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O tribalismo contemporâneo

No documento Corpo, contemporaneidade, juventudes e escola (páginas 124-128)

Para Maffesoli, o termo tribalismo tem sido muito utilizado, muitas vezes, nas mãos de mercenários. Maffesoli (2007) recorre a Durkheim, ao usar a expressão tribalismo, metáfora que utilizou para apontar a metamorfose social que estaria ocorrendo com a saturação da identidade e do individualismo. Nessa perspectiva, a

época de um mundo organizado a partir do primado do indivíduo, senhor de sua história, a fazer, junto com outros indivíduos, a história do mundo, está se encerrando.

Estaríamos, assim, em uma época de ambiguidades em que os agrupamentos clássicos da modernidade vão se dissolvendo, ou ganhando outros sentidos, e a sociedade estaria mostrando a capacidade e a criatividade de se organizar em microgrupos, chamados por ele de tribos, dando origem ao título de um de seus livros. Para Maffesoli (2006), as cidades contemporâneas dessa sociedade são povoadas por tribos.

Conforme o autor, a estrutura patriarcal e vertical está sendo sucedida por uma estrutura horizontal e fraternal. Em 1999, o autor aponta que, nessas estruturas, o burguesismo é distintivo, tem por valor o indivíduo, o que vem se sucedendo por uma cultura de grupo, repousando a cultura dos sentimentos sobre o simples prazer e o desejo de estar juntos, ou seja, a ética da estética.

Assim, nessa nova cultura, surgem os grupos ou tribos, que têm um estilo hedonista atuante. Dessa maneira, não haveria um valor moral, intelectual, religioso que seja intangível e único, mas, antes, um pluralismo de apreciações, diversidades de opiniões, importando mais a dimensão relacional, comunicacional da ideologia do que seu aspecto dominante.

Para que o individuo consiga ser aceito ou inserido em uma tribo, investe em máscaras como uma forma de autoproteção ou para conservação de si, deslocando-se do seu verdadeiro eu, é o que nos lembra Maffesoli (2006). Essas máscaras são trocadas conforme as situações vividas e, às vezes, escondem ou omitem alguma convicção ou crença, pois o que se quer é compartilhar, evitando conflitos que geram talvez a exclusão de determinados grupos dos quais se participa. Evitar conflitos é, assim, uma

forma de conservação de si, que “permite difundir suas idéias e assim reforçar, na longa

duração, a integridade do grupo em questão” (MAFFESOLI, 1999, p.106).

Também para Maffesoli (1997), as tribos comungam com outros em torno de emblemas ou totens que se caracterizam em determinadas épocas, fenômeno a que o autor chama ambiência mística. O totem não isola e serve de vetor de comunhão, valendo-se como polo de atração para as tribos pós-modernas. Esses totens podem ser Deus, a família, a tribo, o grupo de amigos, que criam as comunidades, ou ainda a mídia e as novas tecnologias de informação e comunicação da atualidade, visto que auxiliam e

até mesmo influenciam os envolvidos no processo. A durabilidade de um grupo é determinada em função de sua capacidade de influência de um totem.

O autor afirma que um líder (ou um totem) só suscita adesão, pois existe a necessidade de colocar-se em estado de “religação”8. Para o autor, o “tempo das tribos” vem sucedendo o projeto moderno que não se consolidou, de um progresso linear e seguro, da causa e efeito do bem-estar social. O que se apresenta nesses tempos seria uma volta de valores arcaicos enlaçados com o desenvolvimento tecnológico.

Ainda nessa linha de pensamento o tribalismo pós-moderno teria duas

características em suas raízes: “aqueles que colocam o acento nos aspectos ao mesmo

tempo arcaicos e juvenis do tribalismo e, por outro, aquele que sublinha a sua dimensão

comunicativa e a saturação do indivíduo e da lógica da identidade” (MAFFESOLI,

1997, p.98).

Nesse sentido, o social das análises modernas aponta para o racional de indivíduos que têm uma identidade precisa e uma existência autônoma, o que, na perspectiva de Maffesoli (1987, 2006), não se consolidou, propondo, então, a noção de

socialidade que se fundamenta na “ambiguidade básica da estrutura simbólica”

(MAFFESOLI, 1997, p. 135).

Maffesoli (2007, p. 100) destaca que as tribos pós-modernas estão presentes na atualidade, quando o ideal comunitário é revivido. As tribos pós-modernas estão aí,

“para o melhor e para o pior”. Sua grife seria o destino comunitário, comunidades de

destino, na qual as realidades são o que são de fato.

Para compreender essas mudanças, é exigido esforço, sem julgamento a priori, sem espírito pré-concebido, o que pode “permitir ver dentro do mimetismo tribal, do deslizamento da identidade estável para as identificações ocasiões, uma outra maneira de viver a relação com a alteridade” (MAFFESOLI, 2007, p.102).

Estaríamos, para Maffesoli (2007), caminhando para uma ambiência erótica da vida social. O imperativo categórico da moral em Kant estaria sendo substituído pelo que Ortega y Gasset chamaram de “imperativo atmosférico, entendido como uma

ambiência estética de dimensão transindividual, coletiva, talvez cósmica”

(MAFFESOLI, 2007, p.100). Seria a saturação do sujeito, um narcisismo de massa. Não

8 Termo utilizado para denotar uma forma específica e orgânica de laço social marcado pela comunhão e

há suspeitas sobre as consequências disso. O mundo e indivíduo atual estariam “no

mais que um”, ou no pré-individual. Para o autor, é preciso retomar o mecanismo de

participação mágica: dos outros (tribalismo), do mundo (magia), da natureza (ecologia), não havendo sentido em fechar-se em uma identidade.

O tribalismo rompe com os esquemas modernos na sociedade ocidental, onde “o

indivíduo é seu último avatar” (MAFFESOLI, 2007, p.100). Existe no tribalismo um

deslizamento do indivíduo com identidade estável, com funções contratuais para a pessoa com múltiplas identificações, com papéis desempenhados em tribos de afeição,

em que “o universalismo do sujeito, da razão, avatares de um Deus transcendente deixa lugar a razões e afetos locais, particulares, situados” (MAFFESOLI, 2007, p.101). O

que prevalece seria um dos sentidos, as paixões e as emoções comuns.

Para Maffesoli (1999), a atualidade não é uma nova fase do processo dialético da história, mas de uma sensibilidade específica que vem renascendo. O neotribalismo contemporâneo não se inscreve mais no quadro da história moral ou política, das lutas de classe, do proletariado que ainda está em andamento, mas também não estaria contra a história, mas em um quadro onde outras perspectivas são criadas com sua história específica.

Haveria, no tempo das tribos, o declínio do individualismo e, assim, Maffesoli

(2007) propõe a noção de “ingresso”, que aponta para um entrar sem progredir

(ingresso), não havendo necessidade de um fim, um projeto econômico, político, social a ser realizado, ou seja, é um caminho que pode não ter fim, ou um caminhar ainda sem

finalização. Parece que as tribos contemporâneas “preferem entrar dentro do prazer de

estar juntos, entrar dentro da intensidade do momento, entrar dentro da fruição deste

mundo tal como ele é” (MAFFESOLI, 2007, p.96). Simplesmente “entrar dentro” do

prazer de estar junto, da intensidade do momento, da fruição desse mundo (MAFFESOLI, 2007, p.98).

Esse ingresso ocorreria nos retornos à natureza, no ecologismo ambiental, na criatividade publicitária, na anomia sexual, nos odores e em tudo que lembre o lado animal no ser humano.

No tribalismo ocorreria uma selvagização da vida, em que encontramos um paradoxo pós-moderno, que coloca em cena a origem, a fonte, o primitivo e o bárbaro, ligando o arcaísmo e a vitalidade. É o retorno do mito do “puer aeternus” , “ voltar a

ser criança”. O falar jovem, o vestir-se jovem, os cuidados com o corpo, as histerias

sociais são partilhadas no todo social e não somente entre os jovens, sendo todos contaminados pela figura da eterna criança.

Assim, o arquétipo cultural do judeu-cristianismo, o adulto forte e racional vem sendo sucedido pelo ator de uma eterna criança, que, por seus atos, suas maneiras de ser, sua música, reafirmam a fidelidade ao que é, não sendo uma aceitação ao status quo político econômico.

Maffesoli (2006a) aponta que o tribalismo pós-moderno pode atingir tanto as efervescências juvenis quanto as agregações elaboradas a partir dos gostos sexuais, culturais, religiosos ou políticos. Os motivos que levam às agregações, na atualidade, não são somente resultado de uma programação puramente racional, ocorrendo também sobre o desejo de estar com o outro.

Schultz (2010) salienta que o neotribalismo não seria um campo teórico ou a descrição rígida de uma época nova em termos históricos, muito menos um programa social, mas, sim, uma postura, um estado de espírito, uma tendência que afeta as coisas, a sociedade, as instituições, as pessoas e mesmo a imagem de Deus.

No documento Corpo, contemporaneidade, juventudes e escola (páginas 124-128)