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A busca pela audiência e reconquista do público

CAPÍTULO 3 – TRANSFORMAÇÕES NA TELEVISÃO BRASILEIRA APÓS

3.2. A busca pela audiência e reconquista do público

A partir do momento em que a perda da audiência começa a prejudicar o investimento publicitário, a Globo começa a fazer mudanças em sua programação para se adaptar ao novo cenário.

O Jornal Nacional foi o primeiro a sofrer mudanças profundas na década de 1990, após perder audiência para os telejornais sensacionalistas de outras

14 Ocorre após intervenção governamental nos anos 70 que visava tirar do ar aquilo que considerava de baixo nível cultural. (BORELLI, 2000).

emissoras. Para recuperar seu público, o telejornal inseriu em sua programação diária regras próprias do melodrama popular: o conflito entre o bem e o mal, a presença da “moral da história” e do tom emocional, que substituiu o tom racional anterior.

No lugar da política, entraram as imagens da emoção, câmeras ocultas, a violência (ibid.). No lugar de Cid Moreira, o casal William Bonner e Fátima Bernardes são escolhidos para conquistar o público. O Fantástico também passou por transformações semelhantes na busca da audiência perdida, incorporando pitadas de sensacionalismo velado em sua pauta, simplificando os temas e priorizando o tom emocional, como foi feito no Jornal Nacional.

Os programas de auditório haviam sido tirados do ar pela Rede Globo na década de 1970 com o objetivo de manter o Padrão Globo de Qualidade. Entretanto já na década de 1980, novas versões voltam à programação. Em 1989, o Domingão do Faustão entra no ar e, em seguida, variações infantis como Xuxa e Sérgio Malandro (MIRA, 1995). Em 1999, o humorístico Zorra Total passa a fazer parte da programação, mostrando a intenção da emissora de atingir o público popular, apesar da falta de espontaneidade e improviso, característicos do universo popular.

No início dos anos 2000, mais um programa de auditório é adicionado à programação da Rede Globo: o Caldeirão do Hulk, liderado por Luciano Hulk que, até 1998, estava à frente do Programa H, dirigido ao público jovem, na TV Bandeirantes e que havia lançado personagens de sucesso como Tiazinha e Feiticeira. Como uma versão renovada do clássico programa de auditório, o programa mistura humor, música, participação do público, jogo e câmeras escondidas.

Além de Luciano Hulk, a Rede Globo contratou outros profissionais que faziam sucesso em outras emissoras e roubavam sua audiência. Serginho Groisman, que ganhava audiência do público jovem no SBT foi para a Rede Globo no ano 2000, além de Ana Maria Braga que apresentava o programa Note e Anote na Record e que, em 1999, mudou-se para a Globo.

Uma década após a estreia de Caldeirão do Hulk, em 2011, duas novas atrações entram no ar: o TV Xuxa, um programa de auditório para toda a família, e o Esquenta, liderado por Regina Casé cuja identificação com a periferia é a marca

registrada, segundo a própria Rede Globo.15 O Esquenta tem como característica

principal, dar voz ao público, trazendo a música e a cultura da periferia para a televisão de forma extravagante e colorida. Além disso, o programa discute de forma leve e divertida questões de desigualdade social.

Essa mudança da Rede Globo pode ser observada, sobretudo, nas novelas. Em 2012, foi ao ar a novela Cheias de charme, sobre a vida de três empregadas domésticas que, nas horas vagas, eram cantoras. Penha, Rosário e Cida são as três personagens principais desse enredo. Elas trabalham muito, são bonitas e admiradas e, para conseguir pagar as contas, decidem cantar no trio “Empreguetes”, que acaba fazendo um grande sucesso e mudando a vida das empregadas domésticas. A vilã é Chayene, cantora de lambada, Techno forró e brega pop piauiense, que atribui sua má fase na indústria fonográfica ao sucesso das Empreguetes. As cores e os exageros confirmam a tentativa de atribuir uma “origem popular” à novela.

Nesse mesmo período, começaram a surgir, em outras novelas, empregadas domésticas, mecânicos e outros personagens populares como núcleos centrais da história. Atores e atrizes do primeiro escalão passaram a fazer papéis antes deixados para atores menos conhecidos. Um exemplo disso é Malu Mader que interpretou Rosemere, garçonete em um bar da zona Norte e mãe solteira na novela Sangue Bom. O núcleo central da própria novela Sangue Bom se localizava na periferia da cidade de São Paulo.

Também a novela Avenida Brasil trouxe sinais claros de que a Rede Globo estava interessada em ganhar a audiência de classes C e D. Tufão, personagem do núcleo central da novela, ficou rico, mas não saiu da periferia, e tinha orgulho de sua história e sua origem (CARNEIRO, 2012). A novela tinha “79% de seus personagens, entre jogadores de futebol e cabeleireiras, com os pés firmemente plantados no cotidiano da classe C” (ZYLBERKAN, 2012).

A questão mais importante é a mudança da centralidade dos enredos e personagens principais das zonas centrais para a periferia, do rico para o pobre, em busca da identificação da audiência. Segundo o sociólogo Helder Rodrigues, a idealização das classes C e D não ocorre somente mostrando o lado bom da periferia. Segundo ele, a intenção das emissoras é criar uma “possibilidade utópica”

15 REDE GLOBO, Página da Rede Globo para o público. Disponível em: <http://tvg.globo.com>. Acesso em: 25 dez. 2013.

de representar essa audiência. “Dos nomes dos personagens à trilha sonora, tudo busca fazer referência aos subúrbios. Este compromisso com a realidade fica por conta do cenário, do figurino, e principalmente das atitudes e do cotidiano tanto dos protagonistas quanto dos coadjuvantes” (MEDEIROS, 2013, p. 8).

É importante ressaltar que este trabalho não tem como objetivo avaliar a efetividade dessa adaptação da Rede Globo, muitas vezes criticada por continuar sendo produzida sob o olhar preconceituoso das classes A e B. A intenção aqui é somente verificar o fato de que, para manter seus níveis de audiência, ela passou a apropriar-se do popular em sua programação e em suas escolhas.

A televisão paga, a cabo ou por satélite, também apresenta mudanças que podem ser interpretadas como interesse na audiência mais popular que passa a ter acesso a esse serviço. Canais de filmes como TNT e Megapix passam a apresentar a versão dublada como padrão, disponibilizando o áudio original como alternativa. O canal Megapix, do grupo Globosat, anuncia “todos os dias, depois da novela, um grande filme pra você”.

Outro fenômeno que evidencia essa apropriação e uso do gosto e cultura das classes populares pela indústria cultural é a ascensão de músicos e gêneros musicais de preferência popular, que são contratados por grandes gravadoras, ganhando espaço na televisão e eventos antes restritos ao gosto da elite. Um bom exemplo disso foi a indicação de Michel Teló às categorias melhor álbum sertanejo e melhor canção brasileira do ano no prêmio Grammy Latino, em 2012. Além de receber duas indicações, Teló encerrou a festa. Gaby Amarantos, que canta o brega paraense, já tem seu contrato assinado pela Som Livre. A novidade. no entanto. é que Gaby foi capa da Revista da TAM. em outubro de 2013. e diz em entrevista: “A periferia me ensinou tudo que sei”. Outros artistas e gêneros musicais emergem desse mesmo fenômeno, como: funkanejo, pagonejo e outras misturas populares. São apenas exemplos do gosto popular que ganhou importância com o aumento da renda da classe C.

Valorização do gosto popular e diferenciação são faces do consumo que aparecem em reportagens recentes de jornais e revistas. Segundo reportagem da revista Exame, de 3 de setembro de 2012, houve um tempo em que o consumo representava a busca pela elitização, atualmente os consumidores que emergem da base da pirâmide sabem o que querem.

No passado, o aumento da renda fazia com que essas pessoas assumissem padrões que não eram de sua classe. Um exemplo claro é daqueles que ‘enricavam’ e para mostrar status, saíam de seus bairros. Hoje, além do consumidor ficar na periferia, ele faz questão de lembrar suas raízes e usar suas referências. (BOTTREL, 2012)

Bottrel, em seu artigo no jornal O Estado de Minas, de 5 de fevereiro de 2013, mostra Xirley, cantora de periferia, que colocou seus CDs para vender em um camelô – com direito a neon na Imagem de Nossa Senhora Aparecida, que ela mantém em cima do criado-mudo (ibid.).

A curiosidade que surge é: o fenômeno de valorização da cultura da periferia e apropriação dessa cultura pela televisão pela indústria cultural vai na contramão da lógica bourdiana da distinção?

Segundo a lógica bourdiana, as elites detentoras do capital cultural usam o gosto puro e práticas culturais inerentes a ele como forma de distinção. A origem do gosto puro estaria na estética erudita que é a recusa de tudo aquilo que é “humano”: emoções e sentimentos que homens comuns experimentam. Nesse sentido, a estética popular, ou gosto bárbaro, é a negação da negação, ou seja, a recusa da estética erudita, remetendo ao humano, aos sentimentos e à diversão pura: “O desejo de entrar na representação, identificando-se com as alegrias ou sofrimentos dos personagens, interessando-se por seu destino, desposando suas esperanças e causas” (BOURDIEU, 2007, p. 36). A distinção acontece na aversão pelos estilos de vida diferentes e sem dúvida é uma das maiores barreiras entre classes. “A hierarquia socialmente reconhecida das artes (...) dos gêneros, escolas ou épocas, corresponde à hierarquia social dos consumidores. Eis o que predispõe os gostos a funcionar como marcadores privilegiados da ‘classe’” (ibid., p 9).

No Brasil, a Rede Globo ditou por décadas as regras da televisão, com o “Padrão Globo de Qualidade”, o “bom gosto”, as cenas ensaiadas e cidades cenográficas, produzidas pelos detentores do capital cultural. Os programas de auditório e de natureza popularesca foram retirados de sua programação.

No entanto, desde a década de1990, ela – e indústria cultural, em parte de suas produções – traz de volta o gosto popular. Os programas de auditório voltam ao ar e as matrizes populares voltam a ser valorizadas. Esse fenômeno tem claramente cunho econômico, já que a chamada classe C é agora maioria de

audiência e público. Fica pendente a questão se existe de fato uma legitimação dessa cultura da periferia, dessa estética extravagante, colorida e enfeitada que domina a televisão, a música, as revistas.

Este trabalho não encontra evidencias de legitimação, mas sim de apropriação com fins econômicos de retomada de audiência e conquista do público de classe C. E o que antes era a distinção – “Padrão Globo de Qualidade” – agora é uso e apropriação do gosto popular para sobrevivência e reconquista da audiência.

A apropriação dos elementos do popular com fins econômicos pode ser comprovada com a análise das audiências atuais das duas maiores emissoras de televisão do país: a Rede Globo e o SBT.