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CAPÍTULO 1 – UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O FENÔMENO

1.5. Classe C e o consumo

Um aspecto fundamental nessa análise é a questão do consumo. Segundo a publicação da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, “45 curiosidades sobre a nova classe média”, em 2009, a classe C foi responsável por 881 bilhões de reais dos gastos com consumo no país (BRASIL, s/d.b.).

Essa nova classe social cresce cerca de 4% ao ano. Mais da metade da população brasileira se enquadra nesta nova classe média de ex- pobres que estão a cada dia que passa melhorando de vida e agora vivendo na classe média C. As pessoas que formam essa nova classe média são aquelas que antes não tinham conta em banco e só consumiam o que realmente era necessário, mas que hoje compram o primeiro carro zero e constroem a sua casa própria. Isso está acontecendo por causa do aumento de emprego e também por causa dos reajustes nos salários que também contribuem para o crescimento dessa nova classe. (Ibid.)

O próprio governo lançou uma série de medidas, em setembro de 2011, para estimular o consumo, reduzindo o IPI dos móveis e da chamada linha branca de eletrodomésticos. O fogão teve o IPI reduzido de 4% para 0%, a geladeira de 15% para 5% e a máquina de lavar roupas semiautomática (tanquinho), de 10% para 0%. Essa medida, que inicialmente seria válida até 31 de março de 2012, foi prorrogada e teve validade até 31 de dezembro de 2012. Também foi reduzido o IOF sobre o financiamento ao consumo de 3% para 2,5%, facilitando o acesso ao crédito.

A temática do consumo é central na mídia quando noticia a classe C. O consumo parece ser o cerne do “subir na vida”, e sempre é trazido como exemplo quando se fala sobre o aumento da renda ou melhoria em padrão de vida na imprensa. Isso faz sentido ao analisar o consumo como significado de melhoria de vida à luz de autores contemporâneos como Bauman e Campbell. Bauman faz uma crítica à sociedade contemporânea que tem o consumo como verdadeiro propósito de existência.

Na sociedade do consumo, as pessoas viram mercadorias, e as mercadorias, pessoas. O consumismo chega quando o consumo assume o papel-chave na sociedade de produtores que antes era exercido pelo trabalho, tornando-se o centro e a mola propulsora da sociedade (BAUMAN, 2007). Campbell também discute o

tema da centralidade do consumo na sociedade e vai além. Para ele, o consumo se transformou em indicativo de sucesso e felicidade.

Isso significa não só que a sociedade está estruturada ao redor da venda e promoção de bens e não ao redor da produção desses bens; mas também que os membros dessa sociedade tratam alto nível de consumo como um indicativo de sucesso social e felicidade pessoal e por isso escolhem consumir como o objetivo diário de suas vidas. (CAMPBELL, 2005, p. 99)

Alguns dados encontrados em matérias de jornais e revistas, publicações da SAE e também nos resultados na PNAD são importantes, pois ilustram como a temática do consumo faz parte desse processo chamado de melhoria de vida.

Neri analisa dados de consumo da PNAD através da presença de alguns itens dentro dos lares brasileiros. O computador com internet, por exemplo, que, em 2001, era exclusividade de 8% dos domicílios, na PNAD de 2009 já aparece em mais de 28% dos lares do país, como ilustra o Gráfico 15.

Gráfico 15: Presença de computador com internet

Fonte: Neri (2010b, p. 60), a partir dos dados PNAD/IBGE

A máquina de lavar roupa foi outro item que aumentou sua presença em lares, de 23% para mais de 44%, de acordo com o Gráfico 16.

Gráfico 16: Presença de máquina de lavar

Fonte: Neri (ibid.), a partir dos dados PNAD/IBGE.

O Ibope Mídia, em parceria com Target Group Index, disponibiliza dados interessantes sobre a evolução do consumo por classe. O gráfico abaixa compara a presença de diferentes itens nos lares em 2005 e em 2009. É possível observar que tanto as classes A e B quanto a C adquirem DVDs, computadores e fornos de micro- ondas, sendo o DVD o item que mais cresceu na classe C. Telefone celular é um item que avança tanto na classe C quanto na DE.

Gráfico 17: Presença de diferentes bens de consumo, por classe, em 2005 e 2009

A imprensa caracteriza esse aumento do consumo de itens que não são básicos na cesta como qualificação do consumo. Essa chamada qualificação do consumo também se reflete nas marcas preferidas desse grupo. Entre essas marcas são encontradas empresas e produtos líderes de mercado, que muitas vezes são mais caros que seus concorrentes de marcas menos conhecidas.

Entre os homens, a marca preferida é a Adidas (5,8%), seguida da Nike (5,1%) e da Samsung (4,9%). Para as mulheres, a Nestlé repete a liderança (6,3%), em segundo lugar está O Boticário (4,2%) e em terceiro, a Hering (3,1%). Em relação às faixas etárias, os “maduros” preferem também a Nestlé (4,9%), depois a Sony (4,2%) e a Samsung (3,8%). Já entre os jovens, a “marca do coração” é a Nike (4,2%), seguida da Samsung (3,6%) e da Apple (3,2%). (STECANELLA, 2012)

Na mesma matéria, Renato Meirelles critica esses índices de preferência de marca. Segundo ele, os números são muito baixos, pois nenhuma dessas marcas conseguiu corresponder ao crescimento da classe C. Segundo o Datapopular, em matéria do Estado de Minas, é preciso entender os hábitos da classe DE que ascenderam à classe C para conquistar essa fatia do mercado.

Xirley, cantora de periferia, coloca seus CDs para vender em um camelô e vira popstar – com direito a neon na Imagem de Nossa Senhora Aparecida que ela mantém em cima do criado-mudo. A reluzente Nossa Senhora Aparecida no criado-mudo de Xirley é a metáfora de hábitos que vêm da base da antiga pirâmide e dão o tom desse novo consumo. “Muitas vezes há bolso de C, mas hábitos de D/E, algo que, quanto mais cedo as empresas perceberem, melhor encontrarão formas de ganhar dinheiro com esse mercado, sem preconceitos”, diz Wagner Sarnelli, diretor do Instituto Data Popular. (BOTTREL, 2012)

Um caso clássico, porém, na análise do consumo popular, é a Casas Bahia. Luciana Aguiar analisa, em matéria da revista Consumidor Moderno, em 2009, que “muito antes das empresas descobrirem o potencial da classe C, as Casas Bahia já conheciam o DNA desse público e desenvolveram uma estratégia alinhada com seus valores e sonhos, cujo slogan afirmava Aqui você pode” (AGUIAR, 2009, p. 114).

Uma série de fatores contribui para essa relevância da rede varejista para esse público, tais como a localização das lojas na periferia, e a oferta de

financiamento com prestações acessíveis, embora o valor total do produto não seja mais barato. A Casas Bahia foi pioneira em oferecer esse tipo de financiamento que tornasse possível a compra de itens antes inacessíveis. Meirelles completa essa análise com a questão do sentido de pertencimento, “enquanto a classe A busca exclusividade, a classe C compra para fazer parte, se sentir incluída” (apud BALSEMÃO e BARMANT, 2012).

A estabilidade dos preços combinada com o aumento da renda média teve um efeito, sobretudo, nos gastos da classe C. Encontrando juros mais baixos no mercado, essa faixa de consumidores passou a gastar mais e teve acesso, principalmente através de financiamento e crédito disponível, a uma nova perspectiva de consumo.

A classe C que ascendeu da base da pirâmide passa a fazer parte, então, do universo do consumo. Com ela, emergem seus hábitos, gosto e estilo de vida. Essa grande massa consumidora que se forma no Brasil sempre existiu como um grupo de indivíduos que se expressa e se manifesta culturalmente de forma criativa e rica na música, estética, arte. Um grupo que tem agora acesso ao mundo do consumo e do entretenimento, acesso permitido pelo aumento da renda, aumento do crédito, e da disponibilidade de informação.

Certamente seus valores do cotidiano, seus sistemas simbólicos, padrões culturais há muito tempo expressos através de arte, música e linguagem, somados aos seus medos, anseios e busca por identidade, passam a expressar-se também através do consumo. O pensamento crítico de Canclini nos ajuda a refletir sobre o papel do consumo nessa nova configuração socioeconômica da sociedade brasileira:

Comprar objetos, pendurá-los ou distribuí-los pela casa, assinalar- lhes um lugar em uma ordem, atribuir-lhes funções na comunicação com os outros, são os recursos para se pensar o próprio corpo, a instável ordem social e as interações incertas com os demais. (GARCIA-CANCLINI, 1997, pp. 51-70)