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Definições de classe C ou classe média

CAPÍTULO 1 – UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O FENÔMENO

1.3. Definições de classe C ou classe média

Antes de iniciar a jornada pelas definições de classe C, ou classe média ou qualquer que seja o nome desse grupo, é importante esclarecer que não existe hoje uma única definição aceita nem um consenso sobre os melhores critérios, não existe sequer consenso sobre o nome do grupo. Em algumas publicações, ele é chamado de classe C, em outras de classe média, em outras de nova classe de trabalhadores. Algumas publicações chamam essa estratificação da sociedade, com base na renda ou no consumo, de classes sociais, outras chamam de classes econômicas e ainda outras de classe de renda. Portanto, este trabalho não tem a pretensão de esgotar essa polêmica, somente de trazer à tona suas diferentes facetas e apresentar dados e argumentos para melhor compreensão da discussão.

A tentativa de definir essa camada da sociedade brasileira, que chamaremos aqui de classe C, com o propósito único de nomeá-la e não de concordar ou criticar as definições, não pode ser iniciada sem esclarecer que a chamada classe C não é de fato uma classe, segundo a definição sociológica clássica marxista, que entende classe social em termos referentes ao seu papel no processo de produção e posse do capital.

Existem hoje diversos critérios para segmentação da sociedade brasileira, sendo dois deles mais usados: pela renda e pela aquisição de bens.

O critério de estratificação pela renda tem como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. O Centro de Políticas Sociais da FGV, coordenado por Marcelo Neri, apresenta seu cálculo de estratificação da sociedade brasileira. Segundo Neri, algumas considerações devem ser tomadas em conta no uso da renda “seja na definição de classe ou da sua tradução no potencial de consumo e de capacidade de geração (e manutenção) de renda” (NERI, 2010a). Em primeiro lugar, a unidade considerada é sempre a família, não os indivíduos. Entretanto, é necessário usar a renda per capita para distinguir famílias que possuem a mesma renda e diferente número de indivíduos.

Tendo o micro dado de renda domiciliar per capita em mãos, cada família ou parcela da sociedade é posicionada sobre um eixo de renda. Uma vez que está sobre esse eixo, a faixa central fica definida como classe C. Esse eixo não está, contudo, dividido em faixas de mesmo tamanho em número de famílias, e sim de

forma a maximizar a distância entre as faixas e minimizar a distância dentro delas. Depois disso, os dados são ajustados com base na POF – Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE – que, embora feita a cada cinco anos, tem dados detalhados sobre renda total e informal, muito importantes principalmente para os mais pobres.

Dessa forma a classe C, segundo Neri, está imediatamente acima dos 50% mais pobres e abaixo dos 10% mais ricos. “A classe C aufere em média a renda média da sociedade, ou seja, é a classe média no sentido estatístico. A classe C é a imagem mais próxima da média da sociedade brasileira” (NERI, 2010b, p. 24).

Usando esse critério, de fato, é possível observar um aumento da importância da classe C ou camada média nos últimos anos, conforme Gráfico 9.

Gráfico 9: Evolução das classes econômicas segundo critério CPS/FGV

Fonte: Neri (ibid.) a partir dos dados PNAD/IBGE

Em número de pessoas, é possível observar que a classe C incorporou quase 30 milhões de indivíduos, além do fato de que as classes D e E perderam 23 milhões de indivíduos, que ascenderam nessa mesma pirâmide (Gráfico 10).

Gráfico 10: Evolução das classes econômicas em número de indivíduos

Fonte: Neri (ibid., p. 33) a partir dos dados PNAD/IBGE.

A Comissão para definição da classe média, em seu relatório de definição da classe média no Brasil, publicado em outubro de 2012, também utiliza dados de renda do IBGE para o cálculo e estratificação da sociedade brasileira. Um dos argumentos que se apresenta para escolha desse critério é:

Embora estejamos longe de um mundo com mercados completos, boa parte do que as pessoas mais valorizam (inclusive saúde e educação) pode ser obtida no mercado. Nesse ambiente, apesar de a renda não ser o indicador sintético perfeito, dentre os indicadores unidimensionais disponíveis ela tende a ser o mais próximo do ideal. (BRASIL, 2012a, p. 16)

Da mesma forma que Neri, esse relatório defende que a renda deve ser familiar, per capita, total e bruta. O relatório reconhece que mesmo não sendo um critério perfeito, dentre os critérios unidimensionais possíveis, é o mais completo.

Uma vez escolhida a renda como critério, o relatório discute como dividir a sociedade em grupos. Uma forma de fazê-lo é dividir a população em percentis de renda, de forma que a classe média sempre esteja entre o percentil 25 e 75, ocupando 50% da população. O critério que prevaleceu, porém, foi aquele mesmo usado por Neri, onde se busca similaridades e se procura dividir, de forma a minimizar a desigualdade interna do grupo e maximizar a desigualdade entre grupos.

Dessa forma, o Relatório para Definição da Classe Média, da SAE, chegou à conclusão que a classe C, que representava 38% da população em 2001, passou a representar 49% da população em 2009 (ibid., p. 29).

Além da estratificação pela renda, o critério mais utilizado no Brasil hoje é o padrão de aquisição de bens, chamado de “Critério Brasil”. Esse cálculo foi criado pela Abep – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – e é usado pelo Ibope e outras instituições de pesquisa de mercado como, Ipsos, Nielsen e Datafolha. Entretanto o fato de ser usado pelo Ibope expande a importância para este trabalho, uma vez que o Ibope é quem mede audiências, logo, os espaços comprados pelos anunciantes para veiculação de seus comerciais são segmentados de acordo com o Critério Brasil. Como consequência, as empresas em si acabam usando esse mesmo critério.

A Abep usa o sistema de pontos baseados em posse de bens e nível de escolaridade do chefe de família, ou da pessoa de referência na família. Quanto mais bens a família possui, e quanto maior o grau de escolaridade da pessoa de referência, mais pontos a família possui. Posteriormente o número de pontos dará origem à “classe”. As Tabelas 3 e 4 compõem o critério Abep.

Tabela 3: Número de pontos acumulados por quantidade de bens e grau de instrução do chefe de família

Fonte: Abep Critério Brasil (ibid.).

Ao final, as “classes” são encontradas conforme número de pontos acumulados, como mostra a Tabela.

Tabela 4: cortes do critério Brasil

Fonte: Abep Critério Brasil (ibid.).

Nesse sistema de pontos, baseado em posse de bens, a renda se torna um produto da pesquisa, uma vez agrupadas as famílias dentro do sistema de pontos e assim é possível chegar à sua renda média.

É importante, entretanto, observar as diferenças entre a renda média das classes definidas por diferentes critérios. A Tabela mostra dados de diferentes fontes, comparando os dados provenientes da Abep, critério usado pelo Ibope e pelas empresas para definição de classe média e dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal retirados do relatório para definição da classe média no Brasil. A Tabela mostra comparação entre a renda média de cada classe, segundo esses dois critérios.

Tabela 5: Renda familiar média mensal segundo diferentes critérios

Fonte: Tabela da autora, fonte dos dados SAE e O Observador.

coluna critério

alta classe alta 12998 baixa classe alta 4845 alta classe média 2813 média classe média 1925 baixa classe média 1540 vulnerável 1030 pobre 648 extretamente pobre 227 renda familiar média mensal DE 792 C 1450 AB 2907 A B SAE ABEP

A coluna A mostra a renda média familiar, segundo o relatório para definição da classe média da SAE, publicado em 2012, com valores expressos em reais de abril de 2012. A coluna B mostra a renda familiar média segundo o relatório O Observador 2012, do instituto Ipsos, que utiliza o critério Abep para definição de classe, com dados de 2011. Apesar das diferenças entre número de faixas – a SAE subdivide a população em mais grupos – e da diferença de período – dados de 2011 versus dados de abril de 2012, a diferença observada é grande.

Segundo os dados que usam o critério Abep, a renda da classe C é de R$ 1.450 mensais, menos que a renda da baixa classe média segundo a SAE. As classes A e B da Abep têm renda mensal de R$ 2.907, quase a metade da renda mensal da baixa classe alta da SAE. Dessa forma é possível observar que, em linhas gerais, a renda para cada grupo é menor que a renda apresentada pela SAE. Isso significa que o corte feito pela Abep na pirâmide social está “mais abaixo”, em relação à SAE: a classe C (ou média) começa e termina em um determinado nível de renda menor no critério Abep, ou seja, classe C da Abep é mais pobre que a classe média do Governo Federal.

Da mesma forma, as classes A e B (ou alta), segundo a Abep começa em uma faixa de renda menor, se comparado ao critério SAE. Logo, é possível concluir também que, se a Abep faz o corte na pirâmide de renda mais abaixo, a classe AB é maior em número de indivíduos no seu critério. Ou seja, nesse critério usado pelo Ibope e anunciantes, a classe C é mais pobre e as classes A e B, mais abrangente.

É importante esclarecer que, para a análise de comerciais, o critério utilizado para este trabalho será o Critério Brasil, vigente em 2013, da Abep pela razão simples de que esse é o critério usado pela televisão e seus anunciantes para veicular comerciais direcionados à classe C. Entretanto, para efeito de entendimento do fenômeno “classe C” como um todo, é importante levar em consideração também os demais critérios descritos acima e as análises decorrentes deles, pois não existe ainda um entendimento de qual é o critério final e o conhecimento que se constrói sobre esse fenômeno é recente e complementar, não permitindo o descarte de análises relevantes que utilizem um ou outro critério.