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A palavra fenomenologia é estabelecida a partir de dois termos gregos, o

phainomenos, aquilo que se mostra por si mesmo, e logos, que é um discurso

esclarecedor.

O termo ganhou tradição na filosofia em 1807, a partir de Hegel, com a

“Fenomenologia do Espírito”, que a distingue da fenomenologia kantiana na relação

entre o fenômeno e o ser ou absoluto. Hegel mostra como o absoluto, cognoscível e qualificado como Si ou Espírito, está presente em cada momento da experiência, seja ela religiosa, estética, jurídica, prática, política.

Esse termo já existia na filosofia bem antes de Husserl, mas é com ele que ela passa a ser compreendida como a reflexão sobre aquilo que se mostra, ou descrição dos fenômenos para o retorno às coisas tais quais elas são em si mesmas. Com Husserl, ela aparece como fundamento para toda forma de conhecimento, sendo a reflexão sobre

aquilo que se mostra, ou a descrição dos fenômenos para retorno às coisas tais quais elas são em si mesmas. Husserl se diferencia dos modelos anteriores da tradição filosófica que supunha a relação sujeito-objeto e sugere a noção de intencionalidade. O conhecimento, para o autor, é sustentado pela consciência intencional, que não é uma consciência em si, mas consciência de alguma coisa. A intencionalidade significa a característica geral da consciência de ser consciência de alguma coisa, de implicar, na sua qualidade de cogito, o seu cogitatum em si mesmo.

Outros autores também definem a fenomenologia. Para Lyotard (2008, p. 19), o termo significa estudo dos fenômenos, daquilo que aparece à consciência que é dado e

pode ser explorado, sendo “a própria coisa que se percebe, em que se pensa, de que se

fala, evitando forjar hipóteses, tanto sobre o laço que une o fenômeno com o ser de que é fenômeno, como sobre o laço que o une com o eu para quem é fenômeno”.

Dartigues (2005) define a fenomenologia como o estudo ou a ciência do fenômeno, constituindo-se, desse modo, com um domínio ilimitado, pois tudo que aparece é fenômeno. Segundo o autor, no século XX, Husserl a coloca como movimento de pensamento. Kant coloca o ser como “o que limita a pretensão do

fenômeno ao mesmo tempo que ele permanece fora de alcance”. Hegel afirma que o fenômeno é “reabsorvido num conhecimento sistemático do ser” e Husserl como

ontologia, já que, para ele, o “sentido do ser e do fenômeno não podem ser dissociados” (DARTIGUES, 2005, p.11).

Para Lyotard (2008, p. 09), ela significa o “estudo dos fenômenos, daquilo que aparece a consciência, daquilo que é dado”. De acordo com o autor, a fenomenologia,

pretende explorar a própria coisa que se percebe, sobre que se pensa, de que se fala, devendo evitar hipóteses. De Husserl a Heiddeger, a fenomenologia criou heranças, mas também mutações. O autor justifica o uso da fenomenologia, em que o dado imediatamente inferior ao tema científico, “revela o estilo fundamental, ou a essência,

da consciência deste dado, que é a intencionalidade” (LYOTARD, 2008, p.10). A

fenomenologia substitui a tradicional consciência que insere o mundo exterior, mostra uma consciência que é a relação com o mundo. Seria necessário desvendar os modos através dos quais a consciência se tece com o mundo, sem substituir as ciências do homem. Existem hoje vários fenomenólogos. Para Lyotard, embora o sentido do que seja fenomenologia esteja ainda em curso, considerando que ela vai de Heidegger a

Fink, de Merleau-Ponty a Ricoeur, de Thévenaz a Lévinas, existe um estilo fenomenológico comum do qual Husserl é precursor.

Husserl buscou resolver uma crise da filosofia, das ciências do homem e das ciências puras. Os sistemas filosóficos tradicionais encontravam-se em crise, pois a ciência, pelo positivismo, tomara o espaço da metafísica, não aceitando qualquer

conhecimento que venha da “experiência”. Mesmo a psicologia procura se estabelecer

como ciência exata, eliminando aspectos subjetivos. Contudo, os sentidos da objetividade, a validez universal, o sujeito puro kantiano, que tem sua segurança no objetivismo, começam a ser questionados, e o sujeito concreto, em seu psiquismo e história, já não podem mais ser explicados pelo objetivismo. Desse modo, segundo Dartigues (2005, p. 15), Dilthey, James e Bergson, citam que é preciso voltar ao

“sentimento de vida” e analisam a “corrente de consciência ou dados imediatos da consciência”. Brentano distingue os fenômenos físicos dos fenômenos psíquicos, afirmando que os fenômenos podem ser “percebidos” e a percepção original constitui o

conhecimento fundamental.

Assim, a questão da consciência e da relação com o objeto se torna em seguida o campo de análise da fenomenologia de Husserl, que também faz críticas às ciências experimentais que não saberiam determinar exatamente seu objeto e o que fazer com seus resultados, especialmente a psicologia experimental. Husserl rejeita o naturalismo como eram tratadas essas ciências, que apontavam que os princípios diretores do conhecimento seriam resultantes de leis biológicas, psicológicas ou sociológicas, ou que chamou de psicologismo.

Dartigues (2005, p. 09) observa que Husserl aponta duas condições para sustentar a fenomenologia: “como pensar segundo a sua natureza e em cada uma de suas nuanças – e portanto, sem jamais ultrapassá-los – os dados da experiência em sua

totalidade?” e a segunda, “o fenômeno está penetrado no pensamento, de logos e que

por sua vez o logos se expõe e só se expõe no fenômeno”.

Husserl trabalha com a intuição, justificando que os fenômenos se nos dão por intermédio dos sentidos, que são dotados de sentido ou essência, o que constitui a intuição como intuição da essência ou do sentido. Essa essência responderia à questão

Um dos pontos importantes na fenomenologia de Husserl é a noção de que todo fenômeno tem uma essência, o que possibilita nomeá-lo, designá-lo, não podendo ser reduzido somente a uma única dimensão de fato, já que o fato é sempre visado de um

sentido. A pura possibilidade de algo existir (como uma sinfonia), já distingue “algo”,

criando a possibilidade de identificá-lo. Assim, se a essência permite identificar um fenômeno, é porque ela é sempre idêntica a si própria. A essência não tem, desse modo,

a possibilidade de ser outra coisa e se opõe à “facticidade”, que Husserl define ao

caráter de fato, aleatório, de sua manifestação. Essa essência é o ser da coisa ou da qualidade, não sendo a coisa ou a qualidade. Poderá haver tantas essências quantas significações nosso espírito seja capaz de produzir.

Dessa forma, Dartigues (2005, p.14) observa que, para Husserl, a primeira

finalidade da fenomenologia é de elucidar o “puro reino das essências”, debruçando-se,

assim, em buscar “a essência das formas puras do pensamento, as categorias lógicas e

gramaticais que nos permitem pensar um objeto”.

Outra noção utilizada por Husserl é de que as coisas residem na consciência que é sempre consciência de alguma coisa. Dessa maneira, o objeto somente é definido em sua relação com a consciência. Assim, a existência de algo depende, então, do modo como a consciência os percebe. Aparece, desse modo, a noção de coisa mesma, ou da maneira como a coisa é percebida que cria a representação. No processo de elucidação da essência, há uma correlação consciência objeto: a consciência é objeto para a consciência sendo o que garante a existência da consciência e do objeto. Assim, no

sujeito há mais do que o sujeito, já que “é constituído por sua referência ao fluxo subjetivo da vivência” (DARTIGUES, 2005, p.23).

Husserl contribui com a noção que muda a relação sujeito – objeto da tradição oriunda do positivismo, em que essa correlação somente se dá pela intuição originária da vivência de consciência. Mostra, ainda, que o estudo dessa correlação resulta na

análise descritiva do campo da consciência. O autor define a fenomenologia como “a ciência descritiva das essências da consciência e seus atos”. A consciência suspende sua

crença na realidade do mundo exterior “colocando-se como consciência transcendental, o que torna possível a aparição desse mundo e doadora de sentido, o que Husserl chama

de atitude fenomenológica” (DARTIGUES, 2005, p.25). Na atitude fenomenológica, o

para a consciência. Husserl ultrapassa o pensamento cartesiano, no qual o eu do cogito foi concebido como alma-substância e coloca o eu penso em correlação e seu objeto de

pensamento. Os valores, entre ele e os sentidos de existência, são entendidos como

fenomenolizados.

A tarefa da fenomenologia, segundo Dartigues (2005, p. 26), seria “analisar as

vivências intencionais da consciência para perceber como aí se produz o sentido dos fenômenos, o sentido desse fenômeno global que se chama mundo”. Não se trata do realismo ingênuo como no caso do idealismo, que concebia o mundo contido na consciência, mas na distensão do tecido da consciência e do mundo com seus fios aparecendo.

Husserl, com o princípio da intencionalidade que comporta as vivências, propõe elementos reais para a sua fenomenologia: a abertura do objeto à consciência e à matéria (percepção de cores, tecituras, formas). Assim, uma árvore percebida somente existiria enquanto percebida por momentos sensíveis, que dependem das estruturas da consciência intencional. Isso leva a Husserl a afirmar que o fato, o objeto e o mundo são constituídos. Assim a fenomenologia torna-se o estudo da constituição do mundo na consciência, ou fenomenologia constitutiva.

Husserl entende o eu como sujeito ou eu transcendental, aproximando dos neo- kantianos do sujeito transcendental. A distinção do eu concreto ao eu do ego nos atos de consciência são fundamentos da possibilidade da compreensão de si, que são discutidas por Sartre e Heidegger.

Com isso, surge a possibilidade de novas filosofias da existência, não se voltando para o sujeito, mas para o mundo, como a consciência o vive. Segundo a perspectiva de Merleau-Ponty (2004, p. 11), em seu livro “Fenomenologia da

percepção”:

voltar às coisas mesmas é voltar a esse mundo antes do conhecimento, do qual o conhecimento fala sempre e com relação ao qual toda a determinação científica é abstrata, significativa e dependente como a geografia com relação à paisagem onde aprendemos pela primeira vez o que é uma floresta, uma campina ou um rio.

Husserl avançou no pensamento de Kant afirmando que tudo que existe somente pode ser para nós um fenômeno da existência e não uma realidade em si mesma. As

coisas fora de nós são fruto do nosso entendimento e não o que elas são em si mesmas. A intencionalidade é criadora, fazendo o mundo aparecer.

Assim, Delruelle (2004) afirma que o fim da fenomenologia seria enraizar as ciências no mundo da vida, devolvendo o sentido subjetivo que deve ser devolvido à nossa cultura. As essências não podem ser concluídas a partir dos fatos, já que são objetos de uma intuição. Não se deve comparar e concluir, mas deve-se reduzir, purificar o fenômeno de tudo o que não é essencial, fazendo aparecer o essencial.

A ideia de intenção é central na fenomenologia e está no fundamento de compreender, uma vez que o humano deve ser compreendido. Buscar o artefato é necessário, pois nele reside uma intenção que se revela e que nos é acessível. Compreender um pensamento é percebê-lo no interior e na intenção que o anima.

Lyotard (2008, p. 96) esclarece que, em toda a ciência humana, a compreensibilidade do homem pelo homem está implícita e que somente será

identificada na “relação do observador ao observado, do homem ao homem, de mim a ti” . Desse modo, a antropologia e a sociologia contêm uma socialidade originária.

Segundo o autor, não se deve colocar a sociedade como um objeto no meio de outros objetos, nem nos introduzir como objetos de pensamento. Para o fenomenólogo, o

social nunca é um objeto, ele “é apreendido como vivido e trata-se então, como referido na psicologia, de descrever adequadamente tal vivido, para lhe reconstituir o sentido”

(idem, p.103). Mas a descrição somente pode ser realizada com bases nos dados sociológicos, que podem ser resultados de uma objetivação prévia do social.

A aproximação entre a fenomenologia e psicanálise fez parecer que compreender é um encontro entre duas intencionalidades, a do sujeito que procura conhecer e a do sujeito que deve se tornar objeto de conhecimento. A consciência cognoscente produz uma elaboração científica que permite reduzir a distância da consciência a conhecer. Para isso, é imprescindível utilizar a fase explicativa, pois leva a uma compreensão de ordem superior ou a uma intuição de sentido humano do fenômeno estudado.

Entretanto, dentre as fundamentações elaboradas por Husserl, aparecem posteriormente as análises de Merleau-Ponty, para quem as ciências humanas se tornam compreensivas, ao se fundarem no a priori que é o mundo vivido, sobre o conhecimento antes do conhecimento, na relação com o mundo e com o outrem.

4.3 Merleau-Ponty

Como fora mencionado, esta pesquisa propõe estudar o corpo no processo de formação do jovem junto ao espaço vivencial da escola. Para tal, iremos considerar a visão de Merleau-Ponty sobre fenomenologia, especialmente no que se refere ao corpo, o que não o distancia de Maffesoli, mas, ao contrário, faz a aproximação. Para Merleau- Ponty, o corpo é compreendido enquanto fenômeno.

Na apresentação do livro de Merleau-Ponty intitulado “Palestras” (2002, p. 10), Arthur Morão cita que o atrativo nuclear do trabalho do autor é a percepção e os demais temas vão se nucleando em sua volta, como

o significado do corpo, a sua relação com o mundo e com os outros, a comunicação das consciências no mundo, a intersubjetividade como corporeidade, o nexo de desejo e palavra, a razão entre razão e linguagem, a efabibilidade do sensível, o enlace entre sujeito e objeto mediante o corpo vivido, a secreta afinidade e complementaridade – em plena diferença – entre ciência e arte na revelação.

A questão da percepção vem sendo posta há muito tempo pela filosofia. Saes (2010) faz esse resgate desde Aristóteles, para quem percebemos os sensíveis pelos sentidos e a percepção sensível ou sensação (aísthesis) é o modo de contato e conhecimento da realidade que se estabelece pelos cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato, sendo uma característica dos animais. Para Aristóteles, a percepção sensível é uma capacidade complexa ligada aos órgãos do corpo. Essas capacidades entram em ação ou se atualizam, quando postas em contato com os objetos sensíveis (como exemplo, a cor seria um sensível próprio da visão). Há o pressuposto em Aristóteles de que recebemos as formas sensíveis sem a matéria, e o indivíduo que percebe, assim é afetado por esta.

Descartes, segundo Saes (2010, p. 16), procede a uma mudança no conceito aristotélico de percepção, afirmando que o que percebemos não são diretamente as coisas, mas as representações que temos delas em nossas mentes, ou de outro modo,

“pode ser um conteúdo mental através do qual alguma coisa se apresenta à nossa consciência”. Aristóteles teria utilizado o verbo perceber, que não se refere diretamente

às sensações. Para Descartes, como a percepção é intelectual, por ela o eu pensante tem acesso aos pensamentos, dando lugar às representações. Ele ainda afirma que sentir é pensar e a sensação é uma atividade pressuposta na produção de qualquer ideia ou representação sensível. Sentir implica consciência do sentir. Entretanto, Descartes salienta que, para termos conhecimento dotado de certeza, temos de afastar a mente dos sentidos, já que estes podem nos enganar.

Já em Hume, o conceito de percepção se amplia, vez que, para esse filósofo, todos os conteúdos da mente humana são percepções, que se distinguem por graus de força e vivacidade. Haveria duas classes de percepção classificadas por Hume, “as impressões que são percepções mais fortes e vívidas; os pensamentos ou ideias que são

percepções mais tênues, menos fortes e vivazes” (SAES, 2010, p.19).

Kant daria mais um passo na conceituação, colocando que, para se compreender a concepção de percepção, é necessário citar a distinção que ele faz entre fenômeno e coisa em si. A coisa em si jamais é percebida, sendo suprassensível, estando além de

nossa capacidade sensível de apreensão. O fenômeno “encerra o aspecto da coisa tal

como ela aparece para nós; por isto, podemos percebê-lo” (SAES, 2010, p.23). Para Kant, as coisas existentes na realidade, que podem ser objetos de nossa experiência, somente aparecem para nós como fenômeno e nunca como coisa em si. Para se perceber um fenômeno, é necessário que haja sensações, que são efeitos causados pelos objetos que afetam nossos sentidos. Além disso, também é necessária a consciência atuando juntamente com as sensações, para que, desse modo, a percepção seja um estado da consciência. A sensação seria meramente a matéria da percepção, sendo necessárias formas de recepção dessa matéria que estariam na consciência. Essas formas são o espaço tempo estruturado e organizado em dados brutos dispersos em sensações. Pela percepção, Kant elabora outro conceito importante, o de “intuição empírica”. A percepção é intuição empírica, na qual se tem consciência de um objeto, representado como real em um espaço tempo. O sentido de intuição é de um conhecimento direto, sem necessidade de raciocínios. Nisso resulta o modo como Kant trata da questão do conhecimento. Para haver conhecimento de objetos, é preciso intuição empírica e conceitos, o que formará os juízos. Para o filósofo, somente esses podem conter e veicular conhecimentos. Saes (2010, p. 23) ainda lembra que “a experiência requer intuições e conceitos, e o conhecimento só é possível quando as intuições são

determinadas por conceitos nos atos de juízo”. É importante ainda lembrar que, em

Kant, a faculdade das intuições é a sensibilidade dos conceitos e o entendimento. Para ele, ambas precisam se integrar e colaborar, para que efetivamente haja experiência e conhecimento.

Na contemporaneidade, é Merleau-Ponty que discute e foca em seu trabalho a questão da percepção, fazendo críticas ao empirismo e ao intelectualismo moderno, com críticas a oposições dualistas, recusando a explicação causal da percepção, negando regras estáveis entre elementos perceptivos e a recusa de que a percepção só ocorria mediante operações intelectuais que promoveriam ordenações de um mundo caótico. Merleau-Ponty (2004, p. 28) concebe a percepção “como um acesso originário ao mundo, um conhecimento de existências pressupostos por todos os atos da consciência

humana”.

Para Merleau-Ponty, a ênfase que a filosofia vinha dando ao objeto acarretou no empobrecimento da noção de percepção que ficara restrita às operações de conhecimento. Para isso, faz um resgate do campo perceptivo em que o todo percebido é aderido ao seu contexto, a situação em que aparece, a atmosfera que faz sua vivência e a percepção das qualidades em que afetos e valores se misturam ao percebido. A experiência sensível é parte integrante do processo vital e o que foi percebido está sempre no campo ou no contexto de outras coisas, em um processo de coexistência que pode se agrupar com diferentes sentidos. O que sentimos e percebemos são totalidades dotadas de sentido.

Ao abordarmos Merleau-Ponty, consequentemente estamos nos direcionando à questão corpo-mente. Para Ramos (2010), o autor partiu de dois questionamentos: o primeiro de que Descartes teria omitido alguns problemas, como a recusa à sensibilidade, que seria uma fonte de incerteza e de dúvida, e, dando primazia à razão, separando corpo e mente.

Descartes teria utilizado, em seu pensamento, alguns questionamentos que o levaram à sua abordagem. Ele levanta o fato de que não podemos definir algo que ainda desconhecemos, alertando que os sentidos nos enganam e pergunta se podemos confiar em alguém que já nos enganou alguma vez. Desse modo, fica a interrogação se podemos confiar nas informações trazidas pelos sentidos. Ramos (2010) discute a questão, considerando as posições de Descartes, apontando se, nos sonhos, temos

certeza de estar em outro lugar, o que leva a nos questionar: será verdadeiro aquilo que se sonhou? Se não temos certeza se é verdadeiro, será que somos um corpo localizado em um tempo e espaço determinado?

Assim, a experiência sensível nos deixa em dúvida sobre nosso corpo e mesmo sobre a existência. Descartes supera essa questão com o seu cogito. Para ele, a certeza

da existência estaria no pensar, na possibilidade de duvidar. Assim, afirma “eu sou pensamento” e seu famoso cogito “Penso, logo existo”. Entretanto, Descartes percebe

que a sensação de fome ou de sede age sobre a mente e compreende que sua existência é de um corpo material unido a uma mente pensante, sendo uma existência encarnada, uma experiência da mistura da mente com o corpo.

Ramos (2010, p. 35) cita que o desafio de Merleau-Ponty foi de fazer a crítica ao

cartesianismo e “explicar o ser humano por meio da experiência viva que o liga ao mundo sensível”. Para Merleau-Ponty, a vida concreta é sempre encarnada, não

havendo pensamento sem a experiência sensível e, antes de pensar, é preciso perceber, mergulhar através do corpo em um mundo que o envolve. Assim, para o autor, não seria o sujeito pensante que faz a reflexão, mas o sujeito encarnado que responde aos questionamentos do mundo. A percepção, para Merleau-Ponty, diferentemente de Descartes, não o enganaria, mas o colocaria em contato com a inesgotável riqueza do mundo, em um movimento exploratório infinito que o mundo sensível proporciona.

De acordo com Merleau-Ponty, o corpo não seria um conjunto estruturado de

No documento Corpo, contemporaneidade, juventudes e escola (páginas 164-186)