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SENSU

O presente tópico retoma o produto gerado no artigo precedente no exercício de conciliar categorias atinentes à participação da agricultura familiar na execução do PNAE. O exercício de revisão, relatado no artigo anterior, ocorreu com base na produção intelectual disponível no Portal de Periódicos Capes contemplando 32 artigos científicos publicados em periódicos Qualis (A1 a B5) na área de Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo, considerando o quadriênio 2013-2016. Como produto, foram geradas cinco categorias, assim delimitadas:

i) Trajetória e marco legal, com as subcategorias Histórico do PNAE e Legislação; ii) Aspectos político-institucionais, com as subcategorias Atores sociais, Mercado institucional, Políticas públicas, Processos e Controle social;

iii) Atributos da agricultura familiar com as subcategorias Denominações utilizadas, Gêneros alimentícios e Organização social;

iv) Fatores de sucesso com as subcategorias Pontos fortes, Desenvolvimento e Inovação, tecnologia e cidadania;

v) Dificuldades, com as subcategorias Dificuldades da agricultura familiar e Dificuldades das Entidades Executoras do PNAE.

O objetivo aqui não é proceder análise de todas as subcategorias e códigos gerados naquele momento, mas, sim, evidenciar como as categorias analíticas daquele procedimento, de maneira geral, alinham-se aos resultados da análise da natureza epistemológica das categorias originárias da pesquisa stricto sensu e abordadas no tópico anterior. Foi possível verificar que, por caminhos diferentes e por meio de produções acadêmicas distintas, os resultados admitem conciliações.

Com relação à categoria Trajetória e marco legal, as oito pesquisas stricto sensu citam o marco legal que caracteriza o PNAE como política pública para a agricultura familiar (Lei

69 nº 11.947/2009) e fazem análise dos desdobramentos de tal instrumento nos contextos empíricos estudados. Cunha (2015) evidencia que a Lei nº 11.947/2009 garantiu a inserção da agricultura familiar em escala nacional no mercado institucional e tem orçamento garantido via recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que independe do desejo do governante.

Um aspecto importante enfatizado por Silva (2015) é que a Lei nº 11.947/2009 universalizou o atendimento do PNAE expandindo para todos os alunos da rede de educação básica. O autor retoma diretrizes da referida Lei em quatro dimensões de atuação, que formalizam e que representam os principais pontos do Programa, a saber: alimentação escolar; educação nutricional e alimentar; participação da comunidade e controle social; aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar.

El Tugoz (2015) destaca que a Lei nº 11.947/2009 possibilita que toda a cadeia produtiva se concentre no próprio município ou em localidades próximas, o que ocasiona redução das atividades logísticas. Correia (2019) destaca o incremento trazido pela Lei nº 11.947/2009 à gestão da aquisição de alimentos do PNAE por meio de elaboração de chamada pública, dispensando licitação. As pesquisas mostram, ainda, a Lei nº 11.947/2009 como mecanismo que tem estimulado a criação e desenvolvimento de organizações associativas da agricultura familiar (CUNHA, 2015; FRANZONI, 2015; SANTOS, 2016, PINTO, 2017), pelo fato de que, por meio desta, os grupos formais têm prioridade sobre os grupos informais e sobre os fornecedores individuais no acesso ao Programa.

Quanto aos Aspectos políticos e institucionais, destaca-se a atuação dos atores sociais na execução do PNAE (Quadro 5). Cunha (2015), Santos (2016), Barbosa (2017), Pinto (2017) enfatizam a atuação a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) como importante agente público na prestação de serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para organizações associativas e cooperativas da agricultura familiar, assim como, no apoio ao processo de venda. Santos (2016) e Pinto (2017) apontam o papel desempenhado pelo Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata de Minas Gerais (CTA) e pela UFV no auxílio a organizações formais da agricultura familiar pelas formações, cursos e treinamentos realizadas. Pinto (2017) aponta a atuação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) para tais formações, cursos e treinamentos. As pesquisas nitidamente destacam o papel assumido por entidades de prestação de serviços de ATER na efetivação da Lei nº 11.947/2009. Por um lado, os serviços de ATER contribuem para o aprimoramento de

70 processos de produção e comercialização, e, por outro, qualificam sistema de gestão dos fornecedores da agricultura familiar ao Programa. São, portanto, apontados efeitos da Lei na prestação de serviços especializados.

Silva (2015) e Franzoni (2015) evidenciam a participação tanto de atores governamentais quanto de atores não-governamentais na implementação do PNAE. No caso do primeiro tipo de atores, a secretaria da educação e as prefeituras, atuando como entidades executoras, vinculam diretamente nas ações outras secretarias, departamentos, nutricionistas, agências de capacitação técnica e extensão rural, que passam a atuar como entidades articuladoras. No caso dos atores não governamentais, Silva (2015) e Franzoni (2015) destacam o CAE, a sociedade civil organizada, as empresas fornecedoras e as associações e cooperativas da agricultura familiar.

Santos (2016) refere-se à atuação dos diferentes atores sociais na garantia de acesso e na execução do PNAE por intermédio de cooperativas da agricultura familiar. A autora evidencia que a rede social se tornou fator condicionante às políticas públicas de compras governamentais desde a gênese das cooperativas estudadas, visto que, o engajamento dos envolvidos na constituição, favoreceu a inserção no mercado institucional. Isso ocorreu porque, em uma cooperativa estudada, o apoio de organizações como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), desencadeou oportunidades de acesso ao PAA e depois ao PNAE, considerando que essas organizações forneceram suporte contínuo na representação dos agricultores familiares, na transferência de informações a respeito das políticas públicas, além do apoio financeiro (por parte do STR).

Silva (2015) e Franzoni (2015) realçam efeitos, em termos de arranjos político- institucionais, para além da presença de entidades prestadoras de serviços de Ater, reportando-se a amplas redes e parcerias focadas no desenvolvimento local especialmente pela presença de organizações como CAE e fornecedores do PNAE. Santos (2016) traz outro conjunto de atores sociais, quais sejam, aqueles focados na organização sociopolítica. Desse modo, sobressaem, a partir da Lei, três conjuntos de organizações alterando aspectos político e institucionais em áreas rurais: as entidades do enclave especializado de prestação de serviços de Ater; as organizações do enclave executor; as organizações do enclave sociopolítico.

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Quadro 5 – Atores sociais e aspectos políticos e institucionais na inserção da agricultura

familiar no PNAE

Autor (ano) Enclave de atuação Organizações referenciadas

CUNHA (2015) SANTOS (2016) BARBOSA (2017) PINTO (2017)

Especializado

Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata de Minas Gerais (CTA-ZM), Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG)

SILVA (2015)

FRANZONI (2015) Executor

Conselho de Alimentação Escola (CAE), cooperativas, associações, nutricionistas, secretarias municipais, departamentos e prefeituras.

SANTOS (2016)

FRANZONI (2015) Sociopolítico

Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Com relação à categoria Atributos da agricultura familiar, quanto às conceituações teóricas, quatro pesquisas (CUNHA, 2015; FRANZONI, 2015; EL TUGOZ, 2015; SANTOS, 2016) apresentaram conceitos de agricultura familiar para além da definição estabelecida pela Lei nº 11.326, de 24 de junho de 2006 (Lei da agricultura familiar). Tal Lei considera como agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos requisitos relacionados à área da propriedade (menor do que quatro módulos fiscais); à predominância da mão de obra familiar; à renda familiar, que deve ser originada das atividades econômicas do estabelecimento ou empreendimento e também à participação da família nas atividades (BRASIL, Lei nº 11.326/2006, art. 3º).

Os autores mais citados na conceituação de agricultura familiar são: Wanderley (2004, 2009); Abramovay (2007); Lamarche (1993) e Altafin (2007). Isso ocorre porque, conforme destaca Santos (2016), esses autores apresentam diferentes definições para o termo “agricultura familiar”, pautadas tanto nas raízes histórica do campesinato (WANDERLEY, 2009), quanto em transformações capitalistas (ABRAMOVAY, 2007). A abordagem de Wanderley (2004) compreende a agricultura familiar como aquela realizada com gestão familiar em pequenas propriedades rurais, com renda predominante gerada pela família em pequenos espaços de terras. Abramovay (2007) caracteriza a agricultura familiar como categoria gerada no conjunto das transformações capitalistas, formada por agricultores altamente integrados ao mercado, capazes de incorporar avanços técnicos e de responder a políticas governamentais. As diferenças entre as conceituações de agricultura familiar são apontadas mais detalhadamente nos estudos de Cunha (2015) e Santos (2016). Apesar da diversidade de perspectivas, de maneira geral, é possível verificar que os autores definem

72 agricultura familiar como categoria social em que predomina mão-de-obra familiar nas atividades da propriedade rural.

A organização formal dos agricultores familiares em associações e cooperativas é elemento destacado. Cunha (2015) realça como os mercados institucionais desencadeiam vários efeitos para a agricultura familiar, como o fortalecimento das organizações associativas locais. Santos (2016) pontua como o PNAE tem incentivado a constituição e formação de organizações da agricultura familiar, diante da evolução do número de empreendimentos da agricultura familiar e pelo fato de os grupos formais terem prioridade sobre os grupos informais e sobre os fornecedores individuais para acesso ao PNAE. Pinto (2017) e Franzoni (2015) reportam-se tanto a associações quanto a cooperativas da agricultura familiar, registrando como estas formas de organização contribuíram para o fortalecimento da categoria social e para o acesso aos mercados institucionais.

Franzoni (2015) destaca o papel do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no apoio à constituição de duas cooperativas entre sete por ele investigadas. Realça a importância do MST, não apenas na luta pela reforma agrária, mas, também, na mobilização e incentivo à organização social dos agricultores familiares assentados. O autor, todavia, relata preconceito sofrido por uma das organizações estudadas pelo fato de serem, os sócios, beneficiários da reforma agrária vinculados ao MST:

“Conforme relatado por um dos gestores entrevistados, que participou da fundação da cooperativa (COOPAN), a maior dificuldade encontrada pela COOPAN foi quanto ao preconceito sofrido em alguns meios, por se tratar de uma organização de assentados ligados ao MST. Isso se mostrou na resistência encontrada em atender alguns mercados, inclusive no mercado da alimentação escolar (FRANZONI, 2015, p. 91)”.

“O contexto problemático em que foi criada a COOPERTERRA, em um assentamento ligado ao MST, com pequenos produtores rurais, em meio a uma região dominada por latifúndios voltados à criação de gado e com falta de apoio da máquina pública local a esses produtores, se manteve mesmo após a organização dos agricultores em uma cooperativa (FRANZONI, 2015, p. 75)”.

É oportuno destacar esse achado considerando que, no conjunto do material coletado, a dissertação do autor e um artigo com dados coletados na pesquisa de campo se constituem os únicos registros ao MST. Além de revelarem, tanto na pesquisa stricto sensu quanto na publicação científica, no domínio da Ciência Administrativa, tímida presença de um importante ator representativo do segmento da agricultura familiar, as alusões ao MST ocorrem sob viés negativo, no relato de preconceitos vivenciados por agricultores familiares

73 em área dominada por latifúndio, o que ocorre tanto no meio social quanto por parte do poder público local.

Franzoni e Silva (2016) pautam a análise do PNAE – a partir das organizações supracitadas constituídas por sócios vinculados ao MST – como mecanismo de inovação social e tecnologia social na cadeia curta de agricultores familiares no município de Porto Alegre/RS. No artigo, a referência ao preconceito sofrido pelos agricultores está assim narrada por Franzoni e Silva (2016, p. 376): “No caso da COOPERTERRA, foi encontrada como restrição a tensão gerada pela dificuldade de inserção dos cooperados assentados na comunidade da qual fazem parte, oriunda do preconceito quanto às suas condições de assentados”.

Os registros à descriminação sofrida pelos assentados (FRANZONI, 2015; FRANZONI; SILVA, 2016), notadamente por parte de agentes governamentais, merece atenção na execução do PNAE considerando que a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, no Art. 14, determina que: “Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”. Portanto, assentados da reforma agrária é segmento prioritário no fornecimento para o PNAE e, nessa condição, é ilegal qualquer tipo de preconceito por parte dos órgãos públicos executores.

Há de considerar, além de aspectos éticos no serviço público e da ilegalidade de qualquer ato desfavorável a beneficiários da reforma agrária – a partir do referido Art. 14 da Lei nº 11.947/2009 – a trajetória e relevância político-institucional do MST em conquistas da agricultura familiar no Brasil. Pereira e Reis (2018), por exemplo, registram que o MST é construção histórica com origem em 1984 como movimento camponês pela reforma agrária, em uma articulação internacional entre os países da América Latina e mais 21 países da Europa, África, Ásia e América do Norte. Realçam que o Movimento traduz na sua trajetória a luta para além da terra, em um engajamento na emancipação de fração da classe trabalhadora dos camponeses organizados.

O Quadro 6 apresenta os fatores de sucesso e dificuldades da participação da agricultura familiar na execução do PNAE identificados nas pesquisas na Ciência Administrativa. Quanto à categoria Fatores de sucesso, o PNAE é considerado instrumento de promoção do desenvolvimento rural (FRANZONI, 2015, SANTOS, 2016, PINTO, 2017).

74 Franzoni (2015) traz a abordagem do “novo paradigma de desenvolvimento rural” por meio da análise de cadeias agroalimentares curtas, que são padrão emergente surgido como alternativa de abastecimento agroalimentar e como evolução das cadeias tradicionais. Na cadeia curta, as exigências dos consumidores forçam adaptações de toda a dinâmica e organização do mercado agroalimentar. Santos (2016) e Pinto (2017) trazem à tona fatores importantes para que as discussões acerca do desenvolvimento rural, com enfoque na agricultura familiar, ganhem projeção e legitimidade fazendo com que as políticas públicas para a agricultura familiar cumprem seu importante papel.

Cunha (2015) destaca como a compra institucional de alimentos da agricultura familiar é política pública com características inovadoras ao articular estratégias intersetoriais de segurança alimentar com desenvolvimento rural. Outro fator identificado é o empoderamento feminino, que é abordado, na pesquisa de Barbosa (2017), pela percepção de mulheres beneficiárias do PNAE. O Programa contribuiu para que a qualidade de vida das famílias, pois, com o aumento da renda, as mulheres tiveram acesso a outros tipos de bens e serviços, sentiram-se incluídas socialmente, melhoraram a estrutura do lar e as condições de educação dos filhos.

Franzoni (2015) classifica o PNAE como instrumento de inovação social pela organização dos agricultores como solução para problemas como insuficiência de mercado e carência de conhecimento para acesso a políticas públicas. Franzoni (2015) destaca a própria indução à criação de associações e cooperativas, o iniciativo a vários atores civis, o trabalho para atender ao bem comum, gerando cooperação e atendendo interesses gerais, a geração de benefícios para integrantes em situação de vulnerabilidade social e a produção sustentável e ecológica. Franzoni (2015) também enquadra o PNAE como mecanismo de tecnologia social, pois: cria espaços destinados a ouvir os atores locais, reconhecendo a realidade e o contexto local; tem caráter autogestionário para associações e cooperativas; fomenta capacidades para solucionar problemas e necessidades sociais para o qual foi criado; pela contribuição à comercialização diante da dificuldade das associações e cooperativas no mercado convencional e pela geração de renda de forma sustentável.

Os agricultores familiares da pesquisa de Santos (2016) citaram como principais vantagens do PNAE: agregação de valor; garantia de venda; geração de renda; escoamento da produção; fortalecimento da agricultura familiar; incentivo à constituição de cooperativas; promoção do desenvolvimento local; indução ao consumo de alimentos saudáveis. Já Cunha

75 (2015) apresentou algumas vantagens para os agricultores como o preço pago em relação a outros mercados locais, a regularidade de entrega e o prazo de pagamento menor.

No que concerne à categoria Dificuldades, Cunha (2015) informa que produtos beneficiados é de baixa presença entre os agricultores, devido à carência de capital para investir em empreendimentos agroindustriais e pela dificuldade de acesso à infraestrutura adequada para atender as legislações sanitárias. Outro gargalo demonstrado por Cunha (2015) refere-se a dificuldades dos agricultores para obter a certificação de produtos orgânicos, e, consequentemente, a não valorização monetária dos produtos livres de agrotóxicos, o que se torna fator desestimulante ao investimento na produção orgânica.

Pinto (2017) relata dificuldades enfrentadas pelos agricultores como gargalos no transporte dos produtos devido à falta de veículos adequados e à precariedade das estradas além da carência no planejamento dos itens para produção e entrega. Santos (2016), utilizando o modelo de barreiras inibidoras da melhoria do desempenho em organizações de interesse social, identificou barreiras ambientais, organizacionais e individuais que organizações da agricultura familiar enfrentam no acesso ao PNAE, a exemplo de carências na assistência técnica e em conhecimentos gerenciais e baixo comprometimento dos agricultores, respectivamente. Silva (2015), com pesquisa na capital mineira (Belo Horizonte), menciona dificuldades dos agricultores em atender a uma grande cidade, pois, a quantidade de produtos é elevada e a logística de entrega dos produtos é complexa e cara.

Há dificuldades, ainda, relacionadas a posições políticas assumidas por gestores públicos. Franzoni (2015), conforme relatado anteriormente, identificou bloqueios impostos por autoridades municipais na relação com agricultores familiares de assentamentos rurais, que encontraram resistência em atender ao mercado da alimentação escolar, e outros mercados locais, embora tenham recebido apoio dos setores de nutrição. Cunha (2015) destaca dificuldades da prefeitura em comprar gêneros alimentícios beneficiados ou industrializados dos agricultores familiares, o que torna necessário investimentos para que os agricultores consigam atender à demanda. Correia (2019) apresenta empecilhos na operacionalização do PNAE, no Instituto Federal Goiano, ao identificar descompasso entre o que se objetiva com a destinação dos 30% à compra diretamente por meio da produção agrícola familiar e o que ocorre na prática com o recurso, pois, do valor total do recurso recebido, o equivalente a 10% foi efetivamente pago ao agricultor familiar no ano de 2017.

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Quadro 6 – Fatores de sucesso e dificuldades da participação da agricultura familiar na

execução do PNAE identificados nas pesquisas na Ciência Administrativa

Autor (ano) Fatores de sucesso Dificuldades

CUNHA (2015)

Articulação de estratégias inter setoriais de segurança alimentar com desenvolvimento rural.

Criação, fortalecimento e desenvolvimento de organizações associativas e cooperativas da agricultura familiar

Carência de capital para investir em empreendimentos agroindustriais, dificuldade de acesso à infraestrutura adequada para atender as legislações sanitárias, dificuldades dos agricultores para obter a certificação de produtos orgânicos

EL TUGOZ (2015)

Incentivo à sustentabilidade

Redução de atividades logísticas pela concentração da cadeia em localidades próximas

Elevado custo de produção de alimentos orgânicos

FRANZONI (2015)

Inovação social e tecnologia social.

Criação, fortalecimento e desenvolvimento de organizações associativas e cooperativas da agricultura familiar

Apoio insuficiente do poder público municipal, especialmente a agricultores beneficiários da reforma agrária e ao MST

SILVA (2015) Promoção da Segurança Alimentar e Nutricional

Logística complexa e cara para a entrega dos produtos

SANTOS (2016)

Agregação de valor; garantia de venda; geração de renda; escoamento da produção; fortalecimento da agricultura familiar; indução ao consumo de alimentos saudáveis.

Criação, fortalecimento e desenvolvimento de organizações associativas e cooperativas da agricultura familiar

Carências na assistência técnica e em conhecimentos gerenciais e baixo comprometimento dos agricultores.

BARBOSA

(2017) Empoderamento feminino

Dificuldades para o rompimento do paradigma tradicional do trabalho no campo

PINTO (2017)

Promoção do desenvolvimento rural/local. Criação, fortalecimento e desenvolvimento de organizações associativas e cooperativas da agricultura familiar

Falta de veículos adequados para transporte dos produtos, precariedade das estradas, carência no planejamento dos itens para produção e entrega

CORREIA (2019)

Utilização da chamada pública em substituição ao processo licitatório

Dificuldades no atendimento à compra de 30% da agricultura familiar

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A síntese de categorias analíticas para estudos da inserção da agricultura familiar no PNAE tornou-se necessária em virtude da constatação de que, por recortes, meios e materiais acadêmicos distintos, as categorias geradas no exercício de revisão antecedente foram identificadas no estudo que abre este texto. Análises com tais vieses de revisão são importantes, por um lado, por possibilitar a identificação de tendências teórico-empíricas na pesquisa nas várias áreas do conhecimento, e, por outro lado, por viabilizar exercício de transversalidade conforme está aqui reportada. Na presente revisão, ficou evidente que, apesar de transitarem em matrizes epistemológicas distintas, o processamento das pesquisas em nível de pós-graduação stricto sensu, na Ciência Administrativa, se harmonizam às categorias

77 derivadas do processamento da publicação em revistas científicas, viabilizando a criação de