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Batalhadores: a narrativa de vida e a luta por um futuro melhor

CAPÍTULO 4 – A ANÁLISE DA PUBLICIDADE

4.6. Batalhadores: a narrativa de vida e a luta por um futuro melhor

A análise do comercial de Brilhante traz outros aspectos importantes, presentes também em outro grupo de comerciais.

De maneira geral, a forma narrativa dos comerciais que apresentam um testemunho de sucesso se assemelha ao relato popular. Da tradição oral, o relato popular conta uma história com sentido moral, onde a repetição e a inovação convivem (Martin-Barbero, 1988). É também uma das bases de origem do melodrama, juntamente com os espetáculos populares.

Porque historicamente no melodrama (…) se fundem pela primeira vez a memória narrativa e a gestual, as duas grandes tradições populares: a dos relatos, que vem dos romances e da literatura de cordel, e das narrações de terror da novela gótica, por um lado; e por outro, a dos espetáculos populares que vem da pantomima e do circo, do teatro de feira e dos ritos de festa. (Ibid., p. 5; tradução nossa)

O melodrama, por sua vez, dá origem ao gênero de mesmo nome no teatro, chamado por Barbero de melo-teatro, que dá origem à melo-novela, ou folhetim, através do crescimento da imprensa. Com o desenvolvimento do rádio e do cinema, o folhetim se transforma em radionovela e melodrama cinematográfico, como herdeiros “naturais” da melo-novela.As técnicas de produção do cinema e o advento da televisão, fusionados aos mecanismos do relato popular presentes na radionovela, transformam-se na telenovela. A telenovela latino-americana é onde o melodrama “profundamente original reencontra as massas” (ibid., p. 20).

Borelli analisa a telenovela da Rede Globo, encontrando alguns elementos que compõem uma produção de sucesso: atores e personagens admirados, ídolos, pares românticos, paisagens, ficção acrescentada à realidade de maneira plausível. Além de dramas familiares, humanos e político-sociais relevantes à época.

É possível encontrar diversas semelhanças entre a telenovela – e sua origem no relato popular e no melodrama – e os comerciais analisados aqui. O drama pessoal, a solução encontrada, o clímax da história, o ator famoso, o personagem que se transforma em herói. Assim os anunciantes se apropriam de uma matriz popular com o objetivo de se aproximar desse público.

Além da forma narrativa, relação entre autoestima e êxito profissional aproxima esse comercial do gênero autoajuda, muito presente nas revistas femininas. Mira, em O leitor e a banca de revistas, analisa as revistas femininas como Claudia e Nova. Segundo a autora, o reforço da autoestima e o fortalecimento do ego são os objetivos alegados das matérias sobre comportamento nesse tipo de revista que buscam acompanhar a mulher após a emancipação feminina, em sua jornada de ser independente financeiramente e tomar suas próprias decisões independentemente de tradições. Assim essas revistas se assemelham à autoajuda (MIRA, 1997).

Só através da autoestima é que se podem operar mudanças. A nova mulher é alguém que pode fazer compras para si, exercer sua sexualidade sem timidez, descobrir o seu próprio valor. (...) Ao tentar ajudar a leitora a enfrentar essa nova realidade, seus métodos são em tudo semelhantes aos manuais de autoajuda. É típico da revista, antes de mais nada, o abuso dos advérbios “como” e “onde”. “Como abrir um negócio em segurança”, “Onde encontrar homens interessantes” e outros. (Ibid., p. 212)

A autoajuda comumente usa o depoimento alheio para gerar aprendizado emocional. É através das histórias de vida de outras pessoas que as leitoras aprendem como agir numa situação semelhante, ou seja, “[as histórias] elas são lidas como algo que ‘poderá acontecer comigo’ e, se acontecer, ‘saberei como agir’” (ibid., p. 171). Fica clara a semelhança entre as histórias de vida presentes nas matérias de autoajuda e os depoimentos usados nos comerciais para gerar o interesse do público feminino e oferecer soluções práticas para o problema da brancura na autoestima: “agora sei como agir”.

Outro aspecto a ser analisado na narrativa da vendedora de quindim, são “estratégias de viração”, apresentadas por Sciré: diversos artifícios tanto de obtenção de renda quanto de maximização do consumo, que fazem o dinheiro render.

A organização da vida cotidiana dentre as camadas populares sempre passou pelas mais diversas estratégias de fazer o dinheiro render. Dentro desse contexto, principalmente as mulheres exercem papel ativo, realizando uma série de pequenas atividades que, somadas à “renda oficial”, permitem ampliar os ganhos dentro de casa. Trata-se de atividades que vão desde a venda de bijuterias e outros produtos, bicos durante os finais de semana, além da execução de pequenos serviços para vizinhos – geralmente homens e solteiros – como lavar e passar roupas, olhar crianças, etc. (SCIRÉ, 2012, p. 94)

A figura do micro e pequeno empreendedor, como a doceira da periferia que multiplica o tamanho de sua confeitaria, é, segundo a publicação Vozes da Classe Média – caderno três (BRASIL, 2013b), uma realidade. Essa publicação mostra que os pequenos empreendedores representam hoje 40% dos postos de trabalho disponíveis e por 32% do crescimento do montante de remunerações do trabalho. Meirelles, nessa mesma publicação, faz uma análise qualitativa desse fenômeno e mostra como o otimismo, que faz parte dos valores da classe C, contribui não só para o aumento do consumo, como também para o empreendedorismo em busca de um futuro melhor.

Segundo ele, o otimista estuda mais e empreende mais. E a estabilidade econômica, além de um ambiente mais favorável ao empreendedor, foi o gatilho que faltava para que esse sonho se transformasse em realidade. “O resgate da autoestima foi primordial para que este brasileiro pudesse tirar do papel as suas metas e concretizar sonhos que pareciam inalcançáveis há anos” (MEIRELLES in BRASIL, 2013b, p. 98).

A narrativa do sucesso é importante porque ilustra como o trabalho árduo e esforço individual protagonizaram essa trajetória que os levou pelo caminho da luta a uma “vida melhor”. Segundo Jessé Souza, o grupo denominado por ele de “nova classe trabalhadora” ou simplesmente de “batalhadores” (SOUZA, 2012), ascendeu na pirâmide social através da renda e do trabalho e se sustenta sobre uma espécie de ethos do trabalho, foi o trabalho que trouxe o aumento da renda e do consumo;

batalha que é motivo de orgulho e dignidade. Logo, a narrativa de vida se torna central e aparece nos comerciais como exemplo de sucesso a ser seguido.

Outros comerciais também se destacam pela forma narrativa, pela semelhança com o gênero autoajuda e pela importância do esforço individual do batalhador para seu sucesso.

A marca de cosméticos Jequiti, do grupo Silvio Santos, também se apropria dessa narrativa do microempreendedor como estratégia de “viração” financeira. Veiculados em diversos horários e programas na emissora, os comerciais de Jequiti convidam o telespectador a fazer parte desse sucesso, através da figura de Patricia Abravanel, além de mostrar casos reais de consultoras Jequiti bem-sucedidas.

O comercial traz o depoimento da consultora Alene, Serra Talhada – PE. A personagem conta como começou a vender Jequiti e como esse fato a ajudou a realizar conquistas pessoais e de consumo, discurso carregado de um forte sotaque pernambucano. “Era um sonho vender Jequiti, eu vi na tevê, eu digo eu quero isso pra mim”.

Figura 66: Comercial Jequiti 2

“Tava divulgano na minha cidade que ia ter uma reunião, vou lá, e daí pra cá conclui minha faculdade...”.

Figura 67: Comercial Jequiti 2

“...comprei meu carro. Você tem um sonho, conquista, aumenta a clientela, busca outro sonho, e assim sucessivamente”.

Figura 68: Comercial Jequiti 2

Ao final, a garota propaganda da marca, Patricia Abravanel, encerra o comercial convidando o telespectador realizar seus sonhos através de Jequiti. “Tá esperando o que pra realizar teus sonhos? Seja um consultor ou uma consultora da Jequiti”.

Jequiti é apresentada como a ferramenta para a realização pessoal e profissional do herói que, através do esforço individual, atingiu seus objetivos.

O comercial de 15 segundos do medicamento Coristina D, veiculado no SBT no Programa do Ratinho, também ilustra o esforço individual, a batalha do dia a dia, que não pode ser interrompida por uma gripe. Nele, a garota propaganda Giovana Antonelli passa pelo ambiente de trabalho, da família, até terminar num ambiente branco ao lado do produto. “Eu sou como você, batalho e não paro por uma gripe. Eu sou Coristina D, e você? Coristina D, cuida de você”.

Figura 70: Comercial Coristina D

Novamente aparece a temática da batalha do dia a dia e da importância do esforço individual que não pode ser abatido por qualquer motivo, nem por uma gripe. Por esse motivo se torna tão importante à narrativa de vida de cada indivíduo. Para os batalhadores, o trabalho árduo e esforço individual são protagonistas na trajetória que os levou pelo caminho da luta a uma “vida melhor”.

A questão da educação faz parte do sonho e do esforço em busca dessa “vida melhor”. No capítulo “Uma breve discussão sobre o fenômeno da classe C”, este trabalho trouxe alguns fatos relevantes sobre a questão da educação na classe C. Na maioria das famílias, o chefe ou pessoa de referência no núcleo familiar apenas concluiu o ensino médio. Porém os jovens tendem a frequentar mais a escola que seus pais: “Enquanto na classe alta os filhos estudaram 20% a mais que seus pais, na Classe C, essa média fica em 68%” (BRASIL, s/b).

Instituições de ensino passam então a falar diretamente com esse público em seus anúncios, explorando o desejo da ascensão através da educação. O comercial

das Faculdades Anhanguera, veiculado no SBT, traz Teresinha, Augusto e Kelly como personagens, estudantes da Anhanguera, contam como Leandro se esforça para estudar e como a Anhanguera oferece todas as ferramentas e facilidades para que seu esforço tenha resultado, ou seja, para que ele possa concluir o curso com tranquilidade e conseguir um emprego. O slogan ao final resume essa mensagem. “Anhanguera. Aqui o seu esforço ganha força”.

“Mesmo trabalhando muito, Leandro nunca falta às aulas. Os professores são muito bons, e ele diz que tem que aproveitar”.

Figura 71: Comercial Anhanguera

“Estudar não é fácil, mas Leandro sabe que vale a pena. E como as mensalidades não pesam muito, fica mais tranquilo”.

Figura 72: Comercial Anhanguera

Figura 73: Comercial Anhanguera

Um locutor entra em cena: “Agora é a vez do Leandro e a sua vez também. Uma das maiores instituições de ensino do mundo dá a maior força pra você estudar. Inscreva-se já. www.vestibulares.br. Anhanguera. Aqui o seu esforço ganha força”.

Figura 74: Comercial Anhanguera

Outro exemplo importante é o comercial da Uninove, veiculado durante o Fantástico. Ele traz como características principais a localização e mensalidades que cabem no bolso, além da qualidade do ensino.

O comercial é composto do depoimento de diversos jovens. “Qualidade é ter tradição de mais de meio século. E ser uma das maiores universidades de São Paulo”.

Figura 75: Comercial Uninove

“Qualidade é ter cursos dinâmicos e atualizados. Bibliotecas constantemente renovadas e modernos laboratórios”.

Figura 76: Comercial Uninove

“Qualidade é ter um excelente conceito no MEC. Com mestrado e doutorado recomendados pela Capes”.

“Qualidade é ter um campus sempre perto de você”.

Figura 78: Comercial Uninove

“Qualidade é ter um preço justo que cabe no meu bolso. É por isso que a Uninove vai ser a sua universidade. É por isso que a Uninove é sempre dez”.

Figura 79: Comercial Uninove

O argumento da mensalidade que cabe no bolso, ou que não pesa no bolso, é o mais importante para identificar o público a quem o comercial se destina. Para um jovem de classe A não faz sentido dizer que a mensalidade tem preço justo ou que cabe no seu bolso, afinal não é o próprio aluno que paga, e sim seus pais. Para fazer o contraponto, é apresentado abaixo um anúncio da Anhembi-Morumbi. Ela tem o comediante Marcelo Tas como garoto propaganda, ao contrário da Uninove e Anhanguera, que mostram jovens comuns. Aparece no fim o argumento da mensalidade – que seria paga pelos pais do aluno.

“Mais uma vez a Anhebi-Morumbi está inovando e lança o vestibular Top 50. Se você for aprovado, entra numa das universidades mais conceituadas do país. E se estiver entre os cinquenta primeiros, ganha uma bolsa integral. É a Anhembi- Morumbi valorizando o seu talento e convidando você a fazer diferença no mundo. Prepare-se pra comemorar se passar. E se passar entre os cinquenta primeiros, quem vai comemorar é o seu pai. Anhembi-Morumbi, uma universidade de fronteiras e mentes abertas”.

Figura 80: Comercial Anhembi-Morumbi

Não existem dados neste trabalho que provam se quem paga o ensino superior na classe C é o próprio jovem ou seus pais. Porem não há dúvidas que os anúncios da Uninove e da Anhanguera trazem mais elementos que geram identificação com jovens da classe C. Além da mensalidade que cabe no bolso, a localização acessada através de transporte público aparece como elemento principal. O trabalho concomitante ao estudo e o esforço de frequentar a faculdade, porque estudar não é fácil, valem a pena pelo emprego novo que aparece logo adiante. E a própria faculdade ajuda esse jovem a encontrar o caminho do emprego novo. A mensagem da porta de entrada para uma vida melhor é sem dúvida parece ser mais relevante para jovens batalhadores de classe C muito mais do que “estar entre os cinquenta primeiros”.

Os comerciais descritos e analisados neste capítulo foram apenas alguns exemplos, os mais relevantes e característicos, dentre muitos anúncios nos intervalos da programação escolhida que pareciam ser direcionados para classe C. Eles provam como as empresas anunciantes, junto com as agências de publicidade, estudam esse público e procuram entender seus valores, seus sonhos, suas

preferências estéticas. Ao associá-los a seus produtos, buscam a atenção da classe C que ganha importância como mercado consumidor. A finalidade é a influência na escolha do consumidor quando for comprar produtos de limpeza ou se matricular um curso superior, e essa tentativa é feita ao imprimir dentre os atributos identitários da marca aqueles com os quais o público se identifica.

CONCLUSÃO

Após 1994, o Plano Real trouxe a estabilização da inflação e um ciclo virtuoso para a economia como um todo, que voltou a crescer. O crescimento da renda média, no início dos anos 2000, veio do aumento do emprego, do salário mínimo e dos programas governamentais de repasse de renda. Isso fez com que milhões de brasileiros tivessem renda disponível e ganhassem importância no mercado consumidor. As manchetes sobre a classe C começaram a se espalhar por jornais e revistas, destacando características desse grupo: têm orgulho de sua origem e não querem copiar as classes A e B, gostam de marcas líderes e tem cartão de crédito, jovens buscam educação por um futuro melhor.

Institutos de pesquisa especializados prosperaram ajudando as empresas e o governo a entender esse grupo. O Governo Federal cria a “Comissão para Definição da Classe Média no Brasil”, subordinada à Secretaria de Assuntos Estratégicos, deixando evidente a importância dada pelo governo a esse tema. Essa comissão publicou quatro edições do caderno Vozes da Classe Média, aprofundando-se no perfil socioeconômico, demográfico e comportamental desse grupo.

Tal fenômeno mudou a dinâmica não só do mercado consumidor, que se expandiu, como também da indústria cultural e da televisão. A audiência popular passou a ser muito mais significante do ponto de vista econômico e cresceu o número de empresas anunciantes dispostas a veicular seus comerciais para esse público. As empresas e agências de publicidade passaram a estudar suas preferências, entendê-las, dissecá-las.

Ao tratar de temas de seu interesse, organizar o enredo dos comerciais segundo sua lógica de pensamento, falar sua língua, usar suas palavras, suas preferências de cores e gosto musical, os anunciantes produzem anúncios mais adequados às necessidades e motivações da classe C que emerge do universo popular.

Ficou claro que os anunciantes se apropriam do gosto popular, de suas matrizes culturais e questões identitárias, em busca de se aproximar desse público e fazer com que seus produtos se tornem desejados e, em última instância, sejam comprados por ele. Elementos semelhantes encontrados em diversos comerciais

mostram que as empresas e agências de publicidade fizeram seu dever de casa e estudaram sua nova audiência.

Desde o uso da música sertaneja, das cores primárias, da festa, traduzida em programa de auditório, da comicidade popular, até a seleção do elenco, do seu sotaque, do figurino, da locação, dos objetos cenográficos, da pós-produção e a escolha das imperfeições a serem editadas, tudo é deliberadamente e detalhadamente produzido para gerar identificação com a classe C. Outros assuntos de relevância identitária também aparecem, como a questão da autoestima, relacionada à brancura, as estratégias de “viração” financeira do dia a dia e a construção da narrativa de vida na busca por um futuro melhor.

Ao contrário dos comerciais mais cultos, onde muitas vezes sequer existem palavras, apenas uma sequência de imagens e sons, a forma narrativa está presente de maneira geral nos comerciais para a classe C. A presença de elementos como o drama pessoal, o herói e o clímax da história, aproxima-os do relato popular. São também usados como artifícios a fim de facilitar a compreensão da mensagem: a repetição, característica da tradição oral, bem como a utilização do testemunho pessoal que remete ao gênero autoajuda.

Marcas líderes e grandes empresas já não hesitam em veicular seus comerciais no intervalo de programas como Ratinho. Anunciam inclusive as versões mais elaboradas e mais caras de seus produtos, como sabonete antibacteriano, creme dental para dentes sensíveis e sabão líquido, pagando o altíssimo custo pelo espaço de 30 segundos cobrado pelo SBT, muitas vezes, mais caro que em programas da Rede Globo.

Até a década de 1990, o domínio da Rede Globo sobre a televisão e a primazia da televisão sobre os demais meios fez com que o “padrão Globo de qualidade” fosse sinônimo da indústria cultural brasileira. Após a década de 1990, a emissora passou por mudanças para se adequar ao gosto da nova audiência que ganhava poder econômico, contratando quem antes roubava sua audiência em outras emissoras e fazendo modificações em sua programação ao inserir novos programas humorísticos e de auditório. Também moveu a centralidade das novelas das zonas ricas para a periferia, colocando atrizes e atores de primeiro escalão em papéis antes considerados secundários como garçonetes ou empregadas domésticas. Algumas mudanças foram reconhecidamente de sucesso, como a

novela Amor à Vida, outras um tanto quanto caricaturais como a novela Cheias de Charme. Entretanto, apesar dos seus esforços, a Globo mantém sua audiência através das classes A e B e não se aproxima do SBT em preferência das classes CDE.

Também devido ao tamanho de sua audiência, composta por todas as classes, os anunciantes veem a Globo como meio para divulgação de seus produtos de forma mais abrangente, ou seja, não focalizada no público popular. Talvez isso explique o fato de que dos 18 comerciais escolhidos e analisados por apresentarem características do gosto popular, apenas três foram extraídos da Rede Globo: Extra e Claro, veiculados durante a novela Amor à Vida, e Uninove, veiculado durante o Fantástico. Todos os demais comerciais foram veiculados no SBT.

De fato, a discussão sobre o gosto popular, presente na propaganda, ganha força na medida em que se entende o tamanho do grupo que ganha importância no mundo do consumo. A chamada classe C é hoje mais da metade da população do Brasil. Ela ascendeu nas últimas décadas das classes D e E com o aumento da renda, trazendo consigo o gosto popular, as matrizes culturais populares e suas práticas culturais traduzidas em consumo. Consumo este que, sem dúvida, contribuiu para a melhora na qualidade de vida do grupo.

O aumento da renda disponível possibilitou o acesso à internet, permitiu a compra de planos de saúde, acesso à universidade privada, além, é claro, de eletrodomésticos novos. Seja ele chamado de nova classe trabalhadora, batalhadores, classe C ou classe média, o fato é que esse grupo passou a ter acesso ao consumo e a ver na propaganda mensagens que compreendem melhor, signos com os quais se identifica, bem como seu gosto e suas preferências associados às marcas líderes de mercado.

Entretanto, a crítica precisa ser colocada. O aumento da renda vem do trabalho e esforço individual, em busca da construção de uma narrativa de vida com futuro melhor. Parte da população das classes CDE ainda não tem acesso às redes de água e esgoto, ou à coleta de lixo. Ainda faltam detalhes importantes nesse retrato. Um retrato do povo que mora longe, em Parelheiros, por exemplo, que passa uma hora na fila para pegar o trem na marginal, que frequentou escola pública até a quarta série, mas “o filho vai sê dotô”. É o porteiro, marido da faxineira, cunhado da vendedora Avon, que é esposa do pedreiro, que faz churrasco na laje no fim de

semana, de calça jeans justa e top cor-de-rosa, escutando McDaleste no telefone