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3. Definindo categorias analíticas da interação entre pnae e agricultura familiar

3.2. A categoria Aspectos político-institucionais

O Quando 3 apresenta que a subcategoria Atores sociais aparece com maior difusão de códigos concentrando a maior frequência, com repetição consideravelmente superior aos demais. Os artigos analisados realçam, principalmente, o código Parcerias, pontuando a participação dos agricultores em colegiados na concepção conjunta de propostas para o desenvolvimento de ações em nível municipal e territorial (BEZERRA, et al., 2013), e, das associações representativas dos agricultores (FRANZONI, SILVA; 2016), incluindo sindicato rural local e respectiva federação (MEDEIROS et al., 2016). Aparecem, ainda, além de sindicatos e federação de trabalhadores rurais, as organizações de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e entidades de pesquisa (SILVA; DIAS; AMORIM JÚNIOR, 2015).

Outros códigos evidenciam o papel de diferentes atores sociais na execução do PNAE, a exemplo do Papel das prefeituras, especificamente no que se refere à socialização de

30 informações aos agricultores familiares relativas a chamadas públicas (MOURA, 2014). É igualmente apontado o Papel dos nutricionistas na elaboração de cardápios (SOARES et al., 2014), que aparece em destaque com a segunda maior frequência na subcategoria, e, o Papel dos gestores municipais, no que se refere à decisão política de comprar da agricultura familiar (BEZERRA et at., 2013). Destacam-se também as organizações que participam diretamente da execução do PNAE, como as Entidades Executoras, responsáveis pela implantação em suas respectivas jurisdições e as Unidades Executoras, representativas da comunidade escolar, responsável pelo recebimento dos recursos financeiros transferidos pela entidade executora (LOPES, BASSO; HÜBNER, 2018). Além do segmento das instituições governamentais, Wagner, Gehlen e Schult (2016) assinalam o Papel das organizações não-governamentais, evidenciando como elas ampliaram possibilidades de apoio aos agricultores familiares.

Outros códigos da subcategoria Atores sociais aparecem associados a Coalizões de advocacia durante o processo de promulgação da Lei nº 11.947/2009. A institucionalização da compra de alimentos da agricultura familiar no PNAE é citada por Hawkes et al. (2016) como resultante de três naturezas de coalizões:

a) entre governo e organizações da sociedade civil, envolvendo o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e ministérios e agências como Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e FNDE. Na representação da sociedade, neste conjunto de coalizações, encontram-se organizações formalmente constituídas;

b) entre governo, políticos e movimentos sociais, como a Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional (FPSAN), o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Senador Francisco Dornelles, movimentos sociais defensores da segurança alimentar, como o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança e Alimentar (FBSSAN), a Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (ABRANDH). Neste conjunto, a sociedade civil esteve representada por movimentos sociais, com propósitos de mobilização política e participação aberta;

c) entre representações da agricultura familiar, conforme registram Hawkes et al. (2016), com coalização formada por grupos defensores da agricultura familiar, com destaque para a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

31 Tais coalizões revelam o amplo leque de articulações e convergências de interesses entre diferentes segmentos em torno do fortalecimento da agricultura familiar. É válido presumir que essas coalizações não surgiram, necessariamente, no final da primeira década dos anos 2000, em torno do interesse pelo estabelecimento de instrumento legal de compras governamentais da agricultura familiar no âmbito do PNAE. Nesse sentido, é oportuno destacar que conquista anterior de compras governamentais da agricultura familiar ocorreu por meio da Lei n. 10.696 de 2 de julho de 2003, cujo Art. 19 instituiu o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) com a finalidade de estimular a agricultura familiar mediante ações vinculadas à formação de estoques estratégicos e à distribuição de alimentos para pessoas em situação de insegurança alimentar.

Na subcategoria Mercado institucional, o código Chamadas públicas foi o de maior frequência. A chamada pública é o instrumento que substitui o processo convencional de licitação (pela Lei no 8666/93), de caráter estritamente concorrencial. As chamadas públicas podem ser elaboradas de forma a contemplar vocações locais de produção e alimentação e características da agricultura familiar, tornando possível aquisições por itens, e não por lotes, e a observância a disponibilidades sazonais (SILVA; DIAS; AMORIM JÚNIOR, 2015). Além disso, as chamadas públicas garantem preço justo (SILVA; ROCKETT; COELHO-DE- SOUZA, 2018) e abrem oportunidades para grupos formais e informais e para a comercialização diferenciada, em termos de preço, de produtos de origem orgânica e agroecológica (TRICHES; BARBOSA; SILVESTRI, 2016).

O código Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) também apareceu com frequência significativa nesta categoria Aspectos político-institucionais com estudos abordando o PNAE, por um lado, como estratégia que insere o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) na alimentação escolar (MARQUES et al. 2014) e, por outro, como requisito de SAN, não só diretamente, mediante a oferta de alimentos de qualidade, mas, também, indiretamente, pelo incentivo à agricultura familiar como segmento promotor de desenvolvimento regional sustentável e de soberania alimentar (SANTOS et al., 2014).

O PNAE, em compras da agricultura familiar, garante Cadeia agroalimentar curta, considerado por Franzoni e Silva (2016) como uma nova dinâmica de mercado, em que critérios de qualidade dos alimentos são socialmente compartilhados, havendo maior aproximação entre produtores e consumidores, que passam a ter interação direta, trazendo benefícios para ambos e para a sociedade como um todo. O PNAE assume, assim, função no funcionamento do Estado, quando adquire produtos originários da agricultura familiar,

32 promovendo mudança de paradigma por meio de Compras institucionais (CONSTANTY; ZONIN, 2016) e possibilitando a democratização na distribuição de recursos públicos (WAGNER; GEHLEN; SCHULT, 2016).

A subcategoria Políticas públicas está relacionada à forma como os artigos inter- relacionam o PNAE com outras políticas públicas que atendem à agricultura familiar diretamente, a exemplo do PAA e do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Foram analisados o PAA e o PNAE por Oliveira, Batalha e Pettan (2017) junto a agricultores familiares com ênfase em mercados institucionais e crédito rural. O PRONAF foi pautado como marco de entrada da agricultura familiar na agenda e formulação de políticas públicas brasileiras (SARAIVA et al., 2014; HAWKES et al., 2016).

Também analisando conjuntamente políticas públicas para a agricultura familiar, em um modelo de regressão linear com dados em painel, Santos, Souza e Resende (2019) verificaram os impactos econômicos das aquisições da agricultura familiar e constataram que os coeficientes das variáveis referentes aos recursos do PNAE e do PAA apresentaram impactos econômicos positivos manifestados no Produto Interno Bruto (PIB) e nos PIBs setoriais (agropecuária, indústria e serviços), o que mostra que tais políticas públicas podem gerar impactos econômicos não apenas no setor agropecuário, assim como também em outros setores, gerando dinamismo para as economias locais.

Esta subcategoria está relacionada também à políticas públicas que atendem à agricultura familiar indiretamente, como no caso do Programa Territórios da Cidadania (PTC), cuja ênfase foi dada a territórios com precários indicadores de desenvolvimento e elevada presença de agricultores familiares em situação de vulnerabilidade. Moura (2014) analisou o ambiente político e o tecido social que sustentaram o PNAE em um Território da Cidadania (Mato Grande/RN), apontando como interlocuções entre agricultores familiares e poder público se mostraram desafiadoras notadamente em virtude da fragilidade da estrutura sociopolítica da agricultura familiar.

A subcategoria Processos aglutina atributos político-administrativos de implementação e avaliação do PNAE. Foi possível encontrar essas duas dimensões em várias partes dos artigos, a exemplo de Silva e Sousa (2013), que analisaram a demanda e a oferta de alimentos orgânicos para a alimentação escolar em Santa Catarina, não com o objetivo de avaliação, todavia, encontrando nos resultados medidas de desempenho do PNAE. Outras pesquisas tiveram a avaliação do PNAE como objetivo central. Santos et al. (2014) avaliaram a inserção de alimentos orgânicos da agricultura familiar na alimentação escolar, Soares et al. (2015)

33 avaliaram o cumprimento das recomendações do PNAE para a aquisição de produtos agrícolas familiares, Baccarin et al. (2017) abordaram eficiência, eficácia e efetividade nas compras da agricultura familiar e Oliveira, Batalha e Pettan (2017) compararam os impactos socioeconômicos gerados para a agricultura familiar pelo PAA e PNAE. Santos, Souza e Resende (2019) avaliaram os impactos econômicos das aquisições da agricultura familiar no PIB e nos PIBs setoriais.

Bezerra et al. (2013), Triches e Kilian (2016) e Medeiros et al. (2016) estudaram a implementação do PNAE junto a vários segmentos sociais interessados enquanto Rocha et al. (2018) focaram exclusivamente escolas públicas. A análise dos códigos desta subcategoria revela que enquanto os fatores alinhados à avaliação estão associados ao desempenho no atendimento à Lei nº 11.947/2009, os fatores de implementação se relacionam ao papel dos diferentes atores sociais na efetivação da Lei, destacando que o plano local interfere no atendimento do valor mínimo de compra de 30% de alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar.

Os códigos gerados na subcategoria Controle social destacam o papel dos conselhos na elaboração e execução da política pública. Hawkes et al. (2016) destacam o papel do CONSEA na elaboração da Lei nº 11.947/2009 mediante interlocução entre governo e sociedade civil. O PNAE constitui-se espaço por meio do qual podem ser estabelecidas trocas de experiências entre diferentes domínios (TRICHES; KILIAN, 2016) e exerce função facilitadora na aquisição de produtos da agricultura familiar (SILVA et al., 2018). Os Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), por sua vez, não estão atuando como foram concebidos (MOURA, 2014), ou seja, como mecanismo de participação e controle social.

A descentralização do PNAE ocorrida em 1994 foi componente relatado por Soares et al. (2015), com foco nos repasses financeiros do Governo Federal para os estados e municípios, atribuindo para estes reponsabilidades na elaboração dos cardápios e na aquisição de alimentos. Vários artigos abordam a adequação das chamadas públicas por prefeituras (TRICHES; BARBOSA; SILVESTRI, 2016) pautando-as como decorrência daquela medida de 1994 e pela via da atuação municipal na elaboração dos processos licitatórios e, posteriormente, de chamadas públicas para a compra de alimentos da agricultura familiar.

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Quadro 3 - Síntese da categoria Aspectos político-institucionais

Categoria Subcategorias Códigos gerados Frequência Artigos com presença dos códigos

Parcerias 22

1, 6, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 24, 25

Atores sociais

Papel dos nutricionistas 13 5, 6, 13, 14, 20, 28, 32

Aspectos político- institucionais

Papel das prefeituras 7 10,22, 27

Coalização de advocacia 5 20

Papel dos gestores 3 6, 10

Papel das organizações

não governamentais 3 13, 28, 29 Chamadas públicas 20 5, 11, 12, 14, 21, 22, 25, 26 Mercado institucional Segurança Alimentar e Nutricional 19 1,3, 6, 9, 11, 25, 26, 28, 29 Cadeias agroalimentares curtas 7 15 Compra institucional 6 14, 18 Políticas públicas Programa de Aquisição de Alimentos 17 5, 6, 9, 11, 14, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 32 Programa Territórios da Cidadania 5 6, 10 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar 5 5, 11, 20, 24, 32 Processos Avaliação 23 4, 12, 22, 24, 25, 26, 27, 31, 32 Implementação 24 5, 6, 11, 16, 17, 19, 22, 25, 26

Controle social Conselhos 24 1, 6, 10, 11, 16, 17, 19, 22, 25, 26

Descentralização 10 1, 10, 13, 14, 18, 21, 22, 28, 29 Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

É pertinente reforçar que as subcategorias e os códigos compilados na categoria Aspectos políticos e institucionais envolvem atributos que, de maneira geral, denunciam como a gestão das políticas públicas e, especificamente, do PNAE, requerem a participação da sociedade civil e a articulação entre diferentes atores sociais, com papéis e responsabilidades distintos na compra institucional da agricultura familiar, na avaliação, na implementação e no controle social. A questão, então, passa a ser: como está caracterizada a agricultura familiar nos artigos aqui pautados?