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2. Proposta teórica para a análise da implementação de políticas públicas: o modelo de Lima e

4.1. Categoria 1: O plano

Nesta categoria são apresentadas as características do plano locaL. A Tabela 1 registra a frequência dos códigos desta categoria. O código “característica das associações e cooperativas” reúne aspectos relacionados ao número de associados/cooperados, ao ano de criação e à forma de criação (top dow ou bottom up). O código “características do acesso ao PNAE” incluiu elementos como o número de escolas e tipos de produtos fornecidos pelas associações e cooperativas para a alimentação escolar. Já o código “PAA” refere-se às associações e cooperativas que iniciaram a comercialização no mercado institucional de compras governamentais via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Em momento anterior à Lei nº 11.947/2009 que determinou a compra governamental da agricultura familiar para o PNAE, ocorreu a institucionalização de processo similar via PAA, no corpo da Lei nº 10.696 de 2 de julho de 2003 que tem como objeto a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural. No Art. 19, então: “fica instituído o Programa de Aquisição de Alimentos, compreendendo as seguintes finalidades: [...] V - promover o abastecimento alimentar, que compreende as compras governamentais de alimentos, incluída a alimentação escolar.” Por essa razão, na formação da categoria plano, o PAA aparece pela condição de antecedente ao fenômeno desta pesquisa.

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Tabela 1 - Análise de frequência da categoria O plano

Territórios rurais Casos/códigos Características das cooperativas e associações Características do

acesso ao PNAE PAA TOTAL

Mato Grande/RN Associação de Pedregulho 1 1 1 3 Associação de Riachão 1 1 1 3 Associação de Rosário 1 1 1 3 Associação de Boqueirão 1 1 1 3 COOPABEV 1 1 1 3 COOAFES 1 1 - 2 Serra do Brigadeiro/MG COOAFA 1 1 1 3 COOPERDOM 1 1 - 2 COOPAF Fervedouro 1 1 - 2 COOPAF Muriaé 1 1 1 3 TOTAL 10 10 7 27

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Com relação ao Território do Mato Grande/RN, a Associação para o Desenvolvimento da Mulher de São José de Pedregulho (Associação de Pedregulho) foi criada no dia 8 de março de 2003 (Dia internacional da mulher) por agricultoras do Projeto de Assentamento de Pedregulho, no município de Ceará-Mirim/RN. Em 2012 elas começaram a comercializar a produção via PAA, e, a partir de 2018, para o PNAE. No ano de 2019 a associação contava com 25 sócias, permanecendo apenas mulheres desde a criação. O trabalho na associação é totalmente colaborativo. Todas as sócias trabalham conjuntamente na produção de bolos para a venda para a alimentação escolar. Além disso, existe uma horta comunitária na associação e todas as agricultoras também trabalham nas hortas individuais de cada propriedade, de forma que os recursos obtidos pela venda do PNAE para as 73 escolas são divididos igualmente entre as 25 sócias. Destas escolas, 53 pertencem município de Ceará-Mirim/RN e 20 escolas estão localizadas no município de São Gonçalo do Amarante/RN.

A Associação do Projeto de Assentamento e Reforma Agrária Riachão (Associação de Riachão), localizado em Ceará-Mirim/RN, foi criada em 2004 por meio da reunião dos produtores rurais do Assentamento rural de Riachão no Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR). Os produtores formaram a associação para favorecer a desapropriação de terras e a venda conjunta dos produtos dos assentados por meio da formalização do grupo de agricultores. Em 2007 a associação iniciou sua participação no PAA, e, em 2009 no PNAE. Os principais gêneros alimentícios vendidos para a alimentação escolar são: banana, mandioca, batata, hortaliças, coentro, alface, cebolinha, melancia e abóbora. Todas as 55

123 escolas nas quais a associação fornece para o PNAE estão localizadas em Ceará-Mirim/RN. Dos 73 associados aproximadamente 40 entregam produtos para serem comercializados via mercado institucional.

A Associação dos Trabalhadores Rurais da Agrovila Nova Esperança Projeto de Assentamento Rosário (Associação de Rosário), igualmente em Ceará-Mirim/RN, foi criada em 1999 pelos agricultores do Projeto de Assentamento de Rosário. No ano de 2009 a associação passou a vender para a alimentação escolar, antes disso, as vendas eram destinadas para atravessadores ou para o PAA. Dos 55 associados, em média 25 entregam para o PNAE alimentos como: banana, batata, mandioca, abóbora, melancia, milho verde, feijão verde, maracujá, dentre outros. Além das 55 escolas do município de Ceará-Mirim/RN, a associação entrega para o Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), campus Natal/RN (Zona Norte), João Câmara/RN, São Gonçalo do Amarante/RN e Parnamirim/RN.

A Associação de Mulheres Lutadoras de Lilás de Boqueirão (Associação de Boqueirão), localizada em Touros/RN, foi criada em 2006 por meio da doação de recurso financeiro para 24 agricultoras da comunidade de Boqueirão que decidiram construir uma estrutura para fábrica de polpa de frutas e no ano de 2009 passaram a fornecer polpas de frutas para a alimentação escolar. Antes de vender para o PNAE a produção era destinada para um atravessador e para o PAA. Compõe a associação 81 sócios no ano de 2019, no ano de 2009, o quadro societário era formado apenas por mulheres, mas como o passar do tempo foi aberto também para homens de forma a contribuir para o aumento da entrega de frutas para processamento. Além de vender para 33 escolas de Touros/RN, a Associação de Boqueirão também entrega polpa de frutas de abacaxi, acerola, goiaba, uva, mangaba, caju, maracujá e graviola para o IFRN campus Ceará-Mirim/RN, João Câmara/RN, Macau/RN e São Paulo do Potengi/RN.

A Cooperativa Mista da Agricultura Familiar e Economia Solidária de Bebida Velha (COOPABEV), localiza em Pureza/RN, foi criada em 2011 por agricultores que faziam parte da Associação de Bebida Velha desde 2000. Entretanto, a associação era mais focada com a cajucultura e fornecia apenas para o PAA, não vendia alimentos para a alimentação escolar. A venda de gêneros alimentícios da agricultura familiar para a alimentação escolar em Pureza/RN iniciou no ano de 2010 por meio da participação individual dos agricultores, permanecendo até o ano de 2012, a partir de 2013 os agricultores começaram a participar do PNAE pela COOPABEV. A cooperativa fornece alimentos da agricultura familiar para sete escolas municipais e para o IFRN campus Ceará-Mirim/RN. 26 agricultores compõem o

124 quadro societário da cooperativa, sendo que destes, em média 15 participam de projetos do PNAE em 2019.

A Cooperativa de Agricultores Familiares e Pescadores Artesanais da Economia Solidária do Mato Grande (COOAFES) não havia executado PNAE em 2019, todavia, foi inserida na pesquisa por se tratar da única entidade, nos dois territórios em pauta, com atuação territorial. O diretor presidente demonstrou otimismo quanto à atuação da COOAFES e o propósito de voltar a fornecer para o mercado institucional, uma vez que nos anos de 2015 e 2016 a cooperativa participou do PNAE das prefeituras de Natal/RN e de Parnamirim/RN com sucesso. O Quadro 3 sumariza as informações prestadas por cada entidade.

Quadro 3 - Características das associações e cooperativas do Território do Mato Grande/RN

Território do Mato Grande/RN

Municípios Associações e cooperativas da agricultura familiar Ano de criação Ano que iniciou a participação no PNAE Número de associados/ cooperados Número de escolas que fornecem para o PNAE Ceará-Mirim Associação de Pedregulho 2003 2018 25 73 Associação de Riachão 2004 2009 73 55 Associação de Rosário 1999 2009 55 55

Touros Associação de Boqueirão 2006 2009 81 33

Pureza COOPABEV 2011 2013 26 7

João Câmara COOAFES 2009 2015-2016 50 -

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Quanto às associações e cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG, a Cooperativa dos Agricultores (as) Familiares e Economia Solidária de Araponga/MG (COOAFA) foi criada em 2015, mas os agricultores já acessavam ao PNAE por meio de grupo informal desde 2010, e, a partir de 2012 pela associação de agricultores do município. O PNAE foi o fator chave para a criação da cooperativa, visto que, os agricultores que se organizaram informalmente, e posteriormente pela associação de agricultores familiares, sentindo a necessidade de formar a cooperativa para vender em feiras de Araponga/MG e região, mas, especialmente para o acesso ao PNAE.

A cooperativa fornece gêneros alimentícios da agricultura familiar apenas para escolas do município de Araponga/MG, sendo um diferencial a produção de alimentos orgânicos como verduras (alface, almeirão, couve, brócolis, salsinha, cebolinha, cebola de cabeça, alho, repolho), legumes (cenoura, beterraba, chuchu, mandioca, batata doce, inhame) e frutas (laranja, mexerica e banana). Dos 34 cooperados 20 participam de projetos do PNAE em 2019. Ainda organizados em associações, os agricultores forneceram banana e café para o

125 PAA da Universidade Federal de Viçosa (UFV) no Edital de 2015, mas, motivos como a ausência de uma câmara de climatização da banana trouxeram dificuldades para que os agricultores continuassem a fornecer para a universidade.

A Cooperativa da Agricultura Familiar de Divino e Orizânia/MG (COOPERDOM) foi criada no mesmo ano que a COOAFA (2015), e, da mesma forma, o PNAE foi um aspecto importante para a decisão dos agricultores em criar a cooperativa, pois anteriormente à sua criação, as vendas para a alimentação escolar eram realizadas via associação dos agricultores. A COOPERDOM entrega para 29 escolas do município de Divino/MG; dos 36 cooperados, 12 fazem parte do PNAE. Os principais produtos fornecidos são verduras (alface, couve, cebolinha, salsinha), legumes (abóbora, inhame, mandioca), frutas (laranja, tangerina, mexerica e banana), e alimentos processados como fubá, farinha de mandioca e pó de café. Além do PNAE, a cooperativa entrega em lojas específicas em Belo Horizonte/MG uma vez a cada quinze dias, no entanto, a maior parte da produção dos cooperados é destinada para o PNAE.

A Cooperativa dos Agricultores Familiares e Economia Solidária de Fervedouro (COOPAF Fervedouro) foi criada em 2013, e, desde então, toda a venda da cooperativa é destinada para o PNAE. Apesar de possuir um número de 45 cooperados, apenas sete deles entregam para o PNAE, fornecendo como principais alimentos batata, cenoura, cebola, tomate, pimentão, inhame e abóbora. Os demais agricultores que não entregam para o PNAE fazem parte da cooperativa para garantirem descontos na compra de insumos e equipamentos, para conseguir com maior facilidade o crédito rural via PRONAF, visto que na cooperativa existe um técnico agrícola que faz os projetos de crédito rural para os agricultores, assim como também para ter acesso à assistência técnica que a cooperativa disponibiliza para os cooperados. Essa assistência técnica é uma forma também de orientação para a compra dos produtos disponibilizados na loja da cooperativa, uma vez que, na sede da COOPAF Fervedouro funciona também uma loja de venda de insumos e equipamentos para produção.

A Cooperativa dos Produtores da Agricultura Familiar Solidária (COOPAF Muriaé) foi criada em 2012, mas apenas em 2015 os agricultores fizeram a primeira venda para o PNAE via cooperativa. Anteriormente à criação da cooperativa, os agricultores forneciam para o PAA de 2007 a 2010, e, a partir de 2010 passaram a fornecer para o PNAE por meio de uma associação. No final do ano de 2014, a COOPAF recebeu uma notificação da Receita Federal de que eles haviam formado uma cooperativa e não estavam fazendo movimentações de vendas por ela, foi então que em 2015 eles suspenderam as vendas por meio da associação

126 e passaram a comercializar pela cooperativa. A maior parte das vendas da cooperativa (acima de 90%) é para o PNAE, o restante da produção é vendida na feira de Muriaé/MG. No total, a COOPAF Muriaé fornece para 160 escolas de 14 municípios localizados na Zona da Mata Mineira, possuindo uma variedade de 31 produtos, incluindo frutas, verduras, hortaliças, além de produtos processados como iogurte e leite embalado em saquinho. Existe uma parceira da cooperativa com dois laticínios para processamento do leite. O Quadro 4 sumariza as características relatadas pelo presidente de cada entidade.

Quadro 4 - Características das cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG

Território da Serra do Brigadeiro/MG

Municípios Cooperativas da agricultura familiar

Ano de criação

Ano que iniciou a participação no PNAE Número de associados/ cooperados Número de escolas que fornecem para o PNAE Araponga COOAFA 2015 2010 34 9 Divino COOPERDOM 2015 2009 36 29

Fervedouro COOPAF Fervedouro 2013 2009 45 5

Muriaé COOPAF Muriaé 2012 2010 120 160

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A caracterização das associações e cooperativas da agricultura familiar dos dois territórios revela que, distintamente do Mato Grande/RN, na Serra do Brigadeiro/MG existem apenas cooperativas que acessam o PNAE, não havendo associações. No entanto, a gênese dessas cooperativas está na criação, a priori, de associações, para, a posteriori, a criação de cooperativas. Rios e Carvalho (2007) apresentam as associações de produtores rurais como um eficaz mecanismo de transição entre uma informalidade dos primeiros passos e a inserção solidária no mercado, uma vez que as associações possuem personalidade jurídica, mas não são empresas, tendo um caráter marcadamente sócio-político.

Além disso, Rios e Carvalho (2007) destacam que as associações apresentam a dupla vantagem de poderem organizar os interessados de uma maneira mais orgânica, socialmente falando, sem o peso administrativo e econômico de uma estrutura empresarial. Ou seja, para os autores, esta leveza administrativa das associações apresenta suas limitações naturalmente em termos de uma plena inserção no mercado, mas o seu interesse e funcionalidade estão justamente no fato que seriam estruturas de ensaio, em termos de uma transição a ser construída na prática. Este aspecto foi verificado na análise das cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG, ou seja, o papel importante que associações tiveram para que

127 posteriormente os agricultores pudessem se organizar em cooperativas e ter acesso à política pública por meio destas.

Nos dois territórios, na maioria das organizações, a decisão para a constituição partiu dos próprios agricultores, sendo um processo bottom-up, assim como a iniciativa em participar do PNAE. O modelo bottom-up enfatiza elementos dos contextos de ação nos quais a política pública é implementada e toma como variáveis as condições dos espaços locais (LIMA; D’ASCENZI, 2013). Outro aspecto relevante está associado à inter-relação entre políticas públicas, pois, como mostra a análise de frequência do código “PAA”, todas as associações e cooperativas do Território do Mato Grande/RN e na COOAFA e COOPAF Muriaé na Serra do Brigadeiro/MG, o acesso ao PAA, que também é uma política de compra governamental de alimentos da agricultura familiar, foi um evento anterior à participação destas organizações no PNAE, o que mostra também como que acessar primeiro uma política pública pode servir de elo para novos mercados.

Escobal et al. (2015) destacam a importância de reconhecer que políticas públicas e/ou programas implementados em um território encontram uma série de estruturas e processos já em andamento que podem fortalecer ou enfraquecer seus efeitos. O que se percebe nesta pesquisa, é que a organização dos agricultores em ambos os territórios, seja por meio de associações ou cooperativas, assim como o acesso prévio ao PAA fortaleceu a implementação do PNAE, que, por sua vez, contribuiu para o fortalecimento das estruturas associativas e cooperativas. A análise do plano, aqui representada pelas características das organizações associativas e cooperativas da agricultura familiar pertencentes a estes territórios contribui, assim, para a identificação de particularidades no que se refere à organização do aparato administrativo e atuação dos diretores destas organizações.