, a internet é uma nova ordem comunicativa em que, no isolamento, foi possibilitada uma nova maneira de estar juntos., confirmando mais uma vez nossa tendência de nos agregarmos sem o menor sentido.

Dando sequência ao trabalho, descreveremos, no próximo capítulo, o referencial teórico que fundamenta o aparato metodológico utilizado para esta pesquisa.

FUNDAMENTOS DO REFERENCIAL METODOLÓGICO ADOTADO

4. A sociologia compreensiva

Buscaremos, neste bloco, apontar o referencial teórico que fundamenta a base metodológica da pesquisa, distinto da revisão teórica do tema propriamente dita. Ou seja, serão abordados os fundamentos destacados pelos autores utilizados na concepção metodológica, principalmente no que se refere à sustentação metodológica de Maffesoli, no caso a sociologia compreensiva, a fenomenologia, a hermenêutica e a fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty, por sua estreita relação com o tema.

Max Weber pode ser considerado o fundador dessa corrente da sociologia. Como referência para consolidação de sua tese, Weber aponta que a sociedade não é algo superior e exterior aos indivíduos, como sugere Durkhein. O autor se opõe ao positivismo, discordando que a ordem social submete os indivíduos a elas, afirmando não existir oposição entre o indivíduo e sociedade. As normas sociais somente se tornam concretas, quando se manifestam em cada indivíduo sob a forma de motivação. Desse modo, cria uma teoria da ação social que se tornaria o objeto da sociologia. A ação social é definida, para Weber, como a conduta humana dotada de sentido, o qual motivaria a ação individual.

Weber define quatro categorias de ação social, quais sejam: (a) tradicionais- determinadas por um costume ou hábito arraigado; (b) racionais com relação a um valor individual - fiéis à sua ideia, à sua honra, inobservam tradições; (c) afetivas - orientadas pelas emoções e sentimentos; (d) racionais com relação a um fim - determinadas por um cálculo racional que coloca fins e organizadas pelos meios necessários.

Assim, a sociologia, como campo que faz estudos sobre o comportamento social, distinguiu-se inicialmente com três correntes que questionam se nosso comportamento seria individual, espontâneo e descolado do passado.

A resposta para o positivismo é negativa, pois sofremos coerção, que é o que determina nosso comportamento. Para o marxismo também não é diferente, já que,

segundo tal teoria, nosso comportamento seria determinado pela estrutura econômica. Para a sociologia compreensiva também há a mesma resposta, vez que sofremos influência dos outros membros do grupo ao qual pertencemos, da história e das diferentes formas de dominação14

Fleury (2003, p. 26) destaca que a compreensão em Weber corresponde simultaneamente a uma ética da probidade intelectual e a especificidade das ciências

humanas e sociais: “a compreensão revela o sentido visado pelos indivíduos agindo no seio de uma ação ou de uma relação”. Para compreender a própria ação, é necessário

captar os significados sociais construídos e partilhados pelos agentes. Weber rejeita os pré-conceitos de julgamentos definitivos de valor e a priori, mas também não os exclui totalmente, pois considera que constituem um conjunto de fontes de interpretação indispensáveis que dão sentido ao fenômeno.

A compreensão em Weber se assemelharia a uma arte em que se mobilizam diversas fontes de saber e cultura pessoal. O autor afirma que, para compreendermos como um agente controla um mundo, é necessário transpor-se para o mundo dele, sendo necessário captar o sentido subjetivo posto pelo agente sem substituir por um sentido objetivo reconstruído pelo observador.

Weber questiona a especificidade do racionalismo ocidental que se estende por diversas áreas como a religiosa, jurídica, econômica, urbana, política e artística. Evita as armadilhas do etnocentrismo considerando o elo entre o comportamento dos indivíduos às formas econômicas, às estruturas sociais e às instituições políticas. Também tem uma posição antievolucionista, recusando a ideia de progresso e de leis de dialéticas de uma história universal, linear e necessária. A vida social estaria constituída por

“encadeamentos de circunstancias, nos cruzamentos de fatores e na simultaneidade das contingencias temporais”(FLEURY, 2003, p.33).

Ainda se destaca, nas ideias de Weber, a tensão entre racionalidade e irracionalidade, considerando a presença simultânea de ambas na sociedade e no comportamento individual. Como o que pode ser considerado racional, a partir de um

14

As formas de dominação podem ser classificadas como: tradicional – sempre foi assim, características

patriarcais e patrimonialistas como a família com o clã do pai, do rei; carismática - devoção a um líder, profeta, guerreiros, intelectual ou político; legal – tem por base a lei, os estatutos, predominam normas impessoais e racionalidade na escolha de meios e fins, comuns nas empresas, no exército.

ponto de vista, também pode ser julgado como irracional por outro, os conceitos não se separam.

Para a sociologia compreensiva, a história é essencial para a compreensão das sociedades, permitindo o entendimento das diferenças sociais. Assim, os fatores históricos seriam indícios no método compreensivo. O método compreensivo se basearia na interpretação do passado e sua repercussão nas características peculiares das sociedades contemporâneas.

No documento Corpo, contemporaneidade, juventudes e escola (páginas 155-161)