• Nenhum resultado encontrado

Imagem e comunicação

No documento Corpo, contemporaneidade, juventudes e escola (páginas 149-155)

Outra noção importante de Maffesoli (1999, p. 267) para a compreensão da atualidade é a de comunicação, uma vez que sua análise centra-se na ideia de conjunção

ou no estar juntos, ou seja “a comunicação torna-se comunhão”.

No latim, communitas, commnio e communis significam um compartilhamento, que envolve troca e circulação, não se restringindo a mídias ou a simples informação, como muitas vezes esses termos são compreendidos.

Na contemporaneidade, temos presenciado uma transformação nas formas de comunicação. A atual geração de jovens já nasce inserida em um contexto social onde

especialmente a internet e o celular fazem parte do cotidiano. Dessa forma, como a comunicação é hoje fundamental para a produção de cultura, compreender como o jovem a utiliza nessa produção/transmissão cultural, na atual estética social, é imprescindível. Em um sentido mais amplo, a comunicação é também todo modo de ser de cada sociedade. Conforme sinaliza Beverari (2012), Rousseau apontou que o homem, ao perceber a existência da sensibilidade como algo presente no indivíduo, deixou vir à tona a necessidade de comunicar seus sentimentos e pensamentos.

Nesse sentido, a comunicação depende do outro, sendo uma forma de compartilhar ideias, experiências, sentimentos, significando o mundo. Também nessa direção, compreendemos o corpo como central no processo de comunicação, ao expressar códigos de linguagem que apresentam os diferentes modos de ser de um povo, que se comunica pelas vestimentas, pelo estilo dos cabelos, pelos comportamentos nos espaços sociais etc.

A comunicação, para Maffesoli (2003a), é a primeira relação que nos remete para uma sociedade de informação na qual nos formamos em um mundo comum, no qual o indivíduo é o que é na relação com as pessoas. A comunicação é que nos liga ao

outro, é o que faz “reliance” (religação), é o cimento social, é a cola do mundo pós-

moderno. Para o autor, a comunicação é uma forma de reencarnação do velho simbolismo arcaico, pelo qual percebemos que não podemos nos compreender individualmente, mas que só podemos existir e compreendermo-nos na relação com o outro.

Se a ideia do coletivo vem ganhando espaço e predominando, a ideia de individualismo passa a não fazer muito sentido, pois, para que o coletivo exista, é necessário que cada um esteja ligado a outro e o que faz essa mediação é a comunicação. O importante é o primum relationis, ou seja, o princípio de relação que nos une ao outro, quando se participa de um destino comum.

Maffesoli (2003a) observa que Heidegger concebeu uma bela fórmula para

sintetizar tudo isso: “compreender é vibrar”. Para isso, o autor coloca o sentido

etimológico da palavra, que significa pegar com, tomar junto, reunir, abordar o mundo na sua totalidade, abrir-se aos outros, remetendo essa forma de vibração, essencialmente, à comunicação.

O autor faz uma crítica ao monopólio das palavras informação e comunicação pelos intelectuais hegemônicos que, não estando atentos ao sentido desses termos, falam de informação sem pensar no que significa pôr em forma e sem referência à criação de um destino comum, deixando de lado o essencial, fazendo desaparecer o participativo, a partilha, o laço social.

Assim, Maffesoli (1999) aponta a diferença entre informação e comunicação. Informar significa ser formado por, trataria da forma que forma, a forma formante. Considerando estarmos em uma era da informação, as noções tornam-se significativas. Na informação, não se pensa por si mesmo, mas se é pensado, formado, inserido em uma comunidade de destino.

A informação também liga, une, junta. Em que pese o fato de comunicação e informação se diferenciarem conceitualmente, ambas descrevem um modus vivendi característico da pós-modernidade. A comunicação remete ao estar juntos, enquanto a informação, ao utilitário.

A comunicação ocorre nas conversas sem razão de ser de todo dia, conversar por conversar, para estar junto, para passar o tempo, para dividir um sentimento, uma emoção, um momento. Comunicar por comunicar.

Já a informação pode ser vista como uma astúcia da comunicação. A pessoa olha um telejornal, em princípio para informar-se, mas, em realidade, toma-o como um espetáculo, um divertimento, um jogo de imagens. Também o leitor quer saber o final da novela, como foi determinada festa, o que leva a deduzir que o que conta na sociedade de informação é a partilha cotidiana e segmentada das emoções e de pequenos acontecimentos.

Assim, a informação pode estabelecer comunhão partilhada de algo entre indivíduos e grupos, estabelecendo comunidades, já que “a emissão não pode controlar

efetivamente a recepção” (MAFFESOLI, 1999, p.15). Ela se volta para um público-

alvo, em que, no conjunto de informações, os indivíduos absorvem aquilo que os faz vibrar, ficando mais segmentada e voltada para um público-alvo, reforçando a dimensão do aspecto tribal presente na contemporaneidade.

Ao nos remetermos a ambas no sentido da partilha de emoções e de sentimentos, é necessário considerarmos que, nesse sentido, é necessário dirigir-se a tribos que comungam em torno de um totem. Em qualquer forma de comunicação e de

informação, há essa possibilidade de criação, em dado momento, de um totem, seja pelas lembranças de família, pelo desejo de criação de um grupo a partir de um elemento comum, por exemplo, a identificação sexual.

Entretanto, também é necessário considerar que, tradicionalmente, as funções da comunicação estabelecem uma hierarquia que vai da informação à distração, passando pela formação, pela educação, pela prestação de serviços ao público e outras categorias. Maffesoli (2003a) adverte que, mesmo correndo o risco de provocar escândalo, ou de ser perverso, caberia dizer que a principal função da comunicação é divertir, distrair, entreter.

Diferente das análises marxista e neo-marxista que colocam a diversão como forma de alienação para dominá-las, o autor recorre a Pascal, para quem o divertimento tem uma função ética, porque divertir-se significa pôr a morte de lado. A comunicação é um divertimento, pois permite constituir as comunidades, a fertilização da vida, fazendo esquecer provisoriamente a morte. Para Maffesoli, às vezes o indivíduo simularia uma adesão, ou não mostra interesse em opor-se a algo, mas, no seu íntimo, permanece refratário ou inalcançável. Dessa forma, mesmo que não goste de algo, para não provocar choques de opinião, guarda um silêncio respeitoso e polido. Nesse sentido, o que se caracteriza como realidade não se resume ou não corresponde à realidade. Existiria, assim, ação na contemplação, resistência na passividade, astúcia na reserva, ou seja, um estilo de vida na negociação.

Outra forma da atual sociedade que envolve formas de informação e comunicação é a internet cujo aspecto interativo prevalece sobre o utilitário e potencializa um dos mais sólidos arcaísmos hoje presentes na sociedade contemporânea, que é o estar em relação-agora, mediado pela tecnologia. A internet é uma nova ordem comunicativa, por meio da qual, no isolamento, as pessoas encontram uma nova maneira de estar juntas. Não somente a internet, mas as tecnologias virtuais se afirmam pela proximidade, pelo espírito de solidariedade em rede, pela correspondência e pela expressão comunicativa e de fruição subjetiva.

Conforme Gioseffi (2009), as imagens, mídias e tecnologias virtuais chamam a atenção na contemporaneidade revolucionando a comunicação com novas linguagens.

Maffesoli (1999) aponta como signo desse tempo a “força imaginal”, que possibilita a

formas de contato e expressões. Haveria hoje uma preeminência da subjetividade sobre a objetividade. A autora coloca: “imagens, imaginários, imaginação, sonhos, aparências; em uma palavra: virtualidades. Imagens muitas vezes falam por si.” (GIOSEFFI, 2009, p.53).

Maffesoli argumenta que as imagens, enquanto signo transfigurador, conduzem o imaginário para sentir esteticamente as realidades. Para o autor, a comunicação pós- moderna é o retorno do simbólico pré-moderno.

Outra observação de Maffesoli (1999) é no sentido de uma análise das imagens. Desde os profetas do Antigo Testamento, passando pela tradição judaico-cristã até o cartesianismo moderno, os ícones foram utilizados, podendo as sociedades serem consideradas iconoclastas. Os ícones traduzem e transportam ao presente coisas de um passado muitas vezes remoto, carregando as raízes mitológicas muito antigas, arquetípicas, que permitem entender as formas hoje assumidas por mitos. Entretanto, sempre foi observada uma condenação constante, uma estigmatização e uma marginalização das imagens.

O autor esclarece que as sociedades pós-modernas estão indo, ao contrário, para uma espécie de iconofilia: publicidade, televisão, videogames, ocorrendo um retorno das imagens, resultando no que chama de idolatria pós-moderna. Os ídolos como Zidane, Harry Portter funcionariam como totens em torno dos quais as tribos se agregam e se compõem em função dos gostos que os constituem, sejam eles sexuais, musicais, esportivos, políticos ou outros.

Maffesoli (1995) aponta o caráter mágico das imagens, colocando-as como vetor de comunhão, atuando no desenvolvimento do sentir coletivo. A modernidade teria tocado o pensamento mágico pelas ciências e pela razão, ocorrendo, agora, a vingança das imagens, vez que, na socialidade transfigurada , não há nenhum aspecto da vida social que não esteja contaminado por elas.

Para o autor, a imagem é uma estrutura labiríntica ainda não devidamente explorada e interpretada intelectualmente. Sua principal função na pós-modernidade seria a religação que esta produz, por um partilhar em comum em torno de uma imagem, mesmo que não seja muito lógico, gerando vínculos e permitindo o reconhecimento de si a partir do conhecimento do outro. A imagem reforça o lado social

e emocional, agregando em torno de si a comunidade. Maffesoli argumenta que do visível, do imanente, surge o transcendente como um reencantamento do mundo.

Observa também o autor (1999) que, como inexiste sujeito, inexiste também o tempo, que recomeça eternamente e, como um camaleão, o indivíduo-pessoa cria e recria o seu processo cíclico, nasce e renasce, determinando uma noção de história humana em um tempo eterno e inexistente. Do mesmo modo, o espaço transforma-se em imagem compartilhada, ou seja, existe para o sujeito apenas à medida que compõe seu imaginário como expressão simbólica (o que chama de objeto imajado), porém um simbólico arquetípico. Dessa maneira, inexiste o objeto para o indivíduo-pessoa.

Assim, corpo e objeto são imagéticos, tempo é imagem presentificada no espaço e espaço é corpo-objeto imaginado. O imaginário é imagem supracorpórea que se torna comum a todos os seres humanos por ser uma tradução simbólica do inconsciente coletivo. Este é o núcleo central e força motriz que determina todos os sujeitos a se comportarem de maneiras similares em épocas específicas, formando os fenômenos sociais.

Maffesoli (1999, p. 343) afirma que a imagem resulta em um produto, que pode

ser a política, a religião, o ecologismo, o individualismo ou as fraldas “Pampers”, sendo

um espectro que leva a diversas formas de agregação. Nesse aspecto, lembra ser necessário romper com a visão em que a televisão ou cinema são um grande caldeirão produtor de ideologia para um passivo consumidor. A realidade é muito mais complexa. A identificação com um produto emblemático é por adesão. Para Maffesoli (1999,

p.344), “a estética da imagem corresponde a sua função dinâmica (aisthesis), a de fazer

experimentar junto emoções e, com isso, fortalecer o corpo social que é seu portador. O autor faz referência ao vídeo-texto, que seria totalmente aplicável hoje às redes sociais. Nesse ambiente, não há necessidade de se conhecer, para reconhecer, pois, havendo presença no seio da ausência, em tempo real, o indivíduo atém-se a trocas interativas.

Para Maffesoli (2004a), o homem, moldado pelo imaginário pós-moderno, não quer apenas informação na mídia, mas, fundamentalmente, ver-se, ouvir-se, participar, contar o próprio cotidiano para si mesmo e para aqueles com quem convive.

No documento Corpo, contemporaneidade, juventudes e escola (páginas 149-155)