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2. Proposta teórica para a análise da implementação de políticas públicas: o modelo de Lima e

4.2. Categoria 2: Organização do aparato administrativo

A Tabela 2 apresenta a análise de frequência dos códigos desta categoria. Considerando que são elementos da fase da implementação de políticas públicas os recursos materiais, financeiros, informativos e políticos (SECCHI, 2013), os códigos associados ao acesso aos recursos mostra como estes estão relacionados ao cotidiano da implementação, assim como as parcerias estabelecidas. Outros elementos que influenciam a forma como se dá a apropriação e implementação do plano nos espaços locais referem-se às regras formais e informais, por meio dos dispositivos institucionais do PNAE e respectivas interfaces com

128 peculiaridades da agricultura familiar e dos fornecedores em particular, mediadas por normas específicas das associações e cooperativas.

Tabela 2 - Análise de frequência da categoria Organização do aparato administrativo

Territórios

rurais Casos/códigos

Veículos, máquinas e equipamentos

Pessoal Capital Parcerias Estrutura TOTAL

Mato Grande/RN Associação de Pedregulho 2 1 1 1 1 6 Associação de Riachão 3 2 1 1 1 8 Associação de Rosário 1 1 1 1 4 Associação de Boqueirão 3 1 1 1 1 7 COOPABEV 1 1 1 1 1 5 COOAFES 2 1 1 1 5 Serra do Brigadeiro/MG COOAFA 1 1 1 3 COOPERDOM 2 1 1 1 5 COOPAF Fervedouro 2 3 1 1 7 COOPAF Muriaé 5 4 2 1 12 TOTAL 20 16 11 10 5 62

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A Tabela 1 mostra que código “veículos máquinas e equipamentos” aparece com a maior frequência. Foi possível verificar que a maioria das associações e cooperativas do Território do Mato Grande/RN, exceto a Associação de Boqueirão e a COOAFES, não possuem veículos de transporte próprio para a entrega dos alimentos nas escolas, enquanto as cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG, exceto a COOAFA, possuem transporte para tal finalidade.

A Associação de Boqueirão possui um carro semitérmico e uma “caminhonete baú”. Segundo relato do entrevistado, a COOAFES possui duas caminhonetes que foram conseguidas por meio de um edital de 2011/2012 do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) com a finalidade de apoiar a logística no âmbito do PNAE no estado do Rio Grande do Norte. As demais associações e cooperativas do Território do Mato Grande/RN alugam caminhões para poder entregar os produtos para as escolas. Pela fala da entrevistada da Associação de Pedregulho é possível perceber a importância dos projetos que associação foi beneficiada para o provimento de recursos:

129 “Sem essa sede e sem essa estrutura a gente não poderia participar né? Porque a gente precisa pra fazer o bolo, e até mesmo pra gente ter a acolhida assim, das sócia, pra gente fazer as reunião da gente é, então assim, tudo faz parte de projetos que vem pra gente. Sem esses projetos pra chegar até nós, jamais a gente tava onde está (Entrevistada Associação de Pedregulho).”

As verbas destinadas de projetos também foram fundamentais para a aquisição de veículos nas cooperativas da Serra do Brigadeiro/MG. Na COOPAF Muriaé, o caminhão para transporte das mercadorias foi uma ação do Plano de Desenvolvimento Territorial da Serra do Brigadeiro, em 2009. A Kombi foi concedida por meio de um acordo com comodato de um projeto de um deputado federal e a caminhonete foi uma conquista do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA) e a moto foi adquirida com recursos próprios da cooperativa. Também na COOPERDOM, o CTA doou uma caminhonete no âmbito do desenvolvimento de um projeto em parceria com a associação de agricultores do município. Na COOPAF Fervedouro, a caminhonete é um veículo utilizado em parceria com a associação. Já na COOAFA os agricultores utilizam seus transportes próprios, entregando os produtos diretamente nas escolas.

Se tratando do recurso transporte para a entrega das mercadorias, notou-se que as cooperativas do território mineiro possuem melhores condições para transportar suas mercadorias do que as associações e cooperativas do território potiguar. Além disso, as dificuldades das organizações do Território do Mato Grande/RN se acentuam, uma vez que as associações e cooperativas atendem a um maior número de escolas, sendo sugerido, pela maioria dos entrevistados, que as prefeituras providenciem um centro de distribuição único no qual todas as organizações pudessem deixar as mercadorias, e, assim, as prefeituras seriam responsáveis pela entrega. Este é um aspecto que merece destaque para os gestores públicos dos municípios do Território do Mato Grande/RN, e, considerando isso, sugere-se que as ações das prefeituras deveriam orientar-se para a melhoria dos resultados da política pública neste território no que concerne aos aspectos relacionados ao transporte e a distribuição das mercadorias para a alimentação escolar.

Outros tipos de recursos são os recursos como máquinas, equipamentos e utensílios. No Território do Mato Grande/RN, apenas a COOPABEV possui um computador com internet disponível na sede da cooperativa e no Território da Serra do Brigadeiro/MG todas as cooperativas possuem computador, embora na COOAFA o computador utilizado seja o de uso pessoal da diretora. Quando indagados aos demais diretores entrevistados a respeito do acesso às chamadas públicas do PNAE, eles responderam que são informados por meio da pessoa que gerencia a cooperativa (Associação de Boqueirão), ou eles mesmos comparecem

130 na prefeitura para terem acessos às chamadas públicas (Associações de Pedregulho, de Rosário e de Riachão). Outros tipos de máquinas, equipamentos e utensílios são as câmaras de resfriamento e máquinas de processamento das frutas da Associação de Boqueirão, os equipamentos para a produção dos bolos (utensílios, mesas de inox, fogão, forno industrial) da Associação de Pedregulho, três microtratores da Associação de Riachão.

O código “pessoal” aparece com a segunda maior assiduidade. O trabalho das próprias agricultoras é presente na Associação de Boqueirão e na Associação de Pedregulho, pois as associadas trabalham conjuntamente para a produção das polpas de frutas, na primeira, e, para a produção de bolos e na horta coletiva, na segunda. Na Associação de Riachão os filhos dos agricultores trabalham também na entrega das mercadorias nas escolas, mas não são associados e nem funcionários da Associação, eles recebem por diárias.

A COOPAF Muriaé e a COOPAF Fervedouro são as cooperativas que possuem funcionários, a primeira dispõe de um técnico agrícola, de um funcionário na área administrativa e os membros da diretoria, que são cooperados, mas trabalham de forma remunerada, a segunda conta com trabalho de uma estagiária do curso de Administração e de um técnico agrícola. No Mato Grande/RN, nenhuma organização estudada possui técnico agrícola exclusivo para prestar serviços aos membros, na Associação de Rosário, o filho da diretora é técnico agrícola e presta assistência técnica de maneira voluntária aos associados. A fala entrevista reforça a importância da assistência técnica no meio rural:

“Lamentavelmente os governantes não enxergam a importância dessa assistência técnica né, por falta de assistência técnica hoje o agricultor familiar segue um pouco pro agronegócio e carrega sua produção de agrotóxico e isso é um grande problema e quase tudo sem receituário né, da própria cabeça, da própria, como se fosse ate uma alta medicação e vai procurando os defensivos mais forte e vai aplicando cada vez mais, e essa é um desafio grande (Entrevistado COOAFES).”

A pesquisa de Santos, Ferreira e Campos (2019) mostra como a carência de assistência técnica constitui uma barreira para o acesso ao PNAE em uma cooperativa da agricultura familiar, e, além disso, os autores constataram que, não basta assessorar os empreendimentos da agricultura familiar para constituí-los, é preciso um apoio contínuo para que eles funcionem plenamente. Costa, Amorim Júnior e Silva (2015), ao analisarem analisados diagnósticos realizados em 19 cooperativas de agricultura familiar em diferentes regiões de Minas Gerais, inferiram que são necessárias políticas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) de acompanhamento sistemático e contínuo para deixarem os agricultores familiares aptos a gerirem suas cooperativas.

131 A relevância da assistência técnica reforça a importância das políticas públicas se complementarem, quanto se trata de agricultura familiar. Por exemplo, o PNAE não consta em seus dispositivos institucionais mecanismos legais para a promoção da assistência técnica. Porém, existem no Brasil a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER) e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER), que foram instituídos por meio da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, tendo, dentre seus princípios, gratuidade, qualidade e acessibilidade aos serviços de ATER. Além deste princípio, a PNATER e o PRONATER buscam contribuir para a segurança e soberania alimentar e nutricional, o que indica concordância com as diretrizes do PNAE.

Apesar da maioria das organizações não possuírem assistência técnica própria, elas contam com o suporte de diversas organizações, como mostra o código “parcerias” para tal finalidade, como da Secretaria da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (SEAP) de Ceará-Mirim/RN, do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) e do CTA. Além das parcerias para a assistência técnica, foi mencionada pela COOAFES as parceiras com a Organização de Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Solidárias (Oasis), que é uma incubadora de projetos sociais da UFRN, com o IFRN e com o Instituto de Debates Econômicos (IDE), sendo essas parcerias voltadas para o conhecimento acadêmico, pelo curso de Gestão de Cooperativas da Oasis/URN e por meio de conhecimentos voltados para processos gerenciais como o IFRN e IDE.

Outras organizações relevantes que foram citadas pelos diretores das associações pertencentes a assentamentos rurais do Território do Mato Grande/RN, referem-se ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A diretora da Associação de Rosário citou o apoio do MST na mobilização e constituição e o diretor da Associação de Riachão citou o apoio do INCRA nas orientações para acesso ao PAA, anteriormente ao acesso ao PNAE, o que reforça a presença de elementos ideológicos na análise da implementação do PNAE no Território do Mato Grande/RN. Estão, aqui, contribuições fornecidas por duas entidades vinculadas à causa da reforma agrária.

Fornecedores do PNAE em Porto Alegre/RN relataram preconceitos vivenciados, em área dominada por latifúndios, e resistências que sofriam em virtude da condição de assentados da reforma agrária (FRANZONI, 2015). Esse fato indica, por um lado, o poder

132 discricionário da gestão pública local na condução das chamadas públicas, conforme narra um dos informantes de Franzoni (2015, p. 70):

“Aqui no município é complicado pro pequeno produtor, pois tem muito latifúndio, o pequeno produtor não tem muito espaço. Há um desinteresse grande das autoridades municipais em ajudar o agricultor, diferente dos outros municípios que a Secretaria da Agricultura ajuda os pequenos. Então, ainda estamos tendo dificuldades por falta de apoio da prefeitura de Tupanciretã. Essa é a nossa dificuldade, com a prefeitura local: ainda tem uma resistência muito grande com os assentados, o povo e a prefeitura ainda têm um preconceito em relação aos assentados (produtor da COOPERTERRA) (FRANZONI, 2015, p. 70).”

A narrativa do agricultor ganha mais relevância quando se constata que, no marco legal de execução do PNAE pela agricultura familiar, os assentados da reforma estão entre os segmentos prioritários, ao lado de indígenas e quilombolas. Portanto, independente do aspecto formal da legislação, normas locais (à margem da Lei) ainda são possíveis e praticadas. Por outro lado, na fala do agricultor fica evidente a presença de julgamentos pessoais na execução de políticas públicas que intentam garantir direitos de agricultores familiares, mas que, no nível local, enfrentam entraves político-ideológicos.

Entre as seis organizações do Território do Mato Grande/RN, quatro delas – Associação de Boqueirão, Associação de Pedregulho, Associação de Riachão e Associação de Rosário – estão localizadas em assentamentos rurais. Já no Território da Serra do Brigadeiro/MG não há incidência de cooperativas de assentamentos rurais. Além disso, no território potiguar, todas as organizações de assentamentos rurais são associações e as duas organizações que não pertencem a assentamentos rurais – COOPABEV e COOAFES – se organizam na estrutura de cooperativas. Este resultado é um indício de que, para a amostra de organizações formais estudadas, há limitação da agricultura familiar em se organizarem em cooperativas, se tratando se assentamentos rurais.

O código “capital” está associado ao volume de recursos levantados por meio de projetos e por meio da cota parte, que são os valores financeiros que os agricultores integralizaram para tornarem-se membros das associações e cooperativas, assim como também os recursos financeiros provenientes das receitas das vendas geradas principalmente pela venda para as escolas, uma vez que o PNAE é o principal mercado em todas as organizações estudadas, exceto pela COOAFES, que passa por um processo de reestruturação para poder participar do mercado institucional. Destaque para a COOPAF Muriaé pelo elevado montante de recursos das vendas destinadas à alimentação escolar, visto que a cooperativa comercializa para 160 escolas e em feira no município de Muriaé/MG.

133 O código “estrutura” se refere à sede das organizações. No Território do Mato Grande/RN apenas a COOAFES não possui uma sede definitiva, visto que, por ser uma cooperativa territorial, existem núcleos nas cidades potiguares de São Miguel do Gostoso, Pureza, João Câmara e Ceará-Mirim, sendo que a intenção dos agricultores, conforme relatou o entrevistado, é que a sede da cooperativa seja alocada no município de Ceará-Mirim/RN, por se tratar do município mais próximo de Natal/RN, onde se localiza a Cooperativa Central de Comercialização da Agricultura Familiar de Economia Solidária (CECAFES), lugar em que a COOAFES entrega a produção dos cooperados.

As demais associações e cooperativa do Território do Mato Grande/RN possuem sede própria e a sede é localizada na zona rural dos municípios as quais pertencem. Na Serra do Brigadeiro/MG, a sede COOPERDOM e a COOPAF Muriaé pertencem ao STR, sendo feito um acordo de comodato. A COOAFA utiliza o espaço cedido pela associação de agricultores familiares de Araponga/MG e a COOPAF Fervedouro aluga a sede na qual a cooperativa funciona. Enquanto a sede de todas as organizações do Território do Mato Grande/RN se localiza na zona rural, as quatro cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG se localizam na zona urbana e todas funcionam ao lado do STR.

Esta categoria mostra que a organização do aparato administrativo influencia na implementação da política pública à medida da disponibilidade de recursos e da participação financeira no PNAE. Esse fato contribui para ampliar as díspares condições de transporte, acesso a computador com internet e assistência técnica encontradas no Território da Serra do Brigadeiro/MG em detrimento das condições do Território do Mato Grande/RN. Tais condições influenciam nos resultados da política, especialmente pelo fato de que o transporte próprio diminui os custos das mercadorias, o acesso à internet facilita processos de comunicação e fluxo de informações e a assistência técnica garante fluxo regular de produção.