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Consumo: berço do nascimento da publicidade

CAPÍTULO 2 – PUBLICIDADE: A INTERSEÇÃO ENTRE TELEVISÃO E

2.1. Consumo: berço do nascimento da publicidade

Definir consumo não é uma tarefa fácil, afinal é difícil superar o já aceito conceito de que consumo é exclusivamente uma atividade econômica. “Consumo pode ser definido como a seleção, compra, uso, manutenção e descarte de qualquer produto ou serviço” (CAMPBELL, 2005).

Mas seria realmente só isso? Definições utilitaristas vêm sendo criticadas pelos cientistas sociais nos últimos anos, numa tentativa de encontrar as verdadeiras razões do consumo.

Slater é um sociólogo inglês que se contrapõe à teoria utilitarista8 e que defende que o consumo é sempre cultural e os significados envolvidos são necessariamente significados partilhados. As preferências individuais são, elas mesmas, formadas no interior de culturas. “A cultura não influencia o consumo, nem dá formas específicas a uma necessidade básica, mas sim a cultura constitui as necessidades, os objetos e as práticas de que se compõe o consumo” (SLATER, 2002, p. 132).

Campbell também critica o utilitarismo na medida em que ele

8 Utilitarismo ou explicação utilitarista clássica para o consumo, no qual este nada mais é do que o meio para satisfação das necessidades. O consumidor nesse caso busca a maximização da satisfação da sua necessidade ao menor custo possível. Os primeiros filósofos e economistas explicavam dessa forma o fenômeno do consumo que surgia no início da sociedade capitalista. Ainda hoje a maximização da utilidade é estudada na microeconomia.

não oferece perspectiva para origem das necessidades ou dos gostos. Embora ofereça prognósticos do grau de interesse que o consumidor tem por um produto, não oferece explicação para as diferenças preferenciais que um consumidor pode ter para satisfação das necessidades. Portanto sob essa ótica todas as necessidades tem a mesma urgência. (CAMPBELL, 2001, p. 63)

Esse autor busca no “instinto que visa aquietar carências biológicas” um dos componentes do pensamento sobre a origem das necessidades do consumidor. Tendo como fato que o instinto de suprir carências biológicas acompanha o ser humano desde o primeiro dia de sua existência, pode-se dizer que o consumo, de certa forma, sempre existiu. O alimento que mata a fome e o abrigo que protege do frio são providos pela natureza que é consumida com o objetivo da manutenção da existência. Já nessa explicação simplista do consumo da sobrevivência, emerge a questão cultural como ponto central.

No entanto o problema central desses argumentos em favor das necessidades básicas é seu pressuposto de que podemos identificar as necessidades básicas, como a fome, independente das formas culturais que assumem (...). Vivenciamos todas as nossas necessidades (inclusive as físicas) no interior de uma cultura. (SLATER, 2002, p. 133)

Entretanto, essa sociedade que era preocupada somente com as necessidades biológicas não se estruturava ao redor do consumo, e o consumo não constituía o principal motor de seu funcionamento e sua economia. A questão que permanece aqui é quando teve inicio o consumo como conhecemos hoje.

A Revolução Industrial é sem dúvida uma das origens do consumo, ou ainda um pré-requisito, sem ela o consumo em larga escala não seria possível. Segundo Campbell, a Revolução Industrial se firmou na venda de artigos da vida diária para o mercado interno, para a parcela da sociedade que não era nem muito pobre, nem muito rica. Isso possibilitou o ganho de escala em número de artigos vendidos. “Em outras palavras, um mercado de renda mediana, uma burguesia nascente composta por comerciantes, artesãos, agricultores com mais recursos, engenheiros e funcionários públicos” (ibid., p. 41). O ganho de escala e novos meios de produção passam a ser então a centralidade da sociedade na época, que ganhava capacidade de produzir e vender artigos em grande escala, para uma população que apenas aprendia a consumir.

Ortiz (1991) analisa esse fenômeno na história europeia para compreender a origem do consumo. O autor busca no luxo e, em seguida, em sua expansão, através da Revolução Industrial e produção em massa de objetos, o surgimento do consumo no sentido moderno do termo. Segundo ele, na sociedade medieval, as procissões e rituais dos cavaleiros estampavam o luxo. A emergência do poder monárquico, entretanto, e o ganho de poder dos príncipes e reis em detrimento dos cavaleiros, além da erosão do monopólio da Igreja Católica na Europa, fazem com que esse luxo impessoal se individualize e se torne privado, inicialmente exclusivo da nobreza, e em seguida da burguesia (ibid., p. 121).

Essa privatização do luxo começa a se manifestar em vários âmbitos da vida doméstica, como móveis, decorações, a maneira de por a comida sobre a mesa e de se sentar à mesa. Todas essas mudanças implicam num processo de refinamento do gosto do qual deriva o conceito de civilidade que emerge na sociedade da época. “Os novos hábitos como: se portar à mesa, caminhar, se vestir, não decorrem de uma mera vontade pessoal, o conceito de civilização rege a multiplicidade das ações do mundo aristocrático” (ibid., p. 122).

Ao longo do século XIX, houve um aumento no consumo de vários gêneros alimentícios; vinho, batata, carne, etc. Produtos como chocolates, açúcar, banana e chá passaram a ser correntes. Isso foi proporcionado não só pelo aumento da produção, como também da capacidade de transporte, crescimento de redes ferroviárias e distribuição, além de profundas mudanças no varejo comerciante. A família francesa adquiriu o hábito de se abastecer nesses comerciantes.

O surgimento dos Grand Magazin, na França do século XIX, fundou um novo modelo cujos volumes de negócios eram infinitamente maiores, o número de itens negociados se multiplicou e a experiência da compra se modificou, tornando-se mais autônoma, sem balcões. As vitrines se embelezaram e os templos do consumo9

surgiram grandiosos em Paris.

Os Grand Magazin passaram a comercializar todo tipo de mercadoria, inclusive aqueles “luxos” que proporcionam conforto à vida cotidiana. Ortiz discute, então, a diferenciação entre luxos. Surge a questão da utilidade ou inutilidade do luxo. Instaura-se o debate entre necessidades legítimas e fictícias. Sendo o luxo útil e sua história contada a partir da noção de conforto, seja ele privado, através do

consumo, ou público, com os novos serviços de saneamento oferecidos pelos municípios.

Sendo o “luxo” parte da essência da origem do consumo, é fundamental entender como caminhou esse conceito até os dias de hoje. Campbell apresenta uma perspectiva distinta e mais contemporânea de “luxo”, no qual este pode ter dois significados. Primeiro refere-se ao consumo supérfluo, desejado, indo além da carência, “o luxo é qualquer despesa maior que o necessário” (CAMPBELL, 2001, p. 88). Já o segundo remete a uma experiência sensorial e agradável: desfrutar a dimensão agradável de uma experiência. A partir dessa perspectiva, o luxo é tudo aquilo que proporciona prazer, uma experiência agradável, um estímulo, o inicio da compreensão da função do hedonismo para o consumo.

De acordo com Campbell, o hedonismo moderno, diferentemente do tradicional, baseia-se não nas sensações causadas por estímulos externos, mas sim na maximização emocional de uma experiência. Dessa forma as emoções podem ser criadas dentro de um individuo a partir de pouco ou nenhum estímulo externo, através de devaneios ou ilusões. “É esta forma altamente racionalizada de hedonismo autoilusivo que caracteriza a moderna procura do prazer” (ibid., p. 112). Ele é autocontrolado e permite a cada individuo provocar estímulos na ausência de qualquer fator externo. Nesse sentido, é o próprio devaneio, a expectativa de um futuro prazeroso que nunca chega. Essa expectativa é chamada, por Campbell, de anseio. É a expectativa do prazer que detona o desejo de realizá-lo, mas, ao realizá- lo, provoca uma frustração, pois o prazer está justamente na expectativa.

A consumação do desejo é portanto uma experiência necessariamente desencantadora, uma vez que põe o devaneio à prova quando encontra a realidade. (...) É mais provável portanto que o sonho seja levado adiante e ligado a um novo objeto de desejo de tal modo que os prazeres ilusórios possam, uma vez mais, serem re- experimentados. (CAMPBELL, 2001, p. 126)

Dessa forma, dá-se o ciclo de consumo que parece infinito, que mostra consumidores eternamente insatisfeitos. Cada novo produto é visto como se oferecesse a possibilidade de concretizar essa ambição. Porém cada compra leva à desilusão. O anseio fundamental permanece.

O discernimento essencial que se exige é a compreensão que os indivíduos não procuram tanta satisfação dos produtos quanto do prazer das experiências autoilusivas que constroem com suas significações associadas. A atividade fundamental do consumo, portanto, não é a verdadeira seleção, compra ou uso dos produtos, mas a procura do prazer imaginativo a que a imagem do produto se empresta sendo o consumo verdadeiro, em grande parte, resultante desse hedonismo “mentalistico”. Encarada dessa maneira, a ênfase tanto na novidade quanto na insaciabilidade se torna compreensível. (CAMPBELL, 2005, p. 130)

Assim, Campbell conclui que o espírito do consumismo moderno é tudo menos materialista. Nesse sentido, o autor conclui também que as imagens dos produtos são mais importantes que os próprios produtos, pois são elas que fazem parte do hedonismo imaginativo, do devaneio prazeroso de um dia possuir. A imagem é consumida antes do próprio produto.

Baudrillard é o primeiro autor que entende o consumo além da mercadoria em si, atribuindo a ela um significado não material. Ele argumenta que o consumo é um fenômeno onde os signos relacionados aos bens são consumidos, portanto a mercadoria não é valorizada pelo seu uso ou seu atributo físico, material, mas sim pelo significado que ela carrega, determinado pela sua posição em um sistema de significados autorreferenciados. Para o autor, na sociedade de consumo, cuja centralidade é a manipulação ativa de signos, a infinita reprodução de imagens e signos apagou toda a distinção entre o real e a imagem.

Não se trata pois dos objetos definidos segundo sua função, ou segundo as classes em que se poderia subdividi-los para comodidade de análise, mas dos processos pelos quais as pessoas entram em relação com eles e da sistemática das condutas e das relações humanas que disso resulta. (BAUDRILLARD, 2006, p. 11)

Sendo assim, a mercadoria se transforma em signo, e o consumo é a atividade de manipulação sistemática de signos cuja lógica reside na ambiguidade onde o sistema de signos é um código criado pela sociedade capitalista e, ao mesmo tempo, manipulado pelos indivíduos ao consumir.

O consumo como manipulação ativa de signos se torna central na sociedade contemporânea, onde o signo e a mercadoria se juntam para produzir a mercadoria signo. “A autonomia do significante, mediante a manipulação dos signos na mídia e na publicidade, por exemplo, significa que os signos podem ficar independentes dos

objetos e estar disponíveis para uso numa multiplicidade de relações associativas” (FEATHERSTONE, 1995, p. 33).

Dessa forma, Baudrillard apresenta o conceito de sociedade de consumo (BAUDRILLARD, 1981). Uma sociedade que está estruturada ao redor da venda e promoção de bens e não ao redor da produção desses bens, mas também que seus membros tratam alto nível de consumo como um indicativo de sucesso social e felicidade pessoal e por isso escolhem consumir como o objetivo diário de suas vidas.

Nos anos recentes, Bauman aprofunda a crítica a essa sociedade que se estrutura ao redor do consumo, tendo este como sua força motriz, sua economia e dos indivíduos que a compõem.

Os encontros dos potenciais consumidores com os potenciais objetos de consumo tendem a se tornar as principais unidades na rede peculiar de interações humanas conhecida, de maneira abreviada, como “sociedade de consumidores”. Ou melhor, o ambiente existencial que se tornou conhecido como “sociedade de consumidores” se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e à semelhança, das relações entre os consumidores e os objetos de consumo. (BAUMAN, 2007, p. 19)

Segundo o autor, numa sociedade de consumidores, consumir parece, portanto, ser o investimento e “vendabilidade” de si próprio para obter qualidades para as quais já existe uma demanda no mercado. O indivíduo é o produto, ao mesmo tempo que a mercadoria ganha personalidade. Bauman diz ainda que o consumismo “é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontade, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes, e assim dizer ‘neutros quanto ao regime’, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade” (ibid., p. 99).

O consumo se tornou, portanto, não só o cerne e centro da sociedade contemporânea, como também a razão de viver dos indivíduos e objetivo de suas vidas.