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2. Proposta teórica para a análise da implementação de políticas públicas: o modelo de Lima e

4.4. Síntese dos resultados: a matriz intracasos

O Quadro 5 resume a frequência dos códigos gerados em cada uma das três categorias, para cada uma das 10 unidades investigadas. As Tabelas 1, 2 e 3, já apresentadas com a frequência para as categorias plano, organização do aparato administrativo e atuação dos diretores das associações e cooperativas, respectivamente, subsidiaram a elaboração da matriz de análise intracasos.

A compreensão de causalidades apresenta-se frequentemente na análise intracaso (AIRES, 2015). Sendo assim, foi possível perceber, para cada caso, o comportamento do fenômeno estudado da implementação do PNAE por cooperativas e associações da agricultura familiar. O Quadro 5 foi elaborado de forma que os casos que apresentaram códigos com maior frequência em cada categoria foram marcados com “X”. Na primeira categoria, relacionada ao plano, para os dois territórios os códigos relacionados à caracterização das associações e cooperativas e às características do acesso ao PNAE apresentam frequência igual para todos, relacionada ao número de sócios, à forma de criação (bottom-up), ao número de escolas e produtos destinados à alimentação escolar. O código PAA foi citado em sete dos 10 casos, pelo acesso anterior ao PNAE. Essa categoria não apresenta elementos significativos de distinção entre os casos, sendo que, o acesso ao PAA, foi fator diferencial.

Com relação aos códigos da segunda categoria, relacionada à organização do aparato administrativo, no Território da Serra do Brigadeiro/MG as cooperativas se destacam pela propriedade de veículos, todavia, a COOPAF Muriaé assume posição privilegiada pelo maior número (caminhão, Kombi, carro de passeio e moto). Predomina a COOPAF Muriaé também nos códigos pessoal e capital, devido à existência de funcionários tanto administrativos quanto de assistência técnica, e, ainda, pelo elevado volume de recursos captado no PNAE.

No Território do Mato Grande/RN a ausência de transporte próprio é dificuldade que as organizações enfrentam, visto que o aluguel eleva o custo, afetando a margem de sobra. Apesar disso, a Associação de Pedregulho e a Associação de Boqueirão possuem vantagens competitivas pelos equipamentos agroindustriais de produção de bolos e polpa de frutas, respectivamente, assim como, pelas instalações. Na estrutura, a maioria do Território do Mato Grande/RN possui sede própria, enquanto no Território da Serra do Brigadeiro/MG, a sede das cooperativas é alugada ou funciona em espaço cedido pelo STR. A ênfase nas parceiras

140 nos dois territórios confirma a importância do trabalho desenvolvido em colaboração principalmente com as entidades de assistência técnica e extensão rural e até mesmo com outros atores, com menor presença nas falar, como Incra e MST.

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Quadro 5 – Matriz de análise intracasos

Categoria 1: O Plano Categoria 2: Organização do aparato administrativo Categoria 3: Atuação dos diretores Territórios rurais Casos/códigos Caracterização das associações e cooperativas Características do acesso ao PNAE PAA Veículos, máquinas e equipamentos

Pessoal Capital Parceiras Estrutura

Escolaridade e treinamento Papel/ atuação Trajetória Mato Grande/RN Associação de Pedregulho X X X X X X Associação de Riachão X X X X X X Associação de Rosário X X X X X X Associação de Boqueirão X X X X X X COOPABEV X X X X X X X X COOAFES X X X X X X Serra do Brigadeiro/ MG COOAFA X X X X X X COOPERDOM X X X X COOPAF Fervedouro X X X X COOPAF Muriaé X X X X X X X X

142 Quanto à terceira categoria, que diz respeito à atuação dos diretores, a trajetória não fornece elemento diferencial, pois, foi possível constatar o engajamento de todos os informantes com a agricultura familiar e com as organizações que representam. Com relação à escolaridade e treinamento e ao papel/atuação, os diretores das cooperativas COOPABEV e COOAFES do Território do Mato Grande/RN se destacam por possuir curso superior e pela atuação como lideranças empíricas nas cooperativas e, também, no âmbito territorial, como atores sociais mobilizadores e participantes. No Território da Serra do Brigadeiro/MG, a diretora da COOAFA sobressaiu na escolaridade pelo curso superior.

A matriz intracasos permitiu a comparação das três categorias temáticas, favorecendo a compreensão geral de como as categoriais influenciam na implementação. Os resultados apresentados nas três categorias temáticas revelam que, de maneira geral, surgiram 11 códigos, computando frequência total de 124 aparecimentos, distribuídos entre as categorias conforme síntese das Tabelas 1, 2 e 3 com a frequência total de 27, 62 e 35, respectivamente. Tais frequências revelam que a segunda categoria é a que mais revela diferenças, seguida da terceira e, com maior homogeneidade, a primeira.

Na segunda categoria, especialmente o acesso aos recursos foi fator chave de sucesso na implementação, sendo possível concluir que, no Território da Serra do Brigadeiro/MG, ocorre maior fluidez, diante da disponibilidade de recursos materiais, patrimoniais e pessoais. Os recursos financeiros não apresentam diferenças significativas, exceto na COOPAF Muriaé, pelo elevado volume de vendas para a alimentação escolar. Em se tratando da atuação dos diretores, terceira categoria, há diferenças na escolaridade e maior ênfase na dimensão ideológica na atuação no Território do Mato Grande/RN, especialmente pela identidade territorial dos dirigentes da COOPABEV e da COOAFES. Todavia, não há diferenças significativas na trajetória dos diretores nos dois territórios com todos vinculados à agricultura familiar e com ela identificados.

A primeira categoria apresentou menores frequências de códigos, mas, vale destacar as estruturas associativas de transição para o surgimento de cooperativas na Serra do Brigadeiro/MG, e, como o PNAE induziu a criação e o desenvolvimento das associações e cooperativas em ambos os territórios. Essas constatações adicionam importância a estudos desta natureza, considerando que o PNAE é política pública de alcance nacional, e, a obrigatoriedade da compra de alimentos da agricultura familiar, é determinada por lei. No entanto, o contexto no qual a política pública ocorre não está isento de singularidades territoriais, que explicam condições técnico-econômicas, e, por discricionaridades, impostas

143 por agentes políticos locais. Tais particularidades foram aqui reveladas por meio da análise do plano local, da atuação dos dirigentes de organizações da agricultura familiar, e, especialmente, pela influência da organização do aparato administrativo na implementação do PNAE.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação do modelo de Lima e D’ascenzi (2013) para analisar como o plano, a organização do aparato administrativo e a atuação de lideranças empíricas de associações e cooperativas da agricultura familiar influenciam na implementação do PNAE gerou um conjunto de aspectos por categorias temáticas que representa as particularidades da implementação da política pública nos territórios rurais do Mato Grande/RN e da Serra do Brigadeiro/MG.

O PNAE no plano local, no Território da Serra do Brigadeiro/MG, é atendido somente por cooperativas, com origens em associações, mas, que avançaram na institucionalização a partir de marco legal que obrigou a compra pública de alimentos da agricultura familiar pelo sistema público de educação básica, em 2009. Nos dois territórios, na maioria das organizações, a decisão para a constituição partiu dos próprios agricultores, sendo um processo bottom-up, assim como a iniciativa em participar do PNAE. O que mostra que a capacidade dos agricultores familiares de se organizarem para o acesso às políticas públicas não foi um processo liderado pelo Estado, e, sim, pelos próprios beneficiários.

O aparato administrativo foi alterado mais intensamente em um Território que no outro, em infraestrutura de transporte, recursos materiais, humanos, financeiros, acesso a tecnologias e assistência técnica. Foi possível perceber que as cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG possuem maior disponibilidade de recursos do que as associações e cooperativas do Território do Mato Grande/MG, considerando recursos pessoais como assistência técnica e profissionais do ramo administrativo e recursos materiais como transporte próprio e computador. Exceto na COOPAF Muriaé, nas demais organizações, os recursos financeiros não apresentam diferenças pontuais, visto que todas as organizações dos dois territórios sobrevivem por meio do capital levantado por meio de projetos, da cota parte ou das receitas das vendas geradas principalmente pela venda para a alimentação escolar.

A atuação de dirigentes na implementação evidencia participação na criação e/ou transformação das organizações, inclusive pelo engajamento no desempenho de novas atribuições. Além de a maioria ser beneficiária do PNAE, os diretores das associações e cooperativas são atores que colocam a implementação da política pública na prática, são

144 lideranças empíricas que participam de atividades no contexto municipal e territorial, participaram na criação das associações e cooperativas e, a série de atribuições que estes assumem para o funcionamento das organizações e para o acesso e a execução da política pública.

Considerando que a implementação do PNAE é condicionada pela atuação de diferentes atores sociais, para pesquisas futuras, sugere-se a ampliação do campo de estudo, contemplando outros atores envolvidos na implementação do PNAE, levando em consideração a atuação conjunta de atores vinculados à agricultura familiar e à alimentação escolar, a exemplo de burocratas de nível de rua, como forma de constatar outros elementos que interferem na implementação do PNAE em sua interlocução com a agricultura familiar para além da atuação dos diretores e a organização do aparato administrativo nos territórios rurais analisados ou em outros territórios rurais brasileiros. Pesquisas dessa natureza contribuirão para a compreensão de processos de implementação intersetoriais, inclusive respondendo a demandas propostas por Lotta et al. (2018) na elaboração de uma agenda de implementação de políticas públicas no Brasil.

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145 BRASIL. Resolução nº 4, de 2 de abril de 2015. Altera a redação dos artigos 25 a 32 da Resolução/CD/FNDE nº 26, de 17 de junho de 2013, no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Diário Oficial da União. 04 abril 2015.

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CONCLUSÃO

A tese cumpre o objetivo de analisar a participação da agricultura familiar no PNAE, tomando como base empírica experiências de comercialização por associações e cooperativas de territórios rurais de dois estados brasileiros (Rio Grande do Norte e Minas Gerais) e referências teórico-analíticas de pesquisas e publicações ocorridas no tema, na área de conhecimento da Ciência Administrativa. Foram analisados elementos teóricos, epistemológicos e empíricos por meio da elaboração de quatro artigos com abordagens teórica (primeiro artigo) teórico-epistemológica (segundo artigo) e teórico-empírica (terceiro e quarto artigos).

Estabelecendo interlocuções entre alimentação escolar e agricultura familiar no Brasil, apresentando sistematizações teóricas, por meio de revisões da literatura no PNAE, o primeiro e o segundo artigos se complementam por meio da geração das categorias analíticas. No primeiro, considerando artigos publicados em periódicos Qualis (A1 a B5) na área de Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo, cinco categorias emergiram do processamento dos resumos no software Iramuteq: i) Trajetória e marco legal; ii) Aspectos político-institucionais; iii) Atributos da agricultura familiar; iv) Fatores de sucesso e v) Dificuldades. No segundo, duas leituras epistemológicas foram empregadas (BURREL; MORGAN, 1979; PAES DE PAULA, 2016) para qualificar a pesquisa stricto sensu no domínio da Ciência Administrativa, e, na sequência, constituir interlocução com as categorias supracitadas do primeiro artigo.

Independentemente do enquadramento epistemológico, as pesquisas stricto sensu selecionadas no segundo artigo se harmonizam às categorias geradas no primeiro, pois, de maneira geral, realizam discussão a respeito da Trajetória e marco legal, caracterizando o PNAE como política pública para a agricultura familiar (Lei nº 11.947/2009) e fazem análise dos desdobramentos de tal instrumento nos contextos empíricos estudados. Destacam-se na categoria Aspectos políticos e institucionais três conjuntos de organizações: a) a atuação de atores sociais na execução do PNAE por meio de organizações no enclave especializado de prestação de serviços de Ater como o SENAR; o CTA-ZM e a EPAMIG; b) organizações do enclave executor como o CAE e órgãos de administração pública municipal; c) organizações do enclave sociopolítico como o STR, o MST e a CPT.

Sobressaem, da execução da política pública Atributos da agricultura familiar para além da delimitação legal, considerando conceituações teóricas, que, apesar da diversidade de perspectivas, de maneira geral, há consenso na definição de agricultura familiar como

148 categoria social em que predomina mão-de-obra familiar nas atividades da propriedade rural. Sobressaem, ainda, Fatores de sucesso com destaque para a criação de mercados para agricultores familiares, a indução para a criação e o fortalecimento de organizações formais da agricultura familiar e a alimentação saudável nas escolas, e, Dificuldades, notadamente no que se refere à certificação para produção orgânica e agroecológica, a articulação com o poder público municipal e ao gerenciamento de associações e cooperativas da agricultura familiar.

As sistematizações teóricas, por sua vez, revelam que a Lei nº 11.947/2009 é componente fundamental ao fomento à agricultura familiar, contudo, atender ao critério de compra mínima de 30% de alimentos da agricultura familiar não é suficiente. São necessárias ações complementares, principalmente de assistência técnica, treinamentos gerenciais e técnicos, de produção e de comercialização para além da compra governamental. Necessário se mostra, também, o aprofundamento do alinhamento entre interesses e ações de atores locais para que os alimentos atendam padrões de qualidade e exigências legais, inclusive pelo avanço no cumprimento de requisitos da legislação higiênico-sanitária.

A restrita presença do MST nas produções acadêmicas no domínio da Ciência Administrativa, aqui abordadas pela publicação em revistas científicas e pela pesquisa em nível de pós-graduação stricto sensu, é fato que merece atenção em pesquisas futuras. É oportuno destacar que o MST tem relevante papel histórico e político-institucional no segmento da agricultura familiar, e não apenas no PNAE, e esse fato é útil ao campo dos estudos organizacionais, especialmente no que se refere à estrutura e estratégias de gestão para influenciar políticas de fomente à agricultura familiar no Brasil; Pontos que esta investigação não aprofundou envolvem, por exemplo, influências e participação local do MST, e outras entidades representativas (a exemplo de sindicatos de trabalhadores rurais), na elaboração, monitoramento e avaliação das chamadas públicas nos municípios e nos conselhos municipais de alimentação escolar.

Na execução do PNAE pela agricultura familiar o segmento da reforma é prioritário nos termos da Lei nº 11.947/2009 (em conjunto com indígenas e quilombolas). Todavia, os únicos registros, no material analisado, aparecem com viés negativo, em meio a preconceitos e resistências de gestores públicos no diálogo com o MST, o maior representante institucional dos trabalhadores nas ações de reforma agrária no Brasil. Diante dessa carência de referência ao MST no material aqui analisado é promissor considerar, para estudos futuros na Ciência Administrativa com apreciações acerca de papéis político-institucionais do MST, ao lado de sindicatos rurais, na execução do PNAE em âmbito local, territorial e nacional.

149 Os resultados encontrados nos dois primeiros artigos da tese permitiram também a indicação de pesquisas futuras a respeito de coalizações de advocacia na formatação da Lei n. 10.696/2003 de modo a verificar o conjunto de atores e forças políticas que conduziram à criação do PAA em princípios dos anos 2000 com o intuito de se realizar comparativos daquele conjunto de atores para o PAA com o que foi aqui mapeado no PNAE (artigo 1, página 30). Sugere-se também a ampliação da base de dados para identificação de tendências da pesquisa em outros domínios da Ciência e a ampliação do campo de estudo contemplando atores sociais de outros territórios/estados de Federação, de modo a aprofundar transformações na agricultura familiar imputadas ao PNAE, inclusive na geração de fatores por métodos quantitativos.

A ampliação da análise para outros domínios da ciência faz-se relevante, pois, por ter o PNAE característica multidisciplinar, a lente de análise deve ir além da Ciência