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Ponto e contraponto: um diálogo entre autores contemporâneos

CAPÍTULO 1 – UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O FENÔMENO

1.7. Ponto e contraponto: um diálogo entre autores contemporâneos

Há quem diga que a nova classe média não é nova nem é classe nem é média.

Os indicadores econômicos que apontam para uma melhoria de vida são inegáveis. Neri, em A nova classe média: o lado brilhante dos pobres, leva-nos pela jornada dos indicadores econômicos de crescimento do PIB, do emprego e da renda, crescimento do salário mínimo e consequentemente do aumento da renda média proveniente do trabalho. A renda dos mais pobres cresce de forma mais acelerada que a renda dos mais ricos. Esse fato também é destacado no caderno Vozes da Classe média, da SAE. Tudo isso faz com que a renda aumente e o número de pessoas desse estrato médio da sociedade aumente, estatisticamente falando. Esse estrato médio, segundo Neri, representa 50,5% da população e detém 46% do poder de compra do país (2010b, p. 86).

Com esses dados em mãos, a chamada classe C parece ser um grupo de grande relevância tanto para governo, do ponto de vista eleitoral, quanto para empresas, do ponto de vista do consumo. E não há como negar que esse grupo de fato exista e sua renda média tenha aumentado, bem como seu consumo. Em entrevista à Folha de São Paulo, Neri fala sobre o padrão adquirido da classe C e a redução da desigualdade.

A nova classe média constrói seu futuro em bases sólidas que sustentem o novo padrão adquirido. Isso é o que chamamos de lado brilhante dos pobres. (...) A nova classe média nasce a partir da recuperação de atrasos tupiniquins. Ela é filha da volta do crescimento com a redução da desigualdade. (2012, p. 86)

O que é discutível, no entanto, é o argumento de que esse fenômeno representa a ascensão de uma nova classe média. Autores brasileiros contemporâneos como Jessé de Sousa e Marcio Pochmann fazem o contraponto. Pochmann (2012, p. 8) começa seu livro Nova Classe Média: o Trabalho na Base da Pirâmide Social Brasileira dizendo que não se trata da emergência de uma nova classe média, e muito menos de uma classe média, mas sim que “o que há, de fato, é uma orientação alienante sem fim, orquestrada para o sequestro do debate sobre a natureza e a dinâmica das mudanças econômicas e sociais” (ibid.).

Seu argumento é de que existe sim um aumento nos postos de trabalho oferecidos e, apesar da baixa escolaridade, o grupo que antes estava numa condição de pobreza passa por um processo de ascensão social inegável, “embora ainda distante de qualquer configuração que não a da classe trabalhadora” (ibid., p. 10). Segundo o mesmo autor, existem características nesse grupo que não se encaixam em critérios objetivos do que é identificado como classe média, seja pela renda, pelo tipo de ocupação ou perfil pessoal. Essas características se assemelham àquelas das “classes populares” 7 que, uma vez que não poupam, gastam tudo o que

ganham e, ao aumentar a renda, aumentam imediatamente o padrão de consumo. Souza, em entrevista para a Folha, também discorda que esse grupo deva ser chamado de classe média. Ele argumenta que já existe uma classe média estabelecida, detentora do capital cultural.

A classe média estabelecida é uma classe dominante porque se forma pela apropriação privilegiada de capital cultural, seja técnico e especializado, seja literário e especulativo, o qual é indispensável para o funcionamento do mercado e do Estado. Ainda que não exista acesso privilegiado a volume significativo de capital econômico, como nas classes altas, o acesso a este conhecimento altamente valorizado socialmente cria toda uma “condução da vida” em todas as dimensões que permite, quase sempre, manter o privilégio para as gerações seguintes. (SOUZA, 2011)

Souza é autor de dois livros usados neste trabalho: Ralé Brasileira (2009) e Os Batalhadores Brasileiros (2012), trazendo um ponto de vista sobre as classes sociais brasileiras de forma “não economicista e quantitativa”. Segundo ele, tanto estudos baseados em renda e consumo quanto as descrições marxistas, fundadas

em uma única dimensão da realidade, oferecem um ponto de partida, porém não uma leitura sociocultural da realidade.

Para que possamos explicar e compreender uma realidade social complexa é necessário penetrar na dimensão mais recôndita das motivações profundas do comportamento social e nos dramas, sonhos, angústias e sofrimentos humanos que elas implicam. (Ibid.)

Tanto Souza quanto Pochmann aprofundam suas análises na questão do trabalho. Pochmann, através de um olhar de economista, e Souza, de um olhar sociológico com pitadas de influência bourdiana.

Segundo Pochmann, a expansão do setor de serviços foi o principal fator que levou ao fortalecimento do mercado de trabalho. O setor de serviços detém 90% das novas ocupações com remuneração de até 1,5 salário mínimo. Esse fato somado às políticas públicas de transferência de renda e aumento acelerado do valor real do salário mínimo significou o “fortalecimento das classes populares assentadas no trabalho” (POCHMANN, 2012, p. 10).

Souza dialoga com Pochmann nesse argumento. Segundo Souza, esse grupo que ascendeu na pirâmide social através da renda e do trabalho se sustenta sobre uma espécie de ethos do trabalho, foi o trabalho que trouxe o aumento da renda e do consumo; seu próprio trabalho, com seus próprios braços, sua batalha, a batalha do feirante, da empregada doméstica, do microcrédito; batalha que é motivo de orgulho e dignidade. Logo, esse grupo é mais adequadamente chamado de “nova classe trabalhadora” ou simplesmente de “batalhadores” (SOUZA, 2012).

Para os batalhadores, o trabalho árduo e esforço individual são protagonistas na trajetória que os levou pelo caminho da luta a uma “vida melhor”. Por esse motivo se torna tão importante à narrativa de vida de cada indivíduo. A religião é, na análise de Souza, a estrutura que ajuda a consolidar essa nova classe trabalhadora. Uma das possíveis razões estaria na doutrina das religiões neopentecostais, que se expandiram nas últimas décadas, onde a salvação divina se dá pelo trabalho realizado na Terra.

A discussão sobre nova classe média, sobre nomenclaturas, origens, questões políticas e, ainda, sobre veracidade ou ilusão da melhoria de vida dessa população, é complexa e tem muitas facetas. Porém, não é possível negar que, de fato, houve um aumento da renda média e redução da desigualdade nas últimas

décadas. O dado novo que Pochmann traz e que ilumina essa discussão para um prazo mais longo é a renda média e o índice de Gini desde 1960. Nessa curva, fica clara a melhoria que as últimas décadas apresentam.

Entretanto, também fica claro que o Brasil apenas se recuperou de décadas de aumento da desigualdade, período que se iniciou em 1964 e foi até 2001, quando a curva do índice de Gini de fato começou a cair e chegar novamente aos patamares da década de 1960, e a renda média voltou a crescer após décadas de estagnação, conforme apresenta o Gráfico 23.

Gráfico 23: Evolução dos índices de renda per capita nacional e do grau de desigualdade de renda pessoal (Gini) (1960=100)

Fonte: POCHMANN (2012, p. 17).

Por fim, é importante encerrar com a crítica de Pochmann em entrevista para a revista Caros Amigos. A melhoria de renda e consequentemente de vida das camadas sociais menos favorecidas foi sem dúvida um fato de extrema relevância para o país nas últimas décadas. Mas para onde vamos agora?

A inteligência da política pública desde o início do governo Lula foi de viabilizar maior renda para esses segmentos da base da pirâmide social para ampliar o consumo, e ao ampliar o consumo nós fomos gradualmente ocupando a capacidade ociosa das empresas sem a necessidade de grandes investimentos. Agora estamos em condições mais difíceis para viabilizar essa perspectiva porque já há certa saturação da capacidade ociosa, e o grande desafio colocado é o do investimento, da ampliação da capacidade produtiva para atender as possibilidades de incorporação de novos segmentos. (POCHMANN, 2013)

CAPÍTULO 2 – PUBLICIDADE: A INTERSEÇÃO ENTRE TELEVISÃO