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Identidade na sociedade contemporânea: o papel do consumo e da

CAPÍTULO 2 – PUBLICIDADE: A INTERSEÇÃO ENTRE TELEVISÃO E

2.3. Identidade na sociedade contemporânea: o papel do consumo e da

Uma questão adicional deve ser acrescentada ao bojo da complexidade do consumo e da publicidade: o seu papel na construção da identidade do indivíduo na sociedade contemporânea. Autores como Bauman e Giddens abordam as questões contextuais da sociedade, no início do século XXI, os quais têm profundas implicações sobre o indivíduo e consequentemente sobre a questão identitária.

Zygmunt Bauman, em Modernidade Líquida, argumenta que na sociedade contemporânea os riscos e as contradições produzidas socialmente recaem cada vez mais sobre os ombros do indivíduo que passa a ter, sozinho, a carga de enfrentá-los. A própria ideia de modernização, antes considerada uma tarefa coletiva para a razão humana, é individualizada e “juntamente, o que é importante, com o peso da responsabilidade, se transladou decisivamente para a autoafirmação do indivíduo” (BAUMAN, 2001, p 38). Quando a responsabilidade e o risco das decisões recaem unicamente sobre o indivíduo, uma das consequências é a busca pela certeza num ambiente de incertezas e dúvidas.

Quando “cada indivíduo deve ir em frente e tentar sua sorte”, quando “ele tem que nadar ou afundar” – “a busca compulsiva da certeza” se instala, começa a desesperada busca por “soluções” capazes de “eliminar a consciência da dúvida” – o que quer que prometa “assumir a responsabilidade pela ‘certeza” é bem-vindo. (ibid., p. 28)

Anthony Giddens, em Modernidade e Identidade, dialoga com Bauman, mostrando que a alta modernidade10 introduz riscos que as gerações anteriores não tinham que enfrentar, colocando o indivíduo diante de uma complexa variedade de escolhas e ao mesmo tempo oferecendo pouca ajuda sobre as opções que devem ser selecionadas (GIDDENS, p. 2002, p. 79). Nesse contexto o indivíduo se sente só e privado de referências, num mundo onde falta sentido de segurança, culminando numa insegurança ontológica onde o eu é visto como um projeto reflexivo, uma interrogação contínua, pela qual o indivíduo é responsável.

Assim, os indivíduos partem em busca de sua autoidentidade,11 construindo narrativas na tentativa de dar sentido à vida, que são concretizadas através do estilo de vida e do consumo de produtos que lhes proporcionam a ilusão de afirmação identitária.

Os regimes [alimentares] têm uma importância central para a autoidentidade precisamente porque ligam os hábitos a aspectos

10 O conceito de alta modernidade de Giddens será usado somente no contexto do pensamento desse autor. O objetivo deste trabalho não é discutir conceitos de modernidade tardia ou pós- modernidade, apenas entender as consequências para o indivíduo no contexto do consumo. Por isso, usa-se, neste trabalho, sempre o termo mais geral sociedade contemporânea.

11 Da mesma forma, o conceito de autoidentidade do Giddens é usado aqui somente no contexto do pensamento desse autor. Já que não é objetivo discutir a questão da identidade autorreferenciada ou identidade inserida no grupo ou sociedade. Somente mostrar como o consumo e a propaganda podem ter um papel fundamental na crise identitária da sociedade contemporânea.

visíveis da aparência do corpo. Regimes de autoenfeite são também ligados a dinâmicas centrais da personalidade. A roupa é um meio de autoexibição, mas também se relaciona diretamente à ocultação / revelação a respeito das biografias pessoais – liga as convenções a aspectos básicos de identidade. (ibid.)

Na alta-modernidade, o estilo de vida adquire primazia, não nos termos do consumismo superficial, mas no sentido de que o indivíduo é obrigado a escolher um estilo de vida, o qual Giddens define como: “um conjunto mais ou menos integrado de práticas que o indivíduo abraça não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de autoidentidade” (ibid., p. 79), tais como hábitos de vestir, comer e agir.

Campbell também sugere que o próprio consumo pode propiciar a significância e a identidade que os indivíduos modernos tanto desejam e que é em grande parte através desse ato de consumir que eles combatem seu senso de insegurança ontológica. Ele mostra como os indivíduos se autodefinem em função do seu gosto, seus desejos e hábitos de consumo, como comidas e bebidas, lazer, etc.

Dessa forma, inevitavelmente, chegamos à conclusão de que as atividades dos consumidores devem ser entendidas como uma resposta à postulada “crise de identidade”, e também como uma atividade que, na verdade, só serve para intensificar essa crise (...) eu compro a fim de descobrir quem eu sou. (CAMPELL, 2007, p. 49)

Maria Eduarda Mota Rocha aprofunda essa discussão ao analisar o consumo em São Miguel dos Milagres, mostrando que, na pobreza, o consumo assume o papel de reelaboração das identidades sociais, na medida em que é a partir dele que o estigma da pobreza é deixado de lado. O consumo surge como atestado de integração mais favorável dessas populações à sociedade brasileira, ou seja, de pertencimento. Rocha traz também a importância do discurso publicitário na questão da reelaboração das identidades sociais. “De modo rápido, ele traduz e promove códigos através dos quais o consumo de produtos é acionado na construção de uma imagem adequada à identidade pretendida” (ROCHA, 2002, p. 141).

Logo, se a publicidade codifica a questão do consumo como significado de pertencimento, a marca é o signo que carrega o código. Ela não só representa o produto na publicidade, como também é elemento fundamental nesse processo de

busca da identidade, por portar uma carga imagética com a qual o consumidor identifica-se.

A marca pode não ter nenhuma relação com o produto ou serviço por ela representado. Melhor dizendo, sua intenção não é refletir uma “realidade objetiva” e, sim, ser capaz de falar de como “os consumidores veem a si mesmos ou da maneira como gostariam de ver a si mesmos”. (...) A marca é um símbolo complexo onde as diferentes imagens que opera precisam ser coerentes entre si, cuidadosamente remetidas à imagética principal com a qual a marca quer se ver identificada. (FONTENELLE, 2002, p. 177; grifos meus) As necessidades simbólicas do indivíduo na sociedade contemporânea estão na busca por sua identidade. Se essa é uma das questões centrais da sociedade hoje e essa mesma sociedade tem como cerne e centro o consumo, é lógico que este tende a ser uma das possíveis saídas para essa busca simbólica. Sendo assim, a propaganda passa então a compor uma rede de signos e atua como código, dando sentido ao consumo na jornada da construção identitária.

2.4. A publicidade se transforma com o consumo: de